Texto de Tatiane Letícia, que é fisioterapeuta, doula, consultora em amamentação e educadora perinatal. Apoia mulheres e mães a gestar, parir, cuidar, amamentar e nutrir.
Quem ouve as seguintes frases “Nasce um bebê, nasce uma mãe” ou “todas as mulheres nascem com instinto maternal” talvez vão tenha noção do peso que estas palavras têm. O bebê nasce e a mulher se vê ali, vulnerável, sangrando, com o útero vazio, segurando um serzinho lindo, mas super demandante e com um sentimento de solidão que nunca imaginaria sentir. Todos esses sentimentos e sensações são silenciados, afinal ela tem um bebê saudável nos braços, um bebê que foi (muitas das vezes) planejado, gestado e agora finalmente chegou. Que mulher em sã consciência ousaria dizer que apesar de estar feliz com a chegada do seu filho também sente tristeza, arrependimento, cansaço e frequentemente vontade de sumir. Se você é mulher e mãe sabe do eu estou falando. Mas, infelizmente, esse assunto não é falado abertamente e, talvez por isso, as taxas de ansiedade, transtorno bipolar, estresse e depressão em mães se tornaram condições de saúde mental prevalentes no mundo inteiro, um tipo de pedido de socorro para a sociedade.
Uma das características da maternidade é a solidão. Somado a isso temos, no pós-parto, uma baixa brusca de hormônios relacionados à gravidez. Essa queda por si só faz com que a mulher tenha momentos de alteração de humor, labilidade emocional e dificuldade em expressar os sentimentos. Devemos lembrar também do cansaço físico provocado pelos cuidados com o recém-nascido e das longas noites em claro. O puerpério (período pós parto que pode durar até dois anos) é um momento de transição com atravessamentos intensos: ansiedade, medos, solidão, nervosismo, esgotamento e exaustão que são muitas vezes ignorados pela sociedade e até mesmo pelos profissionais de saúde. Sabemos que em momentos de estresse, o corpo libera adrenalina e cortisol, hormônios que em excesso podem desencadear ou agravar condições prévias de adoecimento mental.
Vivemos em uma sociedade patriarcal, onde as demandas dos cuidados com os filhos muitas vezes recaem sobre as mulheres, visto que muitas pessoas trazem o discurso pronto de que “ser mãe é uma dádiva divina”. Porém o que quase não se ouve é como a maternidade é complexa e até mesmo “pesada”. Sim, pesada, como um fardo, porque admitir essa carga não faz de nenhuma mulher uma mãe ruim ou que ela ame menos seu(s) filho(s), pelo contrário, precisamos parar de romantizar a maternidade e falar abertamente sobre as dificuldades comumente enfrentadas pelas mães.
Antigamente quando uma mulher tinha um bebê ela contava com uma rede de apoio para auxiliá-la com os cuidados com a casa, com os outros filhos e com o recém-nascido. Nos tempos atuais, muitas mulheres se veem sozinhas após o parto e até mesmo na criação dos filhos. Sobra julgamento e falta apoio. Existe um provérbio africano que diz: “É preciso uma aldeia inteira para criar uma criança” e mais do que nunca isso tem mostrado ser verdade, mas na vida real o que vemos é “quem pariu Mateus, que o embale“.
Existe uma visão distorcida sobre o papel de mãe, reforçando a crença de uma única forma correta de exercer a maternidade e isso impacta na saúde mental materna, gerando competição, dor e sofrimento. Um termo muito comum usado em discussões entre mães é o “não sou menos mãe” como uma forma de se afirmar frente a alguma crítica relacionada a sua forma de maternar. E é obvio que não existe um “mãezômetro” que avalia e classifica as mães em boas ou ruins. Claro que existem casos de negligência materna e até mesmo violência, mas não é disso que estamos falando. Estamos falando da maioria das mulheres mães que estão a cada dia dando seu melhor para cuidar dos filhos, exercendo várias funções para manter sua prole. No entanto, como seres humanos que são, cometem erros, se cansam e sofrem por perceber que não são aqueles seres divinos e perfeitos que a sociedade impõe que sejam.
O Brasil apresenta taxas que variam em até 30% de depressão no período pós-parto. Estudos mundiais estimam que 3,7 mulheres se suicidam no pós-parto a cada 100.000 nascidos vivos (para se ter uma ideia, 1,92 mulheres morrem de hemorragia pós-parto na mesma proporção). E precisamos lembrar que quando se trata de saúde materna o que está em jogo não é apenas o bem estar de um único indivíduo, mas de dois ou mais, visto que o bem estar físico e mental dos filhos está intimamente relacionado ao estado de saúde do cuidador. Mães adoecidas levam ao adoecimento de seus filhos e isso influencia em toda dinâmica da sociedade.
Precisamos cuidar de quem cuida. Cuidar de quem muitas vezes se anula como mulher, esposa, profissional, para poder dar conta de tudo. Precisamos falar e permitir que as mães falem abertamente sobre como se sentem e oferecer ajuda profissional especializada para aquelas que necessitam. Precisamos que a sociedade entenda que todos tem responsabilidades quando se trata de criar uma criança e que apoio é muito mais que dar opinião ou criticar, mas sim acolher e oferecer ajuda prática. Precisamos de políticas públicas que garantam direitos básicos para esses indivíduos, como moradia, alimentação, saúde, educação, lazer, segurança e trabalho. Precisamos de criar espaços seguros de cuidado onde essas mulheres encontrem apoio emocional, acolhimento e diálogo. Só é possível mudar o mundo cuidando de quem cuida de todo o mundo. Porque só teremos uma maternidade leve e feliz quando não houver regras, tabus ou silenciamento. Na pluralidade materna somos todas somos mães possíveis.