Drª. Loraine Cruvinel, Psiquiatra, dentro da programação do Suave Mente, festival de arteterapia promovido pela Toca , aborda sobre preconceito frente aos transtornos mentais.
A seguir, texto de Loraine Cruvinel:
“Depressão não é doença.”
“Quem precisa de psiquiatra é doido”.
“Você não precisa de remédio, precisa tomar vergonha e reagir”.
“É só se ocupar com algo que isso logo passa”.
Você já ouviu alguma dessas frases? Com certeza sim.
Não é por acaso que muitos indivíduos que sofrem de condições como síndrome do pânico, transtorno obsessivo-compulsivo, alcoolismo ou mesmo de depressão, sofrem triplamente: pela doença, pela frustração de não conseguirem controlar suas mentes e pelo preconceito de quem desconhece completamente a seriedade dos transtornos mentais.
Se você vê alguém com diarreia ou com uma hemorragia, com certeza não dirá nenhuma das frases acima e tomará providências imediatamente. Mas é comum que em se tratando de sintomas dos transtornos mentais, as pessoas os subestimem ou ignorem.
Até finalmente chegarem ao consultório de um psiquiatra, muitas pessoas gastam uma enorme quantidade de energia e dinheiro nesse processo, aumentando em muito a sensação de incapacidade e os riscos de evoluírem para um suicídio.
É justamente nesse contexto de desconhecimento e ausência de tratamento correto, que a morte passa a ser vista como a única opção de alívio definitivo da dor.
É comum que a negação do problema seja tão grande, que estas pessoas acabam perambulando pelas mais diversas especialidades médicas em busca de um diagnóstico que explique tamanho mal-estar. E infelizmente chegam a ouvir inclusive dos próprios profissionais de saúde: “você não tem nada”.
Depois de muito sofrer, quando finalmente aceitam a ideia de cuidar da saúde mental, o quadro já está extremamente grave.
Por tudo isso é urgente entender que há uma complexa cascata de reações químicas envolvidas nos comandos que o sistema nervoso emite para todo o corpo. Quando perdemos ou ignoramos essa função hierárquica do cérebro, estamos sujeitos a uma série de desequilíbrios do sistema emocional. Um exemplo prático disso, é que quando áreas instintivas do cérebro (principalmente áreas límbicas responsáveis pelos mecanismos básicos de defesa) deixam de ser dominadas pelo córtex, podemos ter como resultado uma pessoa com constantes acessos de ansiedade e em sequência um processo depressivo.
Vale lembrar que a depressão é um transtorno mental dos mais graves e incapacitantes. Dentre as 10 principais causas de afastamento do trabalho em todo o mundo, 5 são em decorrência de transtornos mentais. A depressão aparece em primeiro lugar.
Se não se deve debochar ou subestimar doenças como o câncer ou o lúpus, também não há razão para fazer isso com as doenças mentais. Elas precisam ser encaradas com a mesma seriedade e consciência, assim como com outras doenças como hipertensão e diabete, SE NÃO HÁ TRATAMENTO CORRETO, A VIDA ESTÁ EM RISCO.
A história tratou os pacientes psiquiátricos como “possuídos por demônios”, “pessoas que perderam o controle de sua mente por castigo divino” e nos deixou um triste legado de preconceito que até hoje assola muitos pacientes e familiares. Como disse Albert Einstein, lamentando a triste época em que vivia, “é mais fácil desintegrar um átomo que um preconceito”.
Em pleno 2022, ideias preconceituosas devem ser combatidas com ainda mais veemência. Já é hora de entender que ninguém é culpado por desenvolver transtornos mentais. Todos nós passamos por dificuldades e estamos sujeitos a desenvolver transtornos. Ninguém está imune e inatingível. Não dá para continuar ignorando até mesmo as determinações genéticas, que estão na base desses desfechos na saúde mental.
Por isso é muito importante termos consciência e responsabilidade sobre o que dizemos e aconselhamos quando estamos diante de alguém em sofrimento. A informação salva vidas, a desinformação mata. Cuide-se. Cuidar de nós mesmos também é um gesto de cuidado com todas as pessoas que nos cercam. Se você estiver passando por um momento difícil, lembre-se: não fique adiando a busca por ajuda. Afaste-se de pessoas leigas que só desencorajam o seu tratamento por completa ignorância dos fatos, busque aprofundar os seus conhecimentos sobre o que favorece um bom funcionamento cerebral, cultive bons hábitos de vida e primeiro: busque ajuda.
Dra. Loraine Cruvinel
Médica, membro da Associação Brasileira de Psiquiatria, Coautora do livro “Suicídio: a vida não pode parar”.