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As brincadeiras das crianças no século passado


Esta semana, o livro Amorinópolis Na Metade Do Século Passado descreve as brincadeiras das crianças numa época em que não havia tantas coisas para comprar nas lojas e nem dinheiro para estas extravagâncias. As crianças tinham que ser criativas e confeccionar seus próprios brinquedos ou, então, aprontar umas boas, como no caso do pau-de-cocô.

As brincadeiras das crianças

 

Crianças são crianças em qualquer época e em qualquer lugar do mundo e, para elas, tudo gira em torno das brincadeiras com irmãos ou com colegas. Logicamente havia brincadeiras mais brutas em que se juntavam mais os meninos e outras que eram somente para as meninas. Mas várias delas eram comuns a ambos. Também tinha aquelas para crianças menores, que os maiores achavam que não deviam participar, para não serem tidos como crianças. Ao contrário, havia aquelas brincadeiras que só eram recomendadas para os maiores, que as crianças menores insistiam em participar, para parecer que já eram grandes. Tudo como hoje, só as brincadeiras é que eram outras. Às vistas do pessoal de hoje, devem parecer a coisa mais boba do mundo. Só que não eram. Nós é que achamos as de hoje muito sem graça, como ficar o dia inteiro vendo televisão, jogando videogame o que, via de regra, podem produzir crianças de raciocínio esperto, mas molengas.

Cantigas de roda:

As crianças pequenas gostavam de brincar de roda, geralmente em noites de lua nas ruas tranqüilas da cidade, porque, além de não ter luz elétrica, não havia carros por ali naquela época, a não ser alguns caminhões que transportavam cereais e que nunca saíam a noite. Essas rodas eram embaladas por cantigas inocentes como Samba crioula / Que veio da Bahia / Pega a criança / E põe na bacia. / A bacia é de prata / Ariada com sabão / Depois de ariada / Vai lavar o seu roupão. / Seu roupão é de seda, / A toquinha é de filó, / quem tiver seu par abrace / Quem não tem fica vovó. No final, os pares se abraçavam e como havia sempre uma menina a mais, a que sobrava tinha que agüentar uma sessão de palmadas, acompanhada do refrão: bênção vovó – bênção vovó… Havia uma outra cantiga também muito usada nas brincadeiras de roda, que era: A menina que está na roda / É uma gata espichada / Tem boca de jacaré / E a saia remendada. / Lá vem seu Juca-ca / Da perna torta-ta / Dançando valsa-sa / Com a Maricota-ta.

Baliza

As meninas gostavam, quase sempre, de brincar de bonecas, de casinha, de fazer comidinha. Diferente de hoje só na introdução da eletrônica como meio de diversão, comum aos dois sexos e a todas as idades. Gostavam, também, de brincar de Baliza, que consistia em juntar certo número de pedrinhas entre as duas mãos, geralmente entre 10 e 12, sacudir, jogar para cima e tentar aparar o máximo possível nas costas da mão. Quem conseguisse curvar as costas das mãos mais, levava vantagem, pois conseguia reter mais pedrinhas. Depois, numa operação semelhante, de jogar uma pedra para cima, tentava-se apanhar as pedras que restaram no chão, com um detalhe: se se tocasse em uma pedra, ela tinha que ser apanhada, senão o sujeito perdia a vez e dava chance para o outro iniciar todo o processo e ganhar a partida. Parece que a meninada não sabe mais desse jogo, hoje em dia. As meninas passavam horas e horas sentadas, jogando baliza.

