Nesta edição o autor conta a história da farmácia de seu pai, a qual funcionou por mais de 30 anos em Amorinópolis, no século passado. Era, também, uma farmácia de manipulação de remédios, os quais nem sempre eram encontrados nas prateleiras, quando surgia uma emergência. E era quase um hospital, também…
Capítulo V
A história da Farmácia Popular
No século passado, por volta dos anos quarenta, cinquenta, eram raras as cidades no centro-oeste brasileiro que tinham hospitais para atender a população. Tudo era resolvido com farmacêuticos, a maioria deles apenas práticos, e os medicamentos tinham, quase sempre, que ser manipulados ali mesmo, na hora. No oeste de Goiás o isolamento era quase total, mesmo assim surgiam, por algum motivo, núcleos mais populosos, como Baliza, o maior de todos os garimpos de diamantes do Centro-Oeste, encravado às margens do alto rio Araguaia, na divisa com o estado de Mato Grosso, terra dos índios Bororos e Xavantes. Foi por ali que nasceu a farmácia de meu pai. As histórias das farmácias daquela época estampam a verdadeira história do sertão brasileiro. Quem vê hoje estas casas de comércio apenas vendendo medicamentos prescritos por médicos, talvez não imagine a importância dos farmacêuticos práticos que existiam pelo interior de todo o Brasil há sessenta, setenta anos atrás. Quantas e quantas vidas esses homens salvaram!
A Farmácia Popular, de Oscar Barbosa Lima, meu pai, foi fundada nesse tempo, na primeira metade do século passado, tendo se instalado, primeiramente, em um rancho de pau-a-pique num garimpo de Mato Grosso; depois foi para Bom Jardim de Goiás, onde ficou até meados de cinquenta e cinco. Mudou-se, então, para Campo Limpo, hoje Amorinópolis, também em Goiás, tendo fechado as portas definitivamente em fevereiro de mil novecentos e oitenta e seis. Naquela época, esses locais eram muito isolados, não havendo estradas de tráfego permanente e muito menos médico para atender à população. Era sertão mesmo. Para abastecer a farmácia com medicamentos industrializados não era fácil, tanto por serem raros no Brasil daqueles tempos, como pelas dificuldades de fazê-los chegar a esses lugares tão isolados, principalmente no período das chuvas. Portanto, os medicamentos formulados na própria farmácia se constituíam na saída mais viável. Para prepará-los, tinha que ser sábio no assunto, que ser muito prático, entender de manipulações, conhecer o poder medicamentoso de cada erva, de cada pozinho guardado naqueles vidros marrons e as consequências de suas misturas.
Meu pai começou a aprender os segredos da farmácia, tanto de receituário como de manipulação de medicamentos e de primeiros socorros, quando ainda era rapazinho, em Baliza, na beira do Araguaia, trabalhando vários anos com o Dr. Jacobson, um famoso farmacêutico e enfermeiro romeno que tinha servido o exército de seu país durante a Primeira Guerra Mundial e, depois, se refugiara no Brasil. Em função disto, sabia muito sobre cirurgias de emergência e também sobre manipulação de medicamentos. Esse aprendizado de meu pai se deu no período áureo dos garimpos de diamantes em Goiás, que faziam nascerem cidades da noite para o dia, nas décadas de trinta e quarenta. Consequentemente, como ainda acontece nos garimpos de hoje, todos os dias apareciam várias pessoas doentes, baleadas, acidentadas, e assim por diante. Meu pai foi aprendendo e anotando tudo que o Dr. Jacobson fazia, tornando-se um discípulo dedicado e competente. Tanto que sua primeira farmácia foi montada em sociedade com o patrão, numa demonstração indubitável de amizade e confiança. Tem um fato simples que comprova a admiração e a confiança que o doutor Jacobson tinha pelo meu pai: na inauguração das instalações da Fundação Brasil Central, em Aragarças, no início dos anos quarenta, foi solicitado ao Dr Jacobson que enviasse duas pessoas de bom nível e de confiança, para ajudarem na recepção ao Presidente Getúlio Vargas e ao Marechal Dutra, que eram como uns deuses para os brasileiros do interior. Então ele enviou nada mais, nada menos que um de seus filhos e o meu pai, seu discípulo maior.
