Oeste Goiano Notícias, mais que um jornal.
Oeste Goiano Notícias, mais que um jornal.

PUBLICIDADE:

Fato na Olimpíada: não reconhecimento como forma de domínio

Por Alan Oliveira Machado

Em nossa linguagem cotidiana está inscrito ainda, na qualidade de um saber evidente, que a integridade do ser humano se deve de maneira subterrânea a padrões de assentimento ou reconhecimento… (Axel Honneth em Luta por reconhecimento.)

Nos últimos dias, sempre na hora de almoço, aproveito para ver o resumo das Olimpíadas-Paris na TV. Foi em um desses momentos que presenciei a espetacular vitória da brasileira Rebeca Andrade sobre Simone Biles na ginástica artística de solo. Aquela sequência de saltos entremeados por passos de dança me impactou pela elegância, a alegria e a potência. Tudo encaixado com precisão. A brasileira levou o ouro e tornou-se a personagem central da cena mais emocionante dos jogos até aqui: no pódio, as ginastas norte-americanas Simone Biles e Jordan Chiles, que ficaram com a prata e o bronze, curvaram-se em direção à Rebeca Andrade como se súditas de uma rainha. A grandeza do gesto não se dá apenas porque Biles é a uma das maiores ginastas do mundo e os EUA são uma grande potência dos jogos e da geopolítica. A grandeza está no reconhecimento do outro; em referendar o merecimento em razão de saber avaliar as qualidades superiores da atleta brasileira, indissociadas da condição humana dela. O gesto de Biles e Chiles põe o esporte em primeiro plano e eleva, independente da origem, o respeito e a valorização àquele que vai além na arte em que compete. Estavam ali três ginastas mulheres, negras e de origem humilde no mais alto patamar do esporte mundial, dando uma aula de fraternidade, respeito e reconhecimento.

A recepção do que fizeram as duas atletas norte-americanas, nos meios de comunicação dos EUA, nos mostra um outro entendimento.  Boa parte dos jornais não apenas ignorou a cena como também omitiu referências e a imagem da ginasta brasileira de suas publicações. Em algumas das principais mídias aparece apenas o rosto de Biles e informações de que ela ficou com a medalha de prata e Chiles com a de bronze. Esse gesto de leitura sinaliza o viés ideológico do leitor norte-americano ou de como querem que o povo daquele país pense sobre si e sobre os outros. Ignorar o feito de Rebeca Andrade e o respeito e reconhecimento devotados a ela pelas ginastas dos EUA pende para a afirmação de que aos norte-americanos só importa eles mesmos, o que eles fazem. Assim, qualquer ato que ofusque o seu ideal de superioridade deve ser apagado. Os EUA não se submetem a ninguém; nas suas guerras só eles podem ser vencedores. A cena protagonizada por Biles e Chiles no pódio da disputa vencida por Rebeca, pelo jeito, merece repúdio, naquele país, por ferir o ideal de superioridade estadunidense. Como se vê, esse apego ao ideal de superioridade pulveriza, exclui, elimina tudo que ultrapassa os Estados Unidos. Apequena, portanto, qualquer gesto de reconhecimento do outro, desumaniza as relações.

No Brasil, pelo que vi, o ouro de Rebeca Andrade teve o reconhecimento merecido. O registro da saudação de Biles e Chiles a ela recebeu destaque e os canais de comunicação ressaltaram a nobreza da atitude das duas ginastas adversárias. Apenas o site do Ministério das Comunicações achou que era melhor as atletas dos EUA saudarem um computador no lugar de saudarem a maior entre todos os atletas olímpicos do país. A publicação do ministério, em vez de destacar o feito da atleta brasileira, excluiu-a da foto do pódio substituindo-a por um computador, referente a um programa do governo. Mais desrespeitoso e desastrado do que a referida postagem foi outro ministério, o dos esportes, pasmem, dias antes fazer a alusão de que os atletas brasileiros são macacos, numa postagem que mostrava um macaco pilotando um barco como se fosse o barco da delegação brasileira em Paris. O viés grotescamente racista da postagem oficial, reforço do racismo que argentinos e espanhóis costumam praticar contra os atletas brasileiros, comunica-se perfeitamente com a exclusão que o Ministério das Comunicações fez da nossa maior medalhista olímpica. Há por trás de tudo certa repulsa pela negritude, pelo valor, pelo destaque e a alta capacidade que os negros brasileiros conquistam nos esportes de elite.  Como se vê, o racismo brasileiro não mostra a cara apenas nas estatísticas altas de negros em favelas, fora da escola, em subempregos, na pobreza e em prisões, ele odeia também os negros que escapam a essas estatísticas. Ele odeia os negros que vencem. Não reconhecer, tanto para a ideologia imperial estadunidense quanto para o racismo brasileiro, é preservar o poder e manter o domínio. Até quando?

Alan Oliveira Machado é escritor e professor na UEG Iporá

Compartilhar:

Para deixar seu comentário primeiramente faça login no Facebook.

publicidade:

Veja também:

.

WhatsApp-Image-2024-09-02-at-14.45
A falsa briga entre Morais e Musk
WhatsApp-Image-2024-08-17-at-06.20
Orientação de psicólogo: burnout e o esgotamento no trabalho
WhatsApp-Image-2024-08-03-at-05.48
Perfil ideal do próximo chefe do Executivo e membros do Legislativo
viveiro
Viveiro ambiental em Iporá é necessidade urgente
WhatsApp-Image-2024-06-18-at-14.45
Tolos do sentido, joguetes do real
WhatsApp-Image-2024-09-02-at-14.45
A falsa briga entre Morais e Musk
WhatsApp-Image-2024-08-17-at-06.20
Orientação de psicólogo: burnout e o esgotamento no trabalho
WhatsApp-Image-2024-08-03-at-05.48
Perfil ideal do próximo chefe do Executivo e membros do Legislativo
viveiro
Viveiro ambiental em Iporá é necessidade urgente
WhatsApp-Image-2024-06-18-at-14.45
Tolos do sentido, joguetes do real