As brincadeiras dos meninos menores

Os meninos de seus 5 até uns 10 anos gostavam, também, de brincar de fazendinha, fazendo cercas do talo de folha de mamão para simbolizar as divisões do curral e dentro colocavam uns ossinhos de pés de porco que sobravam da feijoada, para representar as vaquinhas. Meu caro, fui fazendeiro várias vezes em minha infância. Havia gente que usava até manga ou caroços de manga para representar os boizinhos. Eta tempo bom, meu compadre… Nesse mesmo embalo, a gente fazia uns carrinhos de carretel, utilizando uma liga de borracha como eixo, que passava no centro do mesmo, um pedaço de palito de fósforo de um lado, para segurar a liga e, do outro lado, um pedaço de vela para a coisa rodar sem atrito, com a liga se firmando em um palito de picolé, por exemplo. Daí era só girar o palito de picolé para a liguinha de borracha ir se enrolando e soltar depois no chão, que a liga ia se desenrolando automaticamente e o carrinho de carretel saía andando sozinho. Era um barato! Fazíamos verdadeiras corridas entre vários desses artefatos. Eu era craque na fabricação desses carrinhos. Tinha lá meus macetes, que estou guardando em segredo para ensinar aos meus netos, futuros campeões de carrinhos de carretel. Coitados!
Ah! Tinha outra coisa que a meninada adorava também. Era andar de perna de pau ou em latas de massa de tomate. No caso das latas de massa de tomate ou de óleo, a gente passava um cordão em dois buracos opostos feitos na parte de cima da lata, formando uma espécie de rédea e segurava em cima. Enfiava o pé por cima da lata e ia andando sobre aquilo, sempre puxando o cordão quando o pé ia levantar, para a lata vir junto. Era uma farra e qualquer criança conseguia fazer isto. Agora, a perna de pau propriamente dita era para os mais práticos. Usava-se um pedaço de pau de uns dois metros de comprimento, mais ou menos e nele se fazia um furo na altura desejada, normalmente cerca de sessenta a oitenta centímetros do chão. Enfiava outro pedaço de pau de uns vinte centímetros de comprimento nesse buraco, encaixava bem, firmava direitinho, que era onde iria se firmar o pé com todo o peso do corpo. Subia naquilo e ia andando para todo lado, firmando as mãos no prolongamento superior do pau maior. Era outra farra.

Mão direita está vaga

Mão Direita Está Vaga era outra brincadeira bem inocente, mas que servia, muitas vezes, para o início de um namorinho. Dispunham-se as cadeiras ou bancos em forma de um círculo, sentava todo mundo deixando uma cadeira vaga. As pessoas eram, então, identificadas por um número, por exemplo, e o indivíduo cuja cadeira vaga estivesse à sua direita gritava: minha direita está vaga para o número tal. A pessoa correspondente corria e sentava na cadeira vaga. Daí, com relação à cadeira que acabara de ficar vaga, a pessoa à esquerda gritava a mesma coisa e a brincadeira rolava a noite toda.
No final, a gente sempre descobria quem estava a fim de quem, porque sempre solicitava a mesma pessoa para sentar à sua direita. Se ocorresse a mesma coisa do outro lado, é porque a paquera estava dando certo e dali podia sair um namorico. Acho que houve muitos desses casos que viraram até casamento. No fundo, era uma maneira sertaneja de quebrar a timidez.

Pique-esconde

Pique Esconde era outra brincadeira de que participavam meninos e meninas, geralmente os menores. Uma pessoa tampava os olhos e começava a contar até dez, por exemplo. Nesse meio tempo, a meninada toda corria para se esconder. Terminada a contagem, a pessoa que havia ficado com os olhos tapados saía procurando os que haviam se escondido. O que ela achasse primeiro era esse que iria para a contagem em seguida. E a coisa rolava por muito tempo, geralmente à noite, para ter mais graça. Uma variante dessa brincadeira consistia em esconder uma varinha qualquer, pré-determinada, e uma ou mais pessoas saía a procurá-la. Se fosse se aproximando do alvo, as pessoas diziam: está esquentando, está esquentando. Se fosse se afastando, era o contrário: estava esfriando, ou estava ficando morno. Ia nesse lenga-lenga até achar a varinha, o que muitas vezes demorava um tempão. Era outra bricadeirinha inocente, mas que conseguia entreter a meninada. Lembre-se de que não havia televisão naquela época e os pais precisavam de um pouco de sossego.

Queimada

A Queimada era outra brincadeira coletiva muito comum naquele tempo, bastante disputada nos intervalos de recreio no grupo escolar de dona Lélia. Consistia em formar dois times com quantas pessoas quisessem. Um time lançava uma bola de borracha de uns 10cm de diâmetro, mais ou menos, no intuito de carimbar alguém do outro time. Se acertasse, a pessoa carimbada saía do jogo. Se o alvo conseguisse pegar a bola, quem lançou é que era eliminado. E assim ia até um lado eliminar todos do outro lado. Ou então, se o recreio terminasse, ganhava quem tivesse mais gente de seu lado. Era uma coisa simples, mas muito agitada e a meninada adorava. A Maria do seu Ticate era a campeã das queimadas na minha época de moleque. Parece que ela já não está mais conosco. Disseram-me que morreu lá em Mato Grosso.