As minhas lembranças da farmácia de meu pai estão associadas às suas fórmulas curativas, às intervenções cirúrgicas de emergência que aliviaram tantas pessoas, aos atendimentos altas horas da noite, tanto na cidade como na zona rural, ao trato respeitoso e humano a todos os clientes. Sem dúvida, estas foram as marcas registradas de meu pai na Farmácia Popular ao longo de quase cinquenta anos em que esteve atrás dos balcões. A prova disto são as centenas de amigos que ele soube cultivar ao longo desses anos todos. Algumas dessas amizades remontam ao seu tempo de empregado da Farmácia Central, em Baliza, portanto, há quase oitenta anos.
A história da Farmácia Popular começou, mesmo, em quarenta e dois, no garimpo do rio Diamantino, distante duas léguas de Ponte Branca, no Mato Grosso, e umas vinte léguas de Baliza. Ela nasceu da sociedade entre meu pai e o ilustre Dr. Jacobson, que fornecia os medicamentos industrializados, as poções para serem manipuladas e a sua fama já consolidada, para dar crédito ao empreendimento, sendo que, na prática da manipulação dos medicamentos, meu pai era o seu discípulo número um. Não se chamava Farmácia Popular ainda, era só Farmácia. Mas foi o embrião do sonho de um menino pobre que teimava em querer crescer. Esse menino era meu pai, que foi para o rio Diamantino tentar crescer na vida, levando junto o tio Raimundo, ainda molecote, e o Tio Rui. Instalaram-se em um rancho de pau-a-pique e ficaram por lá mais de um ano. Tio Raimundo, depois, foi dentista em Iporá até poucos anos atrás.
Meu pai tem uma origem humilde e muito interessante. No início do século passado, um senhor de nome Joaquim Jucá saiu de Petrolina, em Pernambuco, para trabalhar nos seringais do Pará, levando consigo outro amigo mais novo de nome Manoelzinho Barbosa. Lá, o Joaquim Jucá se casou com uma viúva que tinha várias filhas. O Manoelzinho se engraçou por uma delas, de nome Ana Rosa, que impôs uma condição: só assumiria compromissos com ele, se tivesse um irmão que pudesse se casar com uma irmã sua, de preferência a de nome Maria, a quem era muito apegada. O enamorado Manoelzinho não pensou duas vezes. Rumou para Petrolina e convenceu seu irmão mais moço, de nome Hermínio Barbosa, a ir com ele para o Pará. Saíram fugidos e nunca mais voltaram. Nunca mais a família soube do paradeiro deles.
Para encurtar a história, o Manoelzinho casou-se com Ana Rosa, moraram muitos anos na região de General Carneiro, mas não tiveram filhos. O Hermínio casou-se com a Maria e tiveram três filhos: Maria, que ficou mais conhecida como Marizinha e que foi professora por muitos anos em Amorinópolis; Oscar, que depois viria a ser meu pai; e Rui, meu tio, que foi um dos sócios da Lindoya. O Joaquim Jucá teve alguns filhos do casamento com a viúva, dentre eles o Joaquim Jucá Filho, mais conhecido como Jucá, que se tornou alfaiate famoso em Rio Verde até o início dos anos sessenta, quando faleceu, e que vem a ser o pai do Omar, que foi bioquímico do Hospital Cristo Redentor de Iporá por vários anos, casado com a Marisa do Elias Mineiro e pais da Tatiane e do Guilherme.
O vô Hermínio morreu de congestão quando meu pai tinha três anos de idade, ajudando a atravessar uma boiada no Araguaia, logo após o almoço. Minha avó se casou depois com um ex capataz do Tio Manoelzinho, de nome Teodoro, uma figura espetacular e cheia de humor, que passou a ganhar a vida como barqueiro, atravessando pessoas de Baliza para Balizinha (hoje Torixoréu), no rio Araguaia, para sustentar uns dez filhos. Mais tarde ele veio para Campo Limpo também. Portanto, Oscar, o garoto franzino, como filho homem mais velho, teve que começar a ajudar o padrasto e os irmãos ainda bem cedo na vida. Não houve tempo para as brincadeiras de infância, o que era comum para as crianças pobres daquele tempo, e ainda é no Brasil de hoje. Só que naquele tempo não havia televisão e, portanto, nenhuma diversão mais barata. Nem mesmo o rádio era de acesso fácil.
