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“Motorista de ônibus era figura respeitada”, lembra Paulo Afonso


Em mais um trecho do livro que estamos publicando a cada segunda-feira, Paulo Afonso Ribeiro Barbosa lembra das precárias condições de transporte da AMORINÓPOLIS NA METADE DO SÉCULO PASSADO. Ele lembra que um motorista de ônibus era pessoa respeitada naquela época, levava sempre uma encomenda a pedido de alguém.

Vamos à essa deliciosa leitura e lembrança:

A COMUNICAÇÃO COM O RESTO DO BRASI
L

O contato com o resto do Brasil e com o mundo era feito, principalmente, através do rádio a válvula e dos caminhoneiros que transportavam a produção de cereais para Uberlândia, em Minas Gerais, numa precária estrada de terra que passava por Rio Verde. Fora eles, tinha a jardineira de seis lugares do Antinábio e do seu Realino, que fazia a linha para Iporá, e o Expresso Portilho, uma jardineira para umas vinte pessoas, que fazia a linha Iporá – Rio Verde, passando por Campo Limpo, tal como faz o Asa Verde hoje. Só na metade da década de sessenta é que apareceu a Viação Planeta, ligando nossa região a Goiânia. Os motoristas eram figuras muito importantes, muito respeitadas pela população e muito bem tratadas, porque eram sempre requisitados para algum favor, para levar ou trazer alguma encomenda. Os da linha de Rio Verde que ficaram mais conhecidos foram o Jesus e o Rodolfo, este último filho do dono da empresa. Depois, com a implantação da linha para Goiânia, como falei acima, apareceram outros personagens importantes, como o Carlos Maia e seu irmão Vatutim. Antes não havia ligação direta por terra com Goiânia. De Iporá para lá só de avião, pela Real Aerolíneas, num vôo vindo de Aragarças. Todo o processo de venda da produção agrícola e de compra de manufaturados, na região, era feito através de Uberlândia. 

 

Só a partir do fim da década de sessenta é que a estrada para Goiânia ficou trafegável, assim mesmo só na seca, por muitos anos. Passava por Boa Vista do Pé de Porco – hoje Ivolândia –, depois por Messianópolis, Cachoeira da Fumaça, Aurilândia, indo sair em São Luís dos Montes Belos. Daí pra frente ela era mais ou menos a mesma de hoje. Naquela época, Rio Verde, apesar de ser ainda pequena e com as ruas empoeiradas com pó vermelho de terra boa, funcionava para nós como se fosse a capital do estado. Os socorros e todo o comércio maior eram feitos via essa cidade. Depois dela, a outra maior e mais próxima era Uberlândia, que tinha, para nós, o status de capital do Brasil, embora soubéssemos que não era. Rio de Janeiro, a verdadeira capital, tão distante e tão inatingível naquela época, era como a capital do mundo, o ápice de tudo. Ali aconteciam as coisas extremas que nossas mentes podiam imaginar, como os jogos de futebol mais importantes do país, o concurso de miss Brasil, o palácio do Getulio Vargas. Essa era a noção que tínhamos do mundo nos anos cinquenta, início dos anos sessenta. Depois do governo Juscelino, as coisas melhoraram muito para Goiás. O Getúlio já havia dado uma mãozinha, através da criação da Fundação Brasil Central, com sede em Aragarças, e implantado a marcha para o Oeste; mas a grande mudança veio mesmo foi com a construção de Brasília.

O percurso de trinta léguas para Rio Verde demorava quase um dia, no período da seca. Nas águas, o tempo de duração da viagem era imprevisível, principalmente quando começavam a aparecer os atoleiros no chapadão. Se alguém adoecesse e o caso fosse muito grave, era morte na certa.  O paciente saía para procurar recurso mais para desencargo de consciência da família, que ficava esperando a volta já com o caixão mais ou menos encomendado, que naquela época era confeccionado ali mesmo, em madeira leve serrada no gurpião e coberto com pano roxo. Tinha, sempre, que ser pano roxo, não sei o porquê disso. Quando criança, eu morria de medo de defuntos e, consequentemente, não gostava nem de passar perto dos panos de cor roxa, nas lojas.

Por falar na estrada para Rio Verde, a coisa era realmente feia naquele tempo. Começava pela serra do Neném Carneiro, que não era todo caminhão carregado que conseguia subir. Depois vinha o areal do Zé Queirós, que na década de cinquenta ainda não tinha esse nome. Morou por ali uns tempos, antes, o Negrinho do seu Josias, que era pai da Terezinha, da Divininha, da Aparecida e da Ivone. Êta parada boa para almoçar!… Tanta moça bonita era um colírio para os olhos. Depois entrava no chapadão, uma zona de muitas léguas com topografia plana, onde a água das chuvas não tinha para onde escorrer e começava a criar atoleiros, com a freqüente passagem dos caminhões. Neste trecho tinha dois pontos de apoio: a Água Emendada e a Formosa, onde havia a pensão da Celda. Dependendo da época da viagem, se em período chuvoso ou não, o ponto de almoço era numa dessas duas pensões. Para frente, na descida do chapadão, já se entrava para as terras roxas do vale do rio Verdinho, indo chegar à vila de Montividiu, onde havia a pensão da dona Filhinha, na metade da única rua que existia. Lembro-me de ter saído de Campo Limpo de manhã e ter conseguido chegar a Montividiu só a noite, com o ônibus saindo de um atoleiro e caindo em outro. Ô tempo bom! E pensar que hoje, quando o ônibus gasta mais de três horas entre Amorinópolis e Rio Verde, o pessoal reclama…       É, os tempos mudaram. São outros.

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