“Tudo aqui é ficção, é fruto de minha imaginação; nomes de pessoas amigas são homenagens que o autor faz.”
Beiradeando brenhas, brejos, buritizais, pirambeiras, brocotós, brejaúbas, bromélias, unhas- de-gato, baitas bacuris, bálsamos, babaçus, barbatimão, bingueiros, muricis, aroeiras, angicos, jatobás, jenipapos, ingás, cedros centenários, cajueiros, pequizeiros e árvores colossais, no intimorato vai-mais pro meio do mato, o arremedo da estradica quase claudica, mas, singela, sem medo, embica entre montes e grotões até se perder sem dó, nos socavões profundos daquele oco de mundo, nascente do Caiapó.
Nato do mato, Natinho, sozinho, sem vizinho, era só carinho com a prenhez da patroa, a coisa mais boa que Deus lhe deu, a rainha daquele reino encantado que era só seu…
Animais selvagens, furiosas feras, pássaros em profusão, perfumes, odores de flores e cheiros naturais, seres de outras eras, de outra dimensão, sacis, pais-do-mato, duendes e fadas fazem a festa daquele natal bendito, bonito, breve a luzir na floresta…
Natinho e Nair é só comunhão de corpo, alma, coração e carinho, à espera do anjinho bento, belo rebento que há de vir…
Tão bela, a primavera daquele paraíso tropical, tão virgem, tão natural. Para os humanos e profanos olhos meus é um presente de Deus a espantar todo o mal. Um mimo de amor, em cada árvore, em cada flor. Tantos e tantos odores de terra molhada e flores; de todos os tamanhos e cores, as afoitas e habilidosas abelhas em seus incessantes labores, a colher o néctar sagrado e adocicado das flores, a espalhar na floresta aquele cheiro de fartura e festa, explosão maior do amor de Deus!
Lembro-me bem: Manhã de setembro. A chuva vem fina, em gotas de encanto, molhando todos os cantos, acariciando a cara do fazendeiro, fazendo primícias de carícias, a arrepiar-lhe o corpo inteiro, a embelezar as árvores, os rochedos, as flores, os arvoredos… Chuva e sol. Casamento da raposa, primoroso arrebol. As gotinhas da fina chuvinha, beijadas pelo astro-rei, se transformam em pérolas brilhantes, enfeitam de diamantes toda a selva, as flores, folhas das árvores, os animais, a terra; grinalda de fantasia no verde-esmeralda da relva, essência da poesia, mundo de magia, cristais que se multiplicam e se claudicam nas chuvas matinais..
Ambiente de luz, labor, cor, odor e festa. No átimo de um momento, manifesta-se o mistério maior de Deus, o nascimento, o natal do fruto do amor do abençoado casal, Natinho e Nair. A passarada em festa anuncia a boa nova, renova, enche a floresta de melodia. É meio-dia de uma manhã primaveril. Envolta em mistério e encanto profundo, nasce Thalita, a tetéia mais bonita deste mundo. Linda criança, olhinhos que são carinhos e esperança, preciosas esmeraldas, dois faróis de luz, abençoados por Jesus, naquela manhã dourada. O sol que é luz e vida, numa comovida luminosidade, abraça a casinha simplesinha do casal e beija aquela criaturinha angelical, em carícias de primícias mil!
