
Hoje um amigo disse que qualquer hora vai aparecer um comedor de bosta nas redes sociais. Achei curioso o tom sério com que manifestou essa opinião espantosamente escatológica. É assim, disse ele, o cara desesperado por fama, por like e por grana já não sabe mais o que fazer para viralizar, para ganhar seguidores e monetizar de modo a angariar uma vida man-sa como a da Virgínia, uma mulher aí que fatura uma fortuna por ano mostrando o dia a dia da casa dela. Um troço insosso até. O que nos deixa perplexos e com uma vontade imensa de querer saber o que faz as pessoas assistirem àquele espetáculo vazio e dar likes, e acompanhar, e perder tempo precioso comentando, como se fosse algo importante a pobreza de tudo da tal Virgínia, paradoxalmente mergulhada na riqueza financeira.
Sim, o cara então providencia uma tigela transparente, deposita uma expressiva quantidade de massa fecal e, com uma colher de sopa na mão, acessa o canal anunciando que vai comer bosta, que ninguém nunca fez aquilo nas redes sociais e que ele ia fazer a experiência e dizer para os seus seguidores qual o sabor, a consistência e tudo mais da colherada de merda fresca. Então o cara enfia a colher na tigela e atola a boca com o produto que alguém excretou horas antes. E sacoleja de um lado para o outro e comenta sobre a textura pastosa e diz que esperava ser salgadinha, mas não é e nem tem gosto identificável. Nesse ínterim alguém já o avisa que a coisa está bombando… Cem mil curtidas. Trinta mil comentários cheios de kkkk e emogis espantados. Empolgado com o sucesso, o sujeito, para não deixar dúvidas, reabastece a colher na tigela e atola na boca, e chacoalha de uma bochecha para a outra e fala empolgado deixando a coisa respingar na câmera… Duzentos e vinte mil likes e oitenta e dois mil comentários. Sucesso total! Nasce o comedor de bosta.
Um laboratório de análises clínicas oferece patrocínio, um médico proctologista monetiza enquanto posta sua marca nos coments, um laboratório farmacêutico o convida para uma propaganda de remédio para intestino preso, uma marca de iogurte probiótico também se interessa… Agora são vinte milhões de seguidores e centenas de milhares de views por semana… No final do primeiro mês já recebe seu primeiro milhão, substitui o celular por câmeras, contra-ta uma irmã como assistente e segue loucamente com postagens em que experimenta todo tipo de cocô: seco, frito, assado, com mostarda, ao molho madeira…
No segundo mês, o comedor de bosta aparece na primeira página do maior jornal da cidade e nos principais programas de TV. Traz no pescoço uma grossa corrente de ouro, adorna-da com um pingente vistoso em forma de cocô e uma tatuagem colorida no braço com os dizeres em Latim: boxta vita est! Já exibe sinais incontestáveis de riqueza. No terceiro mês, com a conta gorda e diversos contratos publicitários, é entrevistado pela própria Virgínia, aparece no canal da Luluca, no canal do Luva de pedreiro e no do Nicolas Ferreira, no qual faz uma pe-quena demonstração de deglutição fecal, em homenagem a Bolsonaro. É nesse mesmo mês que se dá conta de que a internet está infestada de imitadores. Todo tipo de comedor de bosta em disputa por likes, fama e riqueza. Já estabelecido no mercado da começão de fezes, o comedor de bosta não se abala, mas mesmo assim resolve inovar. Na manhã do último dia do terceiro mês, os seguidores vão ao delírio quando ele aparece no canal com duas tigelas de excremento fresco dizendo: hoje vou comer o cocô do cachorro da minha tia e o do gato da minha avó. Vamos ver qual é o mais interessante. Um milhão de likes em trinta minutos de show, centenas de contratos de publicidade, já pensa até em fazer uma mansão em forma de cocô, com um luxuoso carrão amarelo ocre na garagem. No dia seguinte não comparece aos compromissos. A irmã posta nas redes que o comedor de bosta foi internado com uma infecção intestinal violenta, aproveita para fazer propaganda do hospital particular que o internou de graça, de graça? Nem tanto, diz a irmã do deglutidor de fezes, neste mundo não existe almoço grátis.
Texto de Alan Oliveira Machado, que é escritor e professor na UEG Iporá