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Costumes locais quando a Igreja Assembleia de Deus por aqui chegou

Mais um capítulo do livro QUANDO SAMAMBAIA PEGOU PEGO, de Moizeis Alexandre Gomis, versando sobre a História da chegada da Igreja Assembleia de Deus em Goiás e na região do Oeste Goiano. O texto, a seguir, fala de costumes da época. Vamos à leitura:

NOVOS TEMPOS

“Espera no Senhor, segue o seu caminho, e ele te exaltará para possuíres a terra; presenciarás isso quando os ímpios forem exterminados. Vi um ímpio a expandir-se qual cedro no Líbano [qual jatobá na floresta]. Passei, e eis que desaparecera; procurei-o, e já não foi encontrado”. Salmo 37.34-36.

A partir do final do século XIX começaram a ocorrer acentuadas mudanças socioeconômicas e políticas no Brasil que prosseguiram nas três primeiras décadas do século XX, decorrentes da industrialização e da ascensão do capital industrial, cuja produção, em 1927, já havia superado a agropastoril, representando maior peso no PIB nacional. Em decorrência disto, a burguesia emergente, através de seus representantes políticos e do movimento encabeçado pelo baixo oficialato das Forças Armadas – o Tenentismo – passou a exercer forte pressão sobre a aristocracia agrária, que detinha o poder e comandava a política do país desde o tempo do Império, exigindo mudanças políticas que atendessem aos seus interesses econômicos e aos da classe média. O desfecho final dessa disputa foi a Revolução de 30, deflagrada pelos tenentistas, liderada pelo gaúcho Getúlio Dornelas Vargas, resultando no fim da República Velha e do domínio dos coronéis.

A partir de então, como em várias regiões do país, Goiás experimentou significativas mudanças políticas, econômicas e sociais, inaugurando um novo ciclo de desenvolvimento, com a construção de Goiânia, a ampliação da rede ferroviária e a Marcha para o Oeste – implantada pelo governo Vargas e que contribuiu para a abertura de novas rodovias e a consequente integração do interior do país. Assim, o centenário isolamento de Goiás, considerado então na conta dos Estados periféricos, foi rompido, prevalecendo um surto de progresso e de intensa migração de pessoas de diversas partes do país, para o território goiano, vindas principalmente do Nordeste, São Paulo e Minas Gerais, principalmente do Triângulo Mineiro.

Boa parte dos migrantes era de garimpeiros, sendo, contudo, a grande maioria constituída de camponeses em busca de terras baratas para plantar lavouras e criar gado. Com isso, houve uma rápida ocupação da região do centro-oeste goiano. Logo as vastas áreas de matas, que outrora estavam sob o domínio dos coronéis, agora depostos do poder, foram, em parte, desapropriadas pelo governo da nova situação política a título de quitação de anos de impostos atrasados, e também invadidas por agricultores sem terra, com o discreto beneplácito de chefes políticos regionais.

No rastro, então, desse novo contexto histórico, foi que dezenas de famílias, vindas do Triângulo Mineiro, particularmente de Arapuá, Araxá, Bambuí e Patos, se estabeleceram nas bacias dos rios Claro e Caiapó. O resultado dessa acelerada ocupação foi que, dentro de poucos anos, aquele imenso mar verde de florestas de outrora deu lugar a um novo cenário com clareiras coloridas com as cores das lavouras de milho, arroz, algodão, café e das pastagens de capim jaraguá e colonião, ostentando belas e bem montadas fazendas.


Os mais aquinhoados montavam as sedes de suas propriedades rurais construindo casarões com traços do estilo colonial: telhas de olarias de fabricação manual, telhado de espigão, com portas e janelas retangulares grandes pintadas de verde ou azul e paredes caiadas de branco. As frentes das casas, geralmente, eram protegidas por um pátio de lascas de aroeiras fincadas, cheio de plantas ornamentais, com muitas flores a formarem uma profusão de cores, onde não faltavam, roseiras, “sempre-vistosas” (buganvília), “alegria-de-salão”, cravos, “bem-me-quer” (crisântemos), “crista-de-galo”, “maria-teimosa” e outras flores de diversas espécies. Aos fundos das residências existiam amplos quintais igualmente cercados de lascas de aroeira fincadas, com belos e aconchegantes pomares plantados com várias espécies de frutas: manga-comum, manga-espada, manga-coração, manga-sabina, manga-abacaxi, maga-bourbon, laranja-comum, laranja-vermelha, laranja-da-terra, laranja-lima, lima, lima-de-bico, cidra, limão-galego, limão-china, limão-carranca (limão florentino), mexerica-cravo, mexerica-fuxiqueira, amora, romã, abacaxi, abacates, mamão, jaca, jabuticaba, fruta-de-conde, carambola, marmelo, caju-vermelho, caju-amarelo, goiaba-branca, goiaba-vermelha, cereja, tamarindo, jambo, uva, banana-maçã, banana-prata, banana-nanica, banana-ourinho, banana-rocha, banana-são-tomé e de outras variedades.
Para completar a benfeitoria da fazenda, faziam os repartimentos dos pastos com cercas de arame farpado e postes de madeiras resistentes, chanfrados nas pontas de forma pontiaguda, para evitar o apodrecimento pela chuva. Construíam também enormes currais, com dois ou três repartimentos, geralmente na frente da sede da fazenda, do tipo “cerca-de-corrente”: lances de quatro lascas superpostas horizontalmente e sustentadas por morões lavrados e vazados e pontiagudos (em forma piramidal), igualmente para evitar o apodrecimento pela chuva, e, como sempre, de aroeira ou de sobro. Era comum haver uma porteira sustentada por dois morões altos, lavrados, com uma trava curva na parte superior, no formato de verga de porta neoclássica (como uma canga invertida), por onde se adentrava em um longo corredor, de aproximadamente cento e cinquenta metros de extensão, por cerca de vinte de largura, que dava acesso ao curral principal. Tudo feito semelhante aos currais. Alguns fazendeiros até se davam ao luxo de ter currais de tábuas cerradas artesanalmente na “serra-de-mão”.

Ainda fazia parte do conforto da fazenda o rego d’água, com bica na varanda da cozinha e o monjolo de limpar arroz e pilar milho para fazer farinha e fubá, alimentado pelas águas de um açude ou pelo sistema de “água-virada” de uma vereda de buriti ou tirada de alguma mina que brotava borbulhante na cabeceira de alguma várzea. Também não faltavam tulhas cheias de mantimentos, paiol abarrotado de milho em espigas, chiqueiros cheios de capados e mangueiros com porcada solteira de criar.
Como meio de transporte, contava-se com o carro de boi equipado com sua tralha para cinco ou seis juntas de bois carreiros, usado para carrear a produção da roça e abastecer a fazenda com sal, ferramentas, arame farpado, querosene para iluminação, e outros artigos manufaturados, comprados na cidade e transportados à custa de penosas viagens que duravam semanas e até meses, por estradas carreiras esburacadas, as vezes com chuva e cruzando vaus de rios cheios. Isto, quando não se usava o expediente dos tropeiros, com seus comboios de mulas e burros, vergados sob cangalhas e bruacas, que partiam abarrotadas de cereais e fardos de tocinhos salgados e empalhados e voltavam trazendo diversas mercadorias.

Cada fazendeiro possuía seu gado leiteiro, de cria, recria e engorda, tropa de montaria, galinhas, patos, marrecos, galinhas-de-angola e perus sem conta, soltos no terreiro. Dispunha ainda de um engenho de pau, onde se moía cana para fabricação de rapadura, “açúcar-de-fôrma” (mascavo). Alguns até destilava cachaça no alambique, que, além de servir de “agrado” aos amigos, era usada como “moeda” para pagar mão-de-obra de peões, na forma de escambo (troca por dias de serviços). Os que tinham o vício de pitar, plantavam sua moita de tabaco e fabricavam o “fumo-de-rolo”, para o gasto e comercializar, “prazer”, aliás, que muitos crentes presbiterianos, na época, desfrutavam sem sentimento de culpa.

Apesar da vida dura que levavam esses pioneiros desbravadores do sertão, mesmo assim viviam em um mundo de sobeja fartura, em um tempo em que se “amarrava cachorro com lingüiça!”, como diz o adágio popular. Não havia fome, miséria e tampouco faltava trabalho, como se vê atualmente. Até as vestimentas usadas na lida do dia-a-dia eram, muitas vezes, feitas de tecidos produzidos artesanalmente pelas fiandeiras e tecedeiras. Havia bem menos camponeses sem terra para plantar, pois a grande maioria dos que não podiam comprá-la tinha acesso a ela através da agregação, onde o fazendeiro cedia sua propriedade para o lavrador morar e trabalhar, pagando-lhe o arrendamento com uma porcentagem da produção que variava de 20% a 50% (a detestada meia). Apesar de o agregador, nesse sistema, ser sempre o maior beneficiado, não se pode negar que a condição do agregado era bem melhor que a do bóia-fria de hoje. Mesmo que na época já se discutia uma Reforma Agrária, como meio de democratizar o uso da terra, contudo, não havia êxodo rural, com os seus consequentes problemas sociais urbanos e conflitos agrários nas proporções do MST e tampouco os ambientais, que afligem o país na atualidade.

Na verdade, culturalmente, aquela era uma sociedade pacata, edificada sobre princípios éticos cristãos, sobretudo católicos romanos, que valorizava o trabalho, as virtudes da honestidade, do respeito à família e da honradez no trato, onde a palavra tinha força de documento escrito e um “fio da barba ou do bigode” representava a validade de uma nota promissória ou de um contrato formal. A solidariedade era prática comum manifestada nos mutirões para socorrer os vizinhos em dificuldade, que estivesse com a roça no mato ou pastos para roçar, geralmente realizados de surpresa (chamados de “traição”), quando uma multidão de trabalhadores e trabalhadoras chegava ainda de madruga trazendo as ferramentas e os gêneros alimentícios que seriam consumidos durante o trabalho. De início as mulheres preparavam o café com variados tipos de biscoitos e leite adoçado com rapadura, despachando a “peãozada” para a desafiadora tarefa do dia. Depois cuidavam da preparação do almoço, merenda e da janta, enquanto outras cardavam e fiavam algodão para a fabricação de tecidos artesanais. À tarde, com a tarefa já terminada, todos retornavam às suas casas a fim de se prepararem para voltar à noite, a fim de participar do “pagode” (baile), onde atravessavam a noite dançando ao som de violas, violões e sanfonas. Algumas vezes, durante esses eventos festivos, ocorriam fatos violentos, motivados por acertos de contas sobre questões passionais, brio ferido ou “em defesa da honra”.

A religiosidade cristã tradicional, embora, em certos casos, precária e mesclada de superstições, estava presente no cotidiano da população, de grande maioria católica romana. Fazia parte da devoção das pessoas o hábito de iniciar e terminar o dia rezando o Pai Nosso ou a Ave Maria, num ato de invocação da proteção e bênção de Deus para a lida diária e manifestação de gratidão pelo dia trabalhado e a noite dormida. Eram comuns as expressões de atitudes e gestos piedosos reverenciando as coisas e símbolos sagrados, como tirar o chapéu, fazer o sinal da cruz, não comer carne na Semana Santa, não varrer a casa na Sexta-Feira da Paixão, etc. Nas residências das pessoas mais devotas não faltava um oratório, na sala ou no quarto, com o santo ou santos de devoção da família, a quem recorriam para alcançar as graças de Deus mediante suas interseções, conforme a herança cultural da secular e histórica tradição religiosa brasileira, herdada da colonização portuguesa. Na frente da sede da fazenda ou em um morro próximo, sempre se erguia uma cruz e no topo de montes mais elevados, se fincava um enorme cruzeiro, que, em anos castigados por secas e veranicos, tinha o pé regado com água despejada de garrafas levadas por penitentes que os escalavam para rezar, geralmente para São Pedro, a fim de que ele rogasse a Deus em prol da chuva. Até na parte superior do morão de coice das porteiras, usava-se entalhar uma cruz feita a corte de formão. Os supersticiosos ostentavam uma cabeça de vaca no alto do morão da porteira de chegada da fazenda, para espantar os malefícios do “mau olhado ou do olho gordo!”

Também fazia parte dessa manifestação cultural, as celebrações anuais das festas religiosas consagradas a São Pedro, São João, ao Divino Espírito Santo além de tantas outras. A festa religiosa de maior repercussão, no entanto, ocorria (e ainda ocorre) em Trindade, consagrada ao Divino Pai Eterno, para onde iam (e ainda vão) milhares de romeiros de todos os recantos do rincão goiano, em longas romarias de carros de bois, a cavalo e a pé. Modo de vida esse que, as vezes, é criticado por alguns não-católicos menos esclarecidos, e preconceituosos. O que não deixa de ser uma atitude fundamentalista imprópria para o cristão movido pelo o amor de Cristo e até de certa ingratidão a Deus que não permitiu que o Brasil fosse colonizado por outra nação de cultura anticristã. Erro, aliás que o autor desta obra, nascido em um lar evangélico e no seu zelo desprovido da sabedoria divina, cometeu na infância e juventude. Atitude que o Presidente da Convenção Nacional das Assembléias de Deus de Madureira, Bispo Dr. Manoel Ferreira, na sua experiência de homem de Deus, condena de maneira clara e sábia em seu livro Cidadania Pé no Chão:

Discernimento e cumprimento da Lei devem pautar a ação de qualquer governante, senão vamos caminhar no lugar comum das pessoas fundamentalistas ou radicais que chutam símbolos religiosos, criando polêmicas e disputas desnecessárias e inócuas, criando antipatia e dificuldades para o meio evangélico em geral. […]. Para nós isso serve de exemplo, pois símbolos, imagens, podem não representar nada para nós, mas para aquele determinado segmento religioso ou grupo é um objeto de venerabilidade ou adoração e, portanto, objeto de respeito. O respeito por esses símbolos religiosos possui respaldo constitucional, então, eu vejo que as vezes alguns cidadãos ou alguns segmentos procuram partir para extremos praticando coisas que nos deixam muito tristes, porque enxergamos aí uma falta de amadurecimento político. (Pág. 31-33).

Ao agirem dessa maneira, essas pessoas de visão cristã estreita não percebem que, sem essa herança histórica e cultural da religiosidade cristã católica romana, as igrejas evangélicas no Brasil jamais teriam vivenciado e nem estariam vivenciando o vertiginoso crescimento ocorrido a partir da instauração da República e durante todo o século XX, principalmente as Assembleias de Deus e igrejas neopentecostais, sem falar no Movimento Carismático no seio da Igreja Católica Romana brasileira, também vindo dos Estados Unidos da América, na década de 1970. Fator esse favorável a evangelização que não ocorre nos países orientais de religiões predominantemente não-cristãs, como o budismo, hinduísmo e o islamismo, só para exemplificar. É fato que não se pode negar, tanto no passado como na atualidade, a operação de Deus na história da evangelização dessas sociedades. Contudo, se sabe que os resultados do trabalho missionário e o crescimento da igreja no mundo oriental foram e ainda são inexpressivos, se comparados com expansão do evangelho nas regiões ocidentais de cultura gentílica greco-romana e europeia em geral. O exemplo histórico mais contundente desta realidade foi a rápida, ampla e profunda penetração do cristianismo no Império Romano, durante o primeiro e segundo séculos, como registram o livro dos Atos dos Apóstolos, as Epístolas apostólicas e os escritos dos Pais da Igreja. Sem falar da história da expansão do cristianismo nos séculos posteriores até os tempos modernos, nos contextos das evangelizações católico-romana, ortodoxo-grega e protestante-evangélica no Novo Mundo.

Com certeza, a herança cultural da colonização ibérica, de tradição religiosa católica romana, foi levada em conta pelo Espírito Santo quando lá da América do Norte, através de uma mensagem profética, determinou que Gunnar Vingre e Daniel Berg fossem para Belém do Pará. E não resta dúvida de que essa herança favoreceu a ação divina na rápida expansão do avivamento pentecostal no Brasil, particularmente em Goiás, a partir de Samambaia, onde a fagulha do poder do Espírito Santo foi ateada sobre um reduzido grupo de protestantes presbiterianos, de zona rural. Fenômeno divino este que se alastrou para outras regiões e cidades, alcançando multidões de pessoas de todas as classes sociais, em uma população, na época, constituída de cerca de 98% de católicos romanos.

Ou será que a obra missionária das Assembleias de Deus de Goiás, do Ministério de Madureira, promovida atualmente nos Estados do Maranhão, Piauí e Ceará, estaria alcançando o crescimento que vem experimentando se não contasse com a arraigada religiosidade cristã católico-romana do povo nordestino? Para os que, porventura, discordem dessa realidade sociocultural, fica o desafio para que vão e realizem, no mundo islâmico ou hinduísta a mesma obra de evangelização das Assembleias de Deus no Brasil e com os mesmos resultados, já que são pentecostais batizados com o mesmo Espírito Santo que revestiu de poder a Gunnar Vingre, Daniel Berg e os pioneiros de Samambaia. Que considerem também, com humildade e desprovidos das presunçosas certezas, o exemplo do Apóstolo Paulo que disse para que o imitássemos como ele era imitador de Cristo. Exemplo este que expôs, com muita propriedade e sob inspiração do Espírito Santo, à comunidade cristã de Corinto, mostrando como deve ser a postura dos cristãos e missionários maduros na fé, que vivem movidos pelo amor de Deus:

“Procedi, para com os judeus, como judeu, a fim de ganhar os judeus; para os que vivem sob o regime da lei, como se eu mesmo assim o vivesse, para ganhar os que vivem debaixo da lei, embora não esteja eu debaixo da lei. Aos sem lei, como se eu mesmo o fosse, não estando sem lei para com Deus, mas debaixo da lei Cristo, para ganhar os que vivem fora do regime da lei. Fiz-me fraco para com os fracos, com o fim de ganhar os fracos. Fiz-me tudo para com todos, com o fim de, por todos os modos, salvar alguns. Tudo faço por causa do Evangelho, com o fim de me tornar cooperador com ele”. (1 Epístola de Paulo aos Coríntios 9.20-23).

Por que não se encontra – entre os evangélicos, que muitas vezes se vangloriam de serem “servos do Senhor” e, preconceituosamente, criticam a religiosidade cristã católica romana, conforme comumente ocorre –, “crentes” dispostos a seguirem o exemplo do apostolo Paulo, vivendo “como católicos” a fim de levar a Cristo (não à sua igreja) os que são apenas católicos nominais?

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