O nome “Farmácia Popular” foi usado, pela primeira vez, em vinte e nove de setembro de um mil novecentos e quarenta e cinco, lá em Bom Jardim, em um cômodo alugado na praça da igreja matriz, ao lado da pensão da dona Arlinda do seu Carlito, a quem nós chamávamos carinhosamente de Dindinha Dondona. Mas estávamos falando de quando meu pai e o tio Rui foram para o garimpo perto de Ponte Branca. Ali não faltaram oportunidades para colocar em prática o aprendizado de vários anos, com o Dr. Jacobson. De doenças tropicais até pequenas cirurgias, o que aparecesse meu pai resolvia de pronto, a qualquer hora. Casos mais graves poderiam ser enviados para “o centro médico de referência regional” que era a farmácia do Dr. Jacobson, em Baliza. Se ali não resolvesse, podia desistir. Segundo meu pai, não precisou enviar nenhum paciente para lá.
Passei um bom pedaço de minha infância e adolescência na farmácia de meu pai, principalmente em Campo Limpo, assistindo a seu receituário, a suas cirurgias de emergência, como as de panariz, que eram as mais freqüentes, ao socorro às pessoas queimadas, encanamento de pernas ou braços quebrados. Aprendi muita coisa sobre receituário da época, mas nunca consegui encarar as operações cirúrgicas. O estômago embrulhava na hora. Nem mesmo de aplicar injeções eu gostava. Fiquei craque mesmo foi no caixa. Era um pirralho de sete para oito anos e sabia fazer o troco direitinho, num método simples e prático que meu pai me ensinou, manuseando as moedas amareladas que a gente chamava de níquel (que na realidade era uma liga de cobre), as notas de um, dois, cinco, dez cruzeiros. Vez por outra apareciam as de cinquenta, meio roxinhas, e as de cem cruzeiros, com um tom laranja meio avermelhado. Se o remédio custava três cruzeiros e a pessoa dava dez, então eu pegava, por exemplo, três notas de um (que era a que tinha mais) e duas de dois cruzeiros, e começava: três, mais um quatro, mais um cinco, mais um seis, mais dois oito e mais dois dez. Pronto! Não tinha como errar. Podia ser dois, mais cinco e a coisa dava no mesmo.
O prédio da Farmácia Popular, em Campo Limpo, sempre foi pintado de amarelo, com duas portas altas de entrada, cada uma delas com duas folhas de madeira, pintadas de marron escuro. O nome da farmácia, postado no alto da parede da frente, era em letras góticas de cor grená escuro, quase marron. Por dentro havia três repartimentos. No da frente, onde eram atendidos os fregueses, ficavam as prateleiras com os vidros de remédios, os gaveteiros com pomadas, pílulas e medicamentos em frascos menores e, ainda, os dois balcões com a frente e o tampo de vidro, que separavam a área dos remédios da área onde ficavam os fregueses. Nesta área onde ficavam os fregueses, havia dois bancos de madeira, um de cada lado, muito utilizados por aquelas pessoas que chegavam cansadas das fazendas. Eram, também, os favoritos de um grande amigo nosso, de nome Divino Mineiro, que vivia deitado neles, com o braço firmando a cabeça. Se deixasse, passava a tarde toda ali, nesta posição, vez por outra dando uma chupada nos dentes. Era uma figura muito querida por todos nós e um amigo fiel. A única coisa que o tirava do sério era se alguém falasse mal do Juscelino Kubitschek. Tinha verdadeira adoração pelo presidente da república daquela época e não aceitava que ninguém falasse mal dele.
Atrás deste cômodo principal havia outro, que nós chamávamos de laboratório, separado por uma porta com duas folhas, com dobradiças de mola, que abriam para os dois lados, como as portas nos bares dos filmes de faroeste americano. No laboratório havia três divisões mais importantes: o balcão com tampo de granitina branco, onde eram formulados, embalados e rotulados os remédios preparados por meu pai e onde ficava sempre um jacaré de ferro para moldar rolhas de cortiça; a escrivaninha, onde meu pai atualizava diariamente as vendas a prazo, passando do borrador para fichas individuais; e a parte em que tinha a pequena mesa de cirurgia, a panela de alumínio com as seringas para aplicar injeções e, ainda, o fogareiro a querosene para esterilizar este material. Ao fundo havia ainda uma prateleira alta, onde ficavam depositados as ervas, os pós e os sais utilizados nas fórmulas dos remédios.
Por trás do laboratório havia dois outros cômodos, que nós chamávamos de “quartinhos dos fundos”, onde eram guardados caixotes, revistas velhas, principalmente “O Cruzeiro”, ferramentas, caixas com medicamentos de reposição, e um punhado de coisas mais. Muitas dessas ferramentas eram utilizadas para abrir os caixotes de madeira que chegavam com mercadorias, porque naquele tempo, para aguentar as longas viagens dos caminhões em estradas de terra esburacadas, se não se embalassem os vidros em caixotes de madeira, não chegariam inteiros. Destacava-se, nesse cômodo, o saca-pregos, uma peça que não vejo mais hoje, que consistia em uma barra de ferro com um dispositivo na ponta tipo um bico de arara, revestido em cima por uma outra peça de ferro, tipo uma camisa, que era acionada para fazer o bico de arara penetrar na madeira, dos dois lados da cabeça do prego. Depois, forçando para um lado num sistema de alavanca que era emendado com o bico de arara, esse bico se fechava na cabeça do prego e era possível arrancá-lo da madeira. Era assim a Farmácia Popular, de meu pai. Dentro dela me criei e com ela meu pai conseguiu dar estudos a todos os filhos. Hoje passo por ali, fico olhando o que ainda resta do prédio e penso: não é possível que ele tenha conseguido tanta coisa através daquela casinha tão pequenininha…
A maior parte das pessoas que moravam na região de Campo Limpo, que depois foi transformada em Amorinópolis, era freguesa da Farmácia Popular ou, no mínimo, eles eram amigos de meu pai. Mas outra grande parte dos fregueses morava nas fazendas. Era o começo de Campo Limpo e o pessoal estava derrubando matos, plantando lavouras, formando pastagens. Quase todos os fregueses, antigamente, compravam fiado e tinham uma ficha na farmácia, onde eram registradas essas compras a prazo. Não se tinha dinheiro com facilidade, todos os dias. Portanto, era muito comum quitar as contas uma vez por ano, normalmente quando vendiam alguma coisa. Tinha freguês bom que só pagava em maio, quando vendia a safra ou desmamava os bezerros. Aliás, parece que alguns desses fregueses há uns vinte e tantos anos não vedem nada e nem desmamam nenhum bezerro, porque a conta continua sem ser quitada.
Os funcionários da farmácia popular
Durante os quase cinquenta anos de atividade da Farmácia Popular, vários funcionários passaram pelos seus balcões, tendo, todos eles, continuado bons amigos do meu pai, depois que mudaram de atividade. Em Bom Jardim, lembro-me da Mariquinha, irmã do Pedro de Castro. Chorou muito quando nos mudamos de lá. No começo da farmácia de Campo Limpo trabalhou a tia Zenaide, irmã caçula de meu pai. Eu, com sete anos mais ou menos, ficava ali de lado, ajudando a atender no balcão, que naquele tempo era mais alto que eu, tomando conta quando ela ia aplicar alguma injeção fora ou quando ia tomar banho no fim da tarde. Este era o horário pior, porque era o horário das peladas de futebol e minha tia nunca demorava menos que três horas para voltar. Ô tia enrolada! Acho que é assim até hoje e é também uma das tias por quem tenho mais carinho e consideração. Às vezes ficava algum cliente esperando, ela não chegava e ia me dando uma agonia danada. Ainda bem que pouco tempo depois ela se casou com o Gildásio Coutinho, figura querida e lendária de Campo Limpo, tendo saído da farmácia e entrado em seu lugar um rapaz que só tomava banho quando a farmácia se fechava, no fim da tarde. Que bom…
Lembro que antes de se casar com minha tia, o Gildásio Coutinho ia tomar injeção e ela tremia toda de nervosa, quando ele descia a camisa. Outra vez ela chegou à farmácia chorando, porque foram chamá-la para aplicar injeção em uma senhora que estava muito mal e, só depois de aplicá-la, é que percebeu que a dita-cuja já estava fria. Aplicou injeção em defunto! Com certeza não vai para o céu nunca.
Depois de minha tia, foi trabalhar conosco um amigo meu de escola e de infância, filho do seu João Abílio: o João Paes de Freitas, ou João Doutor, como ficou conhecido e famoso depois, em função do apelido que lhe colocou o Walter do seu Vergílio. O João é irmão do Abílio, da Tita, do Marcos e da Vanda, que ainda moram em Amorinópolis. Foi, sem dúvida, o mais famoso funcionário que a farmácia teve. Com ele eu convivi a maior parte de minha infância e juventude. Se já éramos amigos, tornamo-nos, então, quase irmãos nesta época. Quando eu ia de férias para Campo Limpo, ficávamos o dia todo juntos na farmácia e, à noite, sempre aprontávamos algumas, desde rodadas de violão, cujo carro chefe era Menino da Porteira ou as músicas de Altemar Dutra, até bailes memoráveis que organizávamos. O João Doutor era meio metido a pé-de-valsa e a cantor, e era realmente bom nas duas coisas. Nós nos reuníamos muito na casa dele à noite, com o seu João Abílio rindo de lado, e dona Cotinha, sempre de pano amarrado na cabeça, oferecendo um cafezinho moído e coado na hora. Tenho muita saudade não só desse tempo, mas do seu João Abílio e dona Cotinha também. Nunca mais voltei por lá, para não maltratar o coração. Aliás, dentre as pessoas daquela época de que me recordo com mais carinho e com quem eu tinha mais amizade, incluo várias que já eram idosas: Seu João Abílio, Seu Evaristo Junqueira, dona Augusta, seu Zé Chico e o seu Saturnino Ramos Sobrinho, pai do Natal, por exemplo. Acho que era pelo carinho e pela atenção que me dispensavam.
Após a fase do João Doutor, que reencontrei com muita emoção há uns tempos atrás, com uma linda filha, foi trabalhar na farmácia de meu pai um garotinho franzino e meio amarelo, de nome Valdir Gonçalves, mais conhecido como Vardirinho e que tinha a fama de ser o melhor aluno da escola na época. Meu pai teve sempre a preocupação de contratar funcionários que viessem de famílias conhecidas, humildes e que se destacavam na escola. Eu não conhecia muito bem o Valdir e convivi pouco com ele, porque já havia saído para morar fora, mas tornamo-nos bons amigos depois. Era um batalhador. Fez o ginásio, à noite, em Amorinópolis; o segundo grau em Iporá, trabalhando de dia, indo e voltando de jipe toda noite por estrada de terra. Depois foi para Goiânia, batalhou sozinho e fez o curso de Biomedicina. Dr. Valdir! Encontrei-me várias vezes com ele no norte de Mato Grosso, em Aripuanã, onde montou um laboratório de análises clínicas enorme, um orquidário que já é referência internacional e uma bela fazenda cheinha de gado. Casou-se com a Lúcia, filha do Zé Clara, um amor de pessoa, e têm uma filha linda, loirinha, muito inteligente e muito minha amiga, de nome Samara, que já está cursando medicina.
Do Vardirim, o caso mais interessante de que me lembro foi uma vez, logo que ele começou a trabalhar na farmácia, que meu pai precisou ir à fazenda, deixando-o sozinho a tomar conta do estabelecimento. Aí apareceu um senhor com a esposa passando mal, vomitando muito. Esperou um pouco para ver se meu pai chegava para receitar o remédio, mas ele demorava e a mulher piorava. O marido, então, apavorado, mandou o Valdir “caçar” alguma coisa na farmácia para amenizar o sofrimento da senhora. Ele começou a abrir caixas de remédios e a ler as bulas, até que achou uns comprimidos grandes, que pareciam ser indicados para o caso. Pegou um copo de água e levou o remédio para a mulher tomar. Ela se assustou com o tamanho do comprimido, vacilou, mas o Vardirim forçou e ela engoliu o torpedo. Daí a pouco a mulher foi melhorando, melhorando, e uns vinte minutos depois já voltou para casa sã e salva. Fim da tarde, meu pai chegou e o Valdir, todo orgulhoso do feito, contou o caso para ele, mostrando o medicamento que tinha receitado para a senhora. Foi aí que meu pai começou a rir: o remédio que a mulher engoliu era um bruta de um supositório!
Trabalharam várias outras pessoas na farmácia de Amorinópolis, mas eu já ia pouco por lá, tinha me casado, morava fora, tendo convivido muito pouco com esta última turma. Lembro-me da Rita irmã do seu Bróia, de meu primo Julimar; do Carlos e do Herildo, filhos do Dominguinho; do Tim; da Eliene, filha do Hilo; do Alípio, que não sei por onde anda; do Saulo e do Carlito, filhos do João Carlos. Uma boa parte deles continuou a estudar depois que saiu da farmácia, sendo que vários se formaram em cursos superiores, como os filhos do Dominguinho, por exemplo. E, até hoje, indo a Iporá, nunca deixam de visitar meus pais.