Obra prima de beleza, fada encantada da floresta, olhinhos espertos, cor de esmeralda, festa para o coração de qualquer cristão, princesa em meio ao esplendor de tanto amor da natureza, a menina cresce linda, solta, envolta numa ternura infinda, na amplidão, na largura, no recato do mato, nos banhos de regato, no correr pelos pastos, no conversar com carinho, com bichinhos, insetos, plantas, pássaros, flores, seus aromas, seus amores diletos e prediletos, em plena liberdade, desde a mais tenra idade. Ler, escrever, contar aprende com os
pais, no aconchego do lar. Aos dez anos de idade vai para a cidade estudar, onde conhece a modernidade, a sala de aula, a escola, o professor, a cola, o computador…
Com o computador, seu algoz, companheiro e tutor, Thalita, o dia inteiro se enleia nessa teia da internet e, toda catita, com aquele corpinho em flor, caprichado, cobiçado, corpinho que incita e capacita carinhos; olhinhos amendoados, cor da graça e do pecado, cresce cada vez mais bonita, em sagacidade, sapiência, idade e inteligência em manhas e artimanhas de mulher mimada, amada, que sabe o que quer, postando poses e apostando em seu poder de seduzir, luzir, ofuscar as demais nas redes sociais; sua figura que é só ternura, tesão e explosão, ganha dimensão no espaço do compasso de corações em descompasso e em pedaços, ante tanta tentação – tentáculos da paixão!
Thalita, a tetéia da internet, já taludinha, uma mocinha; traz o trejeito, a candura e a ternura do mato; a beleza e a singeleza do manso regato – uma princesa, de fato! No constante e incessante espalhar fotos pela internet, já na flor da idade, vira celebridade: Pródiga em presença nas passarelas, um presente para os presentes, olhinhos inocentes, viridentes, incandescentes de carinho, corpinho de donzela em flor, prontinho para as artimanhas do amor…
Totonho Trem Doido, trem do mato, tosco, gaiato, sistemático, ganha o apodo porque tudo aquilo que lhe causa surpresa, euforia, alegria ou tristeza, prazer ou desprazer, em seu complexo e convexo viver, é para o Totonho “trem doido”, daí a alcunha que se cunha a seu próprio nome, como cognome.
Totonho tão só e sorumbático, apático, pensativo, introspectivo ante o barulhinho da bica que, alegre, futrica com o coração do contumaz solteirão. A aguinha apressada parece dar risada, naquela prosinha animada de comadre que passa muito tempo sem se encontrar e tem muita coisa pra contar…
Na lonjura espessa e pacífica de um solitário e refratário coração, Totonho Trem Doido, o eremita e artista do sertão, tristonho, versifica:
“ Passarinho tão constante
Na aguinha lá da bica,
– Tu és a saudade que vai
Ou és a saudade que fica? “
Trazendo no ombro o escombro de uma solidão sem tanto, no espanto do assombro de um segundo, em solícito e implícito solilóquio, Totonho Trem Doido se olvida da vida, se esquece do mundo, se anula no nulo matutar roceiro, até Cabamundo acordá-lo do apelo daquele pesadelo:
— Totonho, olha o trem qu´eu trouxe procê? Ocê quer?
— Um celular com internet? Trem doido de bonito essa tetéia aqui, Cabamundo? E essa platéia de palermas aí, a aplaudir? Isso é coisa desse mundo? Esse trenzim é um anjo ou o Coisa-Ruim em forma de mulher?
— Isso aí no celular, a encantar o olhar de um qualquer, é um botão em flor, moça-mulher, nascida de um grande amor, para ornamentar e embelezar a vida de quem não duvida do amor.
— Amigo, não faça assim comigo não; não seja tão ruim; não machuque esse coração desse combalido e desvalido vivente… Esses olhinhos vivos, viçosos, amorosos, viridentes, plenos de carinho, na tela do computador de minha mente são meu pendor, minha dor, meu maior presente!
Totonho Trem Doido, tresloucado de amor pela tetéia da internet, vira marionete de seus intentos e ardorosos pensamentos pecaminosos, chega a rastejar e arrastar o fiofó no chão, no nó de tanta paixão:
—- Ainda toro essa tetéia, esse trenzinho lindo! Quero retê-la só pra mim, assim sozinha, sorrindo, sem platéia, custe o que custar, na alcova ou no altar! Essa não é manjar para um qualquer; ainda toro, ah se toro esse tesouro de mulher!!!
Tesão de tê-la e retê-la no talo e no embalo de uma paixão sem fim! Tentação, tento e intento do Totonho, seu maior sonho ver, ter a tetéia bem perto, o corpinho em flor, olhinhos de esmeralda, fada perfumada, tão esperada no deserto de seu coração de solteirão sonhador.
Tonto de tanta paixão, Totonho pronto para o encontro: A bela e a fera, frente a frente. Faiscantes, ofuscantes, os olhinhos de fada fazem fundas fendas, contendas no coração do cristão. É dor de amor, doce ferida que fere sem ferir e atiça a vida!
Que bela, a linda donzela! Uma estrela. Totonho, ao vê-la, treme todo no açodo da paixão, pensa em tudo, fica mudo, sem ação!
Que cena amena, tão bela! A bela e a fera. Quimeras em flor, fantasia de uma utopia: No transitar de um olhar, nasce o amor.
Fazendo fissuras, fendas e contendas nos dois corações, na doçura do atiçar e do coroar de pródigas paixões, a tenra tetéia de olhar morteiro e o roceiro solteirão fundem-se em afeição, unem-se numa só paixão, capaz que conduzidos por carmas de outra encarnação.
Totonho Trem Doido e a Tetéia da Internet viram marionetes de uma paixão sem explicação, um afeto concreto, tão dileto, porém um mistério sem critério, sem discernimento que acaba em casamento.
A fazenda, em festiva festa, atesta a felicidade, mostra a tenra idade da linda noiva, predileta e dileta que o noivo tem. Totonho, todo risonho, o sonho, a poesia daquele dia: “Trem doido de bendito, o bonito olhar de amor, da cor do mar da patroa! “ O roceiro, em loa, faceiro entoa em alto tom, como lhe convém, para o seu bem:
“Teus olhos verdinhos
Me inspiram carinhos,
Me abrem caminhos
Para a imensidão do mar
Que nasce sem jeito
Em meu pobre peito
E se multiplica em teu olhar
Na doçura do teu sorriso
Meu sonho, meu paraíso.
Nestes teus lábios em flor,
A esperança e a criança
Que há em teu olhar
Me fazem viver, sonhar
E acreditar no amor! “
Ânsia do amor maior, mágico momento, o entendimento íntimo do casal na cama, o perfume que resume e emana o ápice do amor de quem ama, o sabor da lua de mel, anel e elo, doce anelo entre os esponsais que os prende mais e mais, em doces primícias de carícias, deliciosos ais…
A tetéia toda tesa, sentindo-se caçadora e presa, num sussurro, quase um gemido, ao pé do ouvido do noivo, insinuante, ofegante, fala:
— Benzinho, tenho vertigem, ainda sou virgem; com carinho, devagar, vem, bem; vem me amar…
Sentença sorvida, vivida, sentida, azar?
Totonho atinge o céu com o cicio da noiva em cio, em confissão. Ter aquela tetéia inteira, ainda donzela toda pura, toda bela, sem mazelas, toda sua, toda nua, o coração não atura, é muita carga para o seu caminhão. Totonho treme, freme de felicidade, faz festa intima de tesão, de ansiedade, com o inconsciente . Um tremor veemente, depois inconsistente, um estupor, uma dor de amor assoma, toma conta de todo o seu ser, uma vacuidade, uma nulidade, um sem viver…
Na magia do lumiar do limiar do novo dia, na manhã, o caseiro presencia o quadro triste: A tetéia tresloucada, tantã, tonta de emoção; aflita com a desdita, totalmente tola, nula em sua nudez, na dor da viuvez, a abraçar o corpo frio do cristão e a beijar em ânsia louca a boca de seu amor. Totonho, o falo em riste, numa nudez que insiste em se mostrar, uma doce amargura no olhar inerte, solerte, profundo a abarcar o mundo.
No fundo do quintal, ali perto da palhada, a alegria geral da passarada embevecida a saudar o novo dia, a saudar a vida!!!
Iporá, 17 de fevereiro de 2.014.