Bete

O Bete era outra das brincadeiras favoritas da época e podia ser jogado por meninas e meninos, embora os meninos sempre achassem que era brincadeira só para homem. Consistia em formar duas duplas e fazer duas casinhas de pedaços de madeira em forma piramidal ou cônica, uma de cada lado e distantes uns 30m uma da outra. Ao lado da casinha fazia-se um círculo de uns 30cm de diâmetro no chão e os que estavam com o bete tinham que ficar com ele dentro deste círculo. De um lado ficava uma pessoa segurando um bete, que era um pedaço de pau de um metro de comprimento mais ou menos e do outro lado um arremessador de uma bola de borracha pequena, de uns 8cm de diâmetro. O objetivo do jogo era o arremessador derrubar a casinha do outro lado. O da pessoa que estava com o bete era rebater a bola, para que ela não caísse sobre a casinha. Quando o rebatedor acertava a bola, as duas pessoas dos betes começavam a correr uma para a posição da outra, cruzando os betes no meio do percurso e cada vez que os cruzavam, contava-se um ponto. Se um jogador do time que havia ido buscar a bola a lançasse para o outro colega que havia ficado na base, este poderia derrubar a casinha com a bola se um dos que estavam com os betes não estivesse com o mesmo dentro do círculo. Então as posições se invertiam. Quem estava lançando passava a defender e vice-versa. Para a bola não poder ser arremessada sobre a casinha, o pessoal dos tacos tinha que estar com o bete dentro do círculo ao lado da mesma. E era aí que reinava o maior ponto de atrito, porque o indivíduo vinha correndo para colocar o bete no círculo e o outro lançava a bola e derrubava a casinha. Daí surgia a polêmica: já estava com o bete no círculo! Não estava, não! Estava, sim! Não!… Sim!… E de repente o pau comia no “fucim” de um e o melado descia. Era essa a graça melhor do jogo.

Finca

Finca era uma coisa só para homem, porém tinha umas danadas de umas meninas que se metiam a querer jogar também, mas homem geralmente não gostava de jogar com mulher. Se perdesse ficava desmoralizado por muito tempo, frente aos colegas. Para o jogo utilizava-se um pedaço de ferro de uns 25 a 30cm de comprimento, com cerca de 0,5cm a um pouco mais de diâmetro, com uma ponta fina em um dos lados. Havia duas maneiras de jogar: segurando no pé da finca, abaixando-se e lançando-a para se fincar ao chão ou, como falávamos, jogava-se “no estilo”, que era o lançamento da finca colocando-se em pé e segurando na ponta da mesma, fazendo-a girar após o lançamento e fincando-a ao chão em local desejado. Esse era o jogo mais difícil de todos, porque exigia uma habilidade muito grande e um controle maior ainda dos nervos. Devia ser obrigatório nas escolas, para afiar a coordenação motora das crianças, embora seja muito perigoso, porque na hora de uma raiva a finca se transformava em uma arma mortal. Faziam-se dois triângulos pequenos no chão, distantes uns sessenta centímetros a um metro um do outro e o objetivo era ir circulando a casa do adversário, de maneira tal que fosse impossível que ele saísse dali utilizando-se da finca. Quem iniciasse o jogo, jogava a finca e puxava um risco da casinha até o ponto em que ela fincou no chão. Depois jogava de novo e ia unindo os pontos, sempre circundando as duas casinhas. Davam-se tantas voltas quantas fossem possíveis, sempre o mais perto possível uma linha da outra, de forma que o adversário, quando chegasse a sua vez, tivesse que ir acertando as fincadas de maneira tal que sua linha passasse por dentro do corredor de linhas que o outro havia feito. Tanto para um como para o outro, errava quando a finca não fincava no chão ou quando a fincada não permitia que se unisse com o último ponto em linha reta, sem cruzar algumas das linhas que já haviam sido feitas pelo adversário ou por ele mesmo. Era um jogo de gente muito competente, muito craque. Ao contrário de jogos mais coletivos, em que sempre havia lugar para “os mais patos”, na finca o jogo era entre duas pessoas e, se um fosse ruim, em menos de um minuto já estava enrolado e tinha que ceder lugar a outro mais competente.

