Em junho de 1958, Rubem Braga, o maior cronista das letras nacionais, escreveu a crônica: Sizenando, a vida é triste. Em 1960, o autor fez uma seleção das crônicas escritas entre 1955 e 1960 e publicou a coletânea sob o título Ai de ti, Copacabana. É até hoje o livro de crônicas mais famoso que povoa nossas letras. A crônica Sizenando, a vida é triste, ao lado da crônica-título Ai de ti, Copacabana é a que obteve maior repercussão.
A crônica virou um bordão nacional, dito até por quem não a conhecia e sequer soubesse quem foi Rubem Braga. Eu mesmo me lembro, ainda menino, quando alguém contava pro meu pai algum acontecimento desastroso, ele baixava a cabeça, como num ato de contrição e respeito e repetia o bordão: Sizenando, a vida é triste. Até onde eu saiba, meu pai não conhecia a crônica, nem ouviu falar de Rubem Braga.
Mas o bordão foi espalhado pelas ondas do rádio, que era como os fatos se espalhavam naquela época. Rubem Braga escrevia para o jornal Folha de São Paulo, que distribuía para outros jornais. Mas o que chegava mesmo no interior do Brasil era o que vinha pelas ondas curtas do rádio.
Por coincidência, o texto faz referência ao programa “Vamos aprender Esperanto!”, transmitido pela Emissora da Boa Vontade. A atração era dirigida e apresentada pelo radialista Jorge das Neves. Braga nos diz que “O professor estava agora respondendo cartas de ouvintes. O Sr. Sizenando Mendes Ferreira, de Iporá, Goiás, escrevera dizendo que achara suas aulas muito interessantes e queria se inscrever entre seus alunos”. O cronista nos revela o teor da carta: “Sou um homem do interior, tenho uma certa emoção do interior, às vezes penso que eu merecia ser goiano.” Lírico, Braga informa que “A manhã estava escura e chuvosa em Ipanema; e me comoveu saber que naquele instante mesmo, a um mundo de remotas léguas, no interior de Goiás (em Iporá), havia um Sizenando, brasileiro como eu, aprendendo que “o jardeno está plena de floroi” (o jardim está repleto de flres) – e talvez escrevendo isso em um caderno.”
A crônica segue em suas digressões líricas e surpreendentes, no que Rubem Braga é magistral. Hoje fico pensando: Será que esse Sizenando providencial ainda vive. Se vive, por onde andará. Se não vive, quem são seus descendentes? Mas o fato de Rubem Braga mencionar Iporá de uma forma tão afetiva e comovente foi uma espécie de batismo, digamos, cultural que imortalizou Iporá.
Mas imortalizou de um jeito diferente, Sizenando, a vida é triste. Imortalizou em segredo. Porque minha cidade ainda não alcançou o estágio civilizatório suficiente para entender a grandeza desse gesto. Quando Iporá entender, a cidade vai transpor o limiar da era em que vive e entrar em algo parecido com a suposta era de aquários, com o brilho das luzes do cronista maior. Como a desconhecida Cora Coralina que, uma vez citada pela crônica de Carlos Drummond de Andrade, virou celebridade de repercussão internacional. Enquanto isso, Iporá é tida como a cidade com o maior número de poetas por metro quadrado. O pessoal atribui o fenômeno a algum efeito deletério das águas do ribeirão Tamanduá ou das radiações urânicas do Morro dos Macacos. Mas eu penso que é mesmo por causa de algum estímulo secreto da crônica de Rubem Braga.