Israel da Amorim sob um outro olhar (Parte I)
Falar de “personagens e vultos” históricos nunca é uma tarefa fácil, pois, como historiador, prefiro me distanciar das biografias enaltecedoras que retratam apenas um lado da história. Todo ser humano é alvo de críticas e análises diversas e por vezes contrárias entre si. As muitas faces da história são construídas e alimentadas de contradições e revisões da escrita da história, assim pretendemos apresentar algumas fagulhas da história de personagens do oeste goiano.
Na esfera da macro história, a Cerimônia da Queima das Bandeiras (realizada na Praça Roosevelt no Rio de Janeiro no dia 27 de novembro de 1937), durante a ditadura de Getúlio Vargas (1937-1945) as flâmulas estaduais deixaram de “existir” e foram queimadas com símbolo da existência de uma única bandeira no território brasileiro, a bandeira nacional. Na esfera da história regional, houve um esforço político-partidário na desvinculação da Cidade de Goiás como centro político-administrativo estadual e o enfraquecimento das oligarquias regionais goianas, processo este concretizado através da criação, construção e inauguração de Goiânia como nova capital estadual.
Como também na esfera da micro história, a contexto de Iporá, que desde a ascensão de Getúlio Vargas à nível nacional, e Pedro Ludovico no cenário estadual, o “antigo” Distrito do Rio Claro já não satisfazia as demandas sanitárias, logísticas e principalmente as intenções políticas dos partidários, correligionários e oportunistas que emergiram alicerçados e respaldados pelos líderes da chamada “Revolução de 30” (que na verdade fora um Golpe Militar) e consequentemente e posteriormente no “Estado Novo” (que é classificado como a mais repressiva e controladora das ditaduras brasileiras).
O século XX viu florescer inúmeros candidatos à “caudilhos” que prometiam a “salvação” para os problemas sociais e econômicos, tais caudilhos se baseavam no carisma arrebatando o apoio da massas populacionais carentes, que na verdade “serviam” de trampolim político e como “massa de manobra” para os grupos político-ideológicos implantarem e/ou imporem seus regimes político-partidários.
Os cerrados e matas do oeste goiano não ficariam imunes a tais acontecimentos , a começar pelas intencionalidades da transferência da sede do Distrito do Rio Claro, que também teria até o próprio nome mudado para Itajubá. A finalidade sempre foi enfraquecer o município da Cidade de Goiás e a sua arrecadação de impostos.
O Interventor Pedro Ludovico cravou um punhal no orgulho vilaboense transferindo a capital centenária para a “moderna e planejada” Goiânia, este interventor getulista daria total apoio para a criação de outros Municípios, a fim de povoar territórios do solo goiano até então não aproveitados, assim como enfraquecer a economia da Cidade de Goiás diminuindo a arrecadação vilaboense, resultando em dificuldades administrativas, financeiras e consequentemente política da antiga Capital goiana, e reduto da oligarquia da “República Velha”.
Para aplicar tal política getulista nas terras do Distrito do Rio Claro, o Interventor Estadual Pedro Ludovico, encarrega pessoas desvinculadas com as oligarquias da “República Velha”. Os “escolhidos” , ou encarregados de tal tarefa seriam, obviamente, pessoas sem “laços” profundos com a localidade, pessoas sem raízes e comprometimentos com as ideologias locais; pessoas que fariam tudo para o bem e o bom andamento, concretizando um projeto de governo e perpetuação dos novos regentes.
Israel de Amorim por um outro olhar (Parte II)
Israel de Amorim que vivia até o início da década de 1930 com Maria Antônio (enteada do Cel. Joaquim Paes de Toledo), rompeu seu relacionamento e em procuraria logo desvincular-se com a imagem dos antigos “coronéis” da região. Tratou de buscar casamento, e o encontrou junto à uma conceituada família do comerciante e garimpeiro Álvaro Theophilo dos Santos (maranhense radicado na cidade de Araguaiana/MT), conhecido da família de Israel de Amorim e um dos seus principais fornecedores de diamantes nos garimpos de Araguaiana/MT.
O agora, “homem de família”, casou-se em 1937 com Olga de Sousa Santos, se postulando como uma figura respeitada, admirado por seus pares, versátil, hábil comerciante, próspero “capangueiro” (comprador de diamantes nos garimpos) e um ambicioso politicamente. O agora, Sr. Israel de Amorim, faria o arregimentar de almas e mentes em prol do projeto governista nos sertões e garimpos do Vale dos Rios Claro e Caiapó.
O trabalho de “capangueiro”, percorrendo os isolados e inóspitos garimpos da região, comprando diamantes e vendendo mantimentos, ferramentas e utensílios, também dava a oportunidade de Israel de Amorim segregar para si apoio popular, se tornando cada vez mais um “caudilho” do sertão goiano.
Portador de auxílios e empréstimos às populações desassistidas dos garimpos, que muitas vezes eram hostilizadas, perseguidas pelos “coronéis” e por vezes viam seus esforços infrutíferos no sonho de se enriquecerem nos garimpos. A oportunidade era esta, apoio governista, correligionários por toda região e ausência de figura de lideranças políticas em virtude do cenário nacional e estadual em franca transformação com a ascensão de Vargas e Pedro Ludovico.
Para sacramentar o processo, a participação de Osório Raimundo de Lima. Um homem culto, estudado, polido, de caligrafia artística, oriundo de seleta família política, e tio materno do principal nome e articulador do partido do Interventor Estadual. Osório Raimundo de Lima era tio de Zoroastro Artiaga, o homem que naquele momento fora o braço direito de Pedro Ludovico e um dos principais líderes partidários do governo da época.
Um homem sozinho é incapaz de construir uma grande obra, uma ponte, uma estrada ou mesmo uma cidade; do mesmo modo que o ditado popular afirma que “uma andorinha só não faz verão”. O princípio científico ressalta que “na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma” (Antoine-Laurent de Lavoisier). Fazendo uso dessas assertivas, podemos concluir que líder nenhum “faz isso ou aquilo”, mas sim, lidera seus comandados numa empreitada árdua e contínua como a história.
Nenhum líder poderia ser capaz de criar um lugar, historicamente falando, mas todos os líderes são capazes de transformar seus ambientes, conforme seus interesses e ideologias. Israel de Amorim (tal como outros “vultos”) não criou o território do oeste goiano, mas conquistando corações e mentes o transformou, moldando a fim de um propósito (por mais que o tenha perdido assim que Iporá se emancipou).
De igual modo que o Sr. Israel de Amorim usou a proposta de emancipação de Iporá a seu favor e projeção, as terras que outrora foram o Sertão do Gentio Caiapó também usou e se beneficiou deste, e de outros personagens históricos.
Israel de Amorim depois de perder as eleições municipais de 1956, usou a mesma tática que aprendeu na década de 30 com Pedro Ludovico, “dividir para reinar” (divide et impera – Imperador romando Júlio César). Israel de Amorim apoiaria e buscaria a emancipação dos distritos de Iporá, assim, Campo Limpo se emancipou com o nome de Amorinópolis (1959), Monchão do Vaz se emancipou com o nome de Israelândia (1959) e Pacu se emancipou com o nome de Jaupaci (1959). No final da década de 50 e início da década de 60, os jornais da época que circulavam em Goiânia, não viam mais Israel de Amorim como um benfeitor de Iporá, pelo contrário, o viam como algoz.