Biloca

Bilóca ou Bolinha de Gude era outra brincadeira que dominava a meninada da época. Todo garoto e muitas garotas possuíam sua lata ou capanga cheia de bolas de gude. E havia de vários modelos ou desenhos, desde as verdes, mais simples, até as olho-de-gato, com uma mancha esbranquiçada no meio que dava um charme todo especial para o possuidor, embora não ajudasse a ganhar jogo. Existiam dois jogos diferentes que utilizavam essas bolitas, como as chamávamos. Um consistia em colocar uma bolinha ao pé de uma parede, por exemplo, e ir jogando uma bolita de cada vez, a uma distância de uns 5 a 8 metros, conforme o combinado, com o intuito de acertar uma das bolitas. No começo era só uma, a inicial, mas depois elas iam se acumulando e quem acertasse uma delas levava todas. Outra maneira de jogar era fazendo cinco casinhas ou buraquinhos no chão, sendo quatro formando os vértices de um quadrado e a quinta no centro do referido polígono. Esse jogo exigia certa força no dedão da mão, porque a bolita era lançada firmando-a no indicador e dando o impulso com o dedão, para que a bola atingisse e deslocasse a do adversário, jogando-a o mais longe possível, para que ficasse difícil para o adversário encaçapar a sua bolinha na casa certa. Era um jogo de paciência. Eu não conseguia me sair bem nessa modalidade, porque tinha o dedão da mão direita destroncado. Então, nem me arriscava. Mas era uma brincadeira linda, fabulosa e só para os extremamente hábeis.

Peão

A brincadeira de Peão era uma mania cíclica. Tinha época que todo mundo jogava peão, outras épocas a febre passava, mas era uma arte também, dominada com maestria por poucos. Em nossa época, normalmente nós mesmos é quem confeccionávamos nossos peões, porque não havia disponibilidade frequente em lojas e, muitas vezes, nem grana para comprá-los. Aliás, no começo dos anos cinquenta ninguém imaginava que peão pudesse ser adquirido em lojas ou armazéns. Mais tarde é que apareceu essa mamata. A corda ou cordão era preparado com muito esmero pela gente, também, trançando-o com todo carinho e dando uma untada com cera de abelha. No começo ficava meio duro, mas depois de umas jogadas, ficava uma beleza. Os iniciantes pegavam no peão colocando-o com a ponta para baixo e o lançavam ao solo para rodopiar. Os mais iniciados já o pegavam com a ponta para cima, lançavam ao solo e depois faziam inúmeras acrobacias, puxando-o com o cordão para fazer com que rodasse na palma da mão ou no canto da unha do dedão. Era uma verdadeira lição de maestria. Outros os lançavam em direção ao chão e antes que tocassem o solo, eram puxados pelo próprio cordão de lançamento e vinham cair na mão do lançador. Mas o bom da coisa era quando começavam as disputas para ver quem rachava o peão do adversário. Um lançava o peão e o outro jogava o seu com toda força, com o intuito de acertar no cucuruto do que já estava rodando no chão, para rachá-lo ao meio e assim a disputa ia por muito tempo, até que um arrancasse uma boa lasca no peão do outro. Era a coisa mais gostosa e emocionante do mundo, mas era briga para ‘cachorro grande’, não era para qualquer pato, não.

Comonibói

E as brincadeiras de Comonibói, você sabe o que era isso? Vou explicar, começando pela razão da coisa. Antigamente nós formávamos nossos sonhos de heróis lendo gibis de faroeste, tipo Roy Rogeres, Apolon Cassyd, Zorro, e mais um monte desses heróis (cowboys) americanos com que as editoras do pós-guerra enchiam o Brasil, massificando a idéia de que o americano era o justo e vencedor, enquanto os outros eram bandidos. E nós acreditávamos piