Nesta edição voltamos a falar sobre os antigos fazendeiros de Amorinópolis, continuando a citar os moradores do vale da Santa Marta e, depois, da Jacuba e do Caiapó.
Os fazendeiros do Vale da Santa Marta (cont…)
Seu João Laurindo, que foi marido de dona Augusta, tinha a fazenda um pouco abaixo da fazenda do seu Pedro Crispim, ali onde era o grupo escolar do Joaquim Vó. Eram pais de vários filhos, dentre eles o Antônio Laurindo, o Rafael, o Moisés, o Zico, a Altamira, o Zé Inácio – que está em Iporá –, a Maria dos Anjos e a Inácia. Dona Augusta, com quem convivi mais, era uma pessoa fabulosa e muito sábia. Depois que eles se separaram, os filhos mais novos ficaram com ela, que dava o maior duro para criá-los, pegando na enxada para valer, lá no pedacinho de terra que lhe coube. Tinha grande carinho e amizade para comigo e o inverso era mais que verdadeiro. Tenho saudades de dona Augusta, aquela figura alegre, franzina, batalhadora.
Mais para baixo, no vale da Santa Marta, vinham os Gouveia e os Paes. Essas duas famílias eram donas de meio mundo ali na região de Campo Limpo, antes de existir o povoado. Os Paes, cujo expoente maior foi o famoso e valente Quinca Paes, eram donos das terras que iam da Jacuba até o ribeirão Piranhas, do outro lado do Caiapó. Os Gouveia eram donos das terras que iam do ribeirão Santa Marta até Aurilândia.
Junto de Campo Limpo ficava a fazenda do Fiíco Gouveia, que foi vendendo tudo para sobreviver, morando, por último, nas terras dos parentes “bobos” que, por força de lei, não podiam ser vendidas. Perto do Fiíco ficava a terra do seu Otávio Gouveia, que foi casado com dona Neném, irmã do Pedro Coelho, aquele que foi pastor da igreja pentecostal em Amorinópolis durante muitos anos.
Seu João Abílio Paes de Freitas tinha uma fazenda mais para baixo ainda, na Santa Marta. Era um grande amigo, de saudosa memória Foi casado com dona Cotinha, da família dos Gouveia e tiveram os filhos Abílio, João Doutor, Tita – casada com o Lauro Martins –, Marcos e Vanda. Seu João me contou uma vez que na década de trinta vendeu mil alqueires de mata pura, na região de Aurilândia, por dois mil réis e mais um par de cardas de cardar algodão, que naquela época era difícil de encontrar. Diziam, naquele tempo, que mato só servia para aumentar o imposto, e aquele, então, que tinha ervas, era pior ainda, porque matava o gado. O bom mesmo eram as várzeas, com capim já pronto para o gado comer e fácil de campear. O João Doutor me contou que o avô dele, o famoso e bravo Quinca Paes, gostava de pedir aos meninos para encher a capanga de limões e ficar do lado de fora, perto de uma janela, jogando-os para cima. O velho ficava de dentro da casa atirando com uma carabina e acertava em todos que eram lançados. Costume de pioneiros. Eu mesmo já fiz umas besteiras com o João Doutor. Nós comprávamos caixas de bala 22 e saíamos para a fazenda deles com uma filobé do seu João Abílio (ou flobé, ou sei lá o nome direito, mas a gente chamava mesmo era de filobé a carabina 22) dando tiros em tudo que aparecesse pela frente, incluindo canarinhos, micos, anus. Que ignorância a nossa… Que vergonha, hoje!
Perto da fazenda do seu João Abílio tinha a fazenda do seu Antônio Cesário, um velho muito sistemático, que tinha uma mão danada de boa para cuidar de plantas. O pomar dele era fabuloso, com mangas de todas as qualidades. Levava sempre para vender na cidade, na época de frutas, e já sabia que tinha que deixar uma boa quantidade para nós. Seu Antônio, que não sei se ainda é vivo, morava, ultimamente, no abrigo dos velhos, em Iporá.
Tinham fazenda lá na Santa Marta, também, perto da ponte da antiga estrada para Goiânia, o seu Lindolfo Monteiro do Prado, mais conhecido como Lindolfo Baiano e o inesquecível Pedro Joaquim, com seu carro de bois cantador, que fornecia lenha para nossa casa na cidade, principalmente a de angico, boa de brasa e usada para passar roupa.
Da Santa Marta para frente, já pras águas do Rio Claro, lá na Serra da Barraca, tinha um fazendeiro que ficou famoso. Era o seu Clarindo Cunha, pai do Ildo Cunha, este casado com a Iraídes, filha do seu Geraldinho Vermelho. Seu Clarindo era tão danado naquela época que um dia ele e outro amigo ou parente, não sei bem, acuaram uma onça com uns cachorros e, ao invés de atirar, como era o costume, laçaram a bicha com dois laços e saíram puxando-a para todo lado. Ela avançava para um lado, o outro puxava o laço, e vice-versa. Foi a maior farra. Coisas de pioneiro.
Os fazendeiros dos vales da Jacuba e do Caiapó
Nas margens da estrada para o Caiapó – que na realidade só virou estrada mesmo no fim da década de sessenta, quando o João Maranhão foi prefeito –, havia vários fazendeiros importantes naquela época. Logo na saída da cidade tinha a chácara do seu Alcides Soares de Melo, casado com a dona Corina e pai do Álvaro, do Nelcivone, da Meire, do Nanimar, da Eleusa e da Neusa. Íamos muito passear na chácara de seu Alcides. A mãe dele, dona Maria, também morava com eles e sempre recebia meus pais com alegria. Também morava com eles, no fim da década de cinquenta, o Arides, que era irmão do seu Alcides. O Arides foi o primeiro laboratorista do Hospital Evangélico e de lá foi encaminhando os meninos filhos de seu Alcides. Era nessa chácara, também, que se faziam os piqueniques do grupo escolar, no tempo da dona Lélia.
Um pouco para frente, logo na beira da Jacuba, tinha a casa do seu Pereirinha, um mineiro pequenininho, mas muito evoluído. A casa dele, na fazenda, era a única que tinha água encanada em toda a região. Isto era muito chique para a época. Seu Pereirinha tinha um monte de filhas, dentre elas a Adélia, a Carlita, a Sueli e a esposa do Sebastião. A rapaziada vivia rodeando a casa dele, por causa das moças. As terras que eram do seu Pereirinha tinham sido, antes, do Sinhô Rosa, um tirador de folia muito conhecido na região naquela época. O Sinhô Rosa era sogro do Geraldo Rosa, que por sua vez é pai do Joãozinho.
Um pouco para frente, do lado direito, tinha a fazenda do seu João Costa, ali mesmo onde é, hoje, a Estrela Dalva, povoado criado em função de um centro espírita que seu João e dona Sena fundaram. Seu João foi um dos primeiros a adquirir uma gleba de oitenta alqueires no distrito de Campo Limpo. Fui colega de escola de alguns dos filhos dele: o Negrinho, muito bom de bola, o Marinho, o Tião Mutuca e a Helena. Havia, também, a Maria, o João Goiaba, o José Costa, o Sinomar, mais conhecido naquela época como Tatu e mais outros, que não me recordo. Acho que, ao todo, eram uns dez filhos ou mais.
Perto dali ficava a fazenda do seu Manoel Izaías, cunhado do seu João Costa. Era a melhor gleba de terras da região. Na metade da década de cinquenta seu Manoel era um dos fazendeiros mais ricos de Campo Limpo. Tinha os pastos cheios de gado e emprestava muito dinheiro a juro. Segundo meu pai, ele vendia gado e emprestava dinheiro ao seu Olímpio Rezende, quando este chegou para a região. Muito dinâmico e correto, o seu Olímpio pegava o dinheiro emprestado do Manoel Izaías, comprava mais terras e mais gado, engordava os bois, vendia e pagava os juros ao seu Manoel, que vendia mais gado, emprestava mais dinheiro ao seu Olímpio, que repetia tudo de novo. Com a inflação, o principal da dívida foi se desvalorizando e seu Manoel já não conseguia mais viver sem o dinheiro do juro. Daí a uns tempos, o gado dele foi acabando e passou a alugar os pastos para o seu Olímpio, que continuava a comprar mais gado e mais terras, sem nunca ter falhado uma só vez com os compromissos que assumia com o Manoel Izaías. A coisa apertou ainda mais e o seu Manoel resolveu vender a fazenda e emprestar o dinheiro para o seu Olímpio. Este comprou a Fazenda a prazo, que era o costume da época e, quando foi pagar o combinado, o dinheiro não dava para comprar nem a metade da mesma fazenda.
No fim da história, seu Manoel comprou uma fazenda bem menor e mais fraca, em outro município, arrependeu-se e vendeu-a pouco tempo depois, por um valor muito menor que o da compra. Resultado: terminou os seus dias morando em um rancho nas terras do seu cunhado João Costa.
Na região da Jacuba, saída para o Caiapó, morava também um pioneiro muito conhecido e querido, matador de onças, derrubador de matas, colonizador do sertão bravo que era o Campo Limpo daquela época, chamado José de Almeida, pai do Domingos de Almeida, do Gaspar, do Dito, do Tazo e do China, dentre os de que me lembro. Teve uma época em que seu Zé contraiu leishmaniose, que se manifestou nas cartilagens de uma orelha e se curou com meu pai. Todos os dias ele ia à farmácia tomar injeção, por uns três meses seguidos.
Mais para frente, na beira do Lote Seco, morava o seu Pedro Diniz Linhares, mais conhecido como Pedro André, marido da dona Crioula e pai do Edmundo, do Jacy André e dos gêmeos Moacir e Moadir. Seu Pedro era uma pessoa finíssima e muito calma para conversar com as pessoas. Depois eles se mudaram para a cidade, morando ali na avenida de baixo, para o lado da Jacuba, a mesma rua do seu João Abílio. Quando criança, fui várias vezes com meus pais visitá-los e tomar o cafezinho da dona Crioula. Quando foi para a cidade, seu Pedro repartiu a fazenda entre os filhos. Fiquei sabendo, outro dia, que um dos gêmeos foi assassinado covardemente há pouco tempo, lá em Piranhas. Outro fazendeiro que tinha terra lá pros lados do Lote Seco era o Santinho, que se mudou da região há muitos anos atrás.
Para a direita, pegando a Jacubinha e a barra do Lote Seco, ficava uma fazenda grande, de uma pessoa muito trabalhadora e correta, conhecido como seu Procópio, que tinha um bocado de filhos, dentre eles o Joaquim Procópio, o Sabino, a Joana, o João e o Antônio Procópio. Todos já venderam suas partes da herança, restando apenas a terra que tocou para o casal de mudos de nome João e Joana, que a lei não permitiu vender. Por falar neles, a Joana morreu há pouco tempo. Seu Procópio ia sempre a Campo Limpo a pé, descalço. Era hábito dele andar sem botina. Dividindo com seu Procópio, para o lado do ribeirão Atolador, vinha a fazenda do seu Cornélio, pai do Natim.
Dali do Lote Seco para a esquerda, nas cabeceiras da Jacubinha, ficava a fazenda do seu Evaristo Junqueira. Seu Evaristo chegou para a região no fim da década de quarenta. Logo fez uma boa casa, puxou um rego d’água por mais de cinco quilômetros até a porta, formou pastagens e plantou muita guariroba. Talvez tenha sido a primeira pessoa a plantar guariroba nesta região. A Sirlene, sua neta e minha esposa, nasceu ali. É “jacubinhense” da gema. No começo da década de cinquenta seu Evaristo vendeu a fazenda para o seu João Tati, para construir o hotel em Campo Limpo e proporcionar às filhas um padrão de vida melhor. Seu João Tati, pai do Cantalício, do seu Manoel Tati (uma das pessoas mais trabalhadoras da região naquela época) e de mais um punhado de filhos, morou nesta fazenda até morrer, já na década de noventa, com quase cem anos de idade. Ele dizia que sua saúde se devia ao hábito que tinha de colocar um litro de leite, pela manhã, em uma cuia para azedar e tomava aquilo toda noite, antes de dormir. Era o jantar dele. Seu Evaristo me falou um dia que o seu João Tati tirou boa parte do dinheiro que pagou pela fazenda, só vendendo as guarirobas que ele, seu Evaristo, havia plantado.
Na cabeceira da Jacubinha, descambando para o lado do Caiapó, morava um fazendeiro muito rico, de nome Oliveira Augusto Guerra, ou seu Oliveira Guerra, pai de um punhado de moças bonitas, e também do Zé do seu Oliveira e do Isordino. Perto dele morava o seu Orlando, marido da dona Morena, outro grande fazendeiro. Seu Oliveira e seu Orlando eram cunhados, compadres, mas não se falavam. Moraram mais de cinquenta anos um ao lado do outro, nesta condição, tudo por causa de um desentendimento bobo. No mesmo caminho para o Caiapó, depois do córrego do Garimpo, mais ou menos na altura de onde é a fazenda do Lázaro do Posto, hoje, era a fazenda do seu Antônio Teixeira, já no braço do município de Ivolândia que contorna Iporá. Seu Antônio vendeu a fazenda para meu pai, mais ou menos em sessenta e pouco, que a mantém com ele até hoje. Perto dali tinha a fazenda do seu Ioiô, aquele do caminhão que, ao largar a profissão, foi morar ali, já na década de setenta.
No vale do Caiapó tinha outro freguês antigo de meu pai, de nome José Goulart, ou Zezinho Goulart, pai do Alonso, do Divino, da Sebastiana e da Lázara. O Alonso e o Divino foram meus colegas de primário. O Divino Goulart tinha um problema de vista, mas era muito inteligente, inclusive para comércio. Seu Zezinho foi um verdadeiro herói daquele sertão bravo, que era o vale do Caiapó nos anos cinquenta. Metia os peitos a cavalo ou de carro de bois por trilhas, partindo do Caiapó, e ia sair lá no Campo Limpo. Depois comprou um jipe Willys, mas a aventura continuou, porque não havia estradas. Ele sofria de asma e se tratava muito com meu pai. Conversava com voz cansada.
No fim da década de cinquenta apareceu em Campo Limpo outro caiapozense muito educado, de nome Lepoldino Cirilo de Andrade, que havia se mudado para lá para que os filhos pudessem estudar. Eram três meninas, a Shirlei, a Melani e a Neusa e um garoto franzino de nome Ademir. As meninas eram encapetadas no jogo de queimada. A gente mexia com elas chamando a Shirlei de Chinelo e a Melani, que era mais baixinha, de Melancia. Seu Leopoldino era uma pessoa fina, usava sempre roupas de linho. Faleceu ainda muito novo. Tempos depois, o danado do menino franzino chamado Ademir foi eleito prefeito de Amorinópolis e deu um show de administração nos dois primeiros anos de mandato, asfaltando todas as ruas da cidade e transformando as ilhas entre as duas mãos das avenidas em verdadeiros jardins floridos. Depois foi a esposa dele, a Aparecida, filha do finado Aldifrant do Caiapó, que foi prefeita lá por duas vezes. O Ademir já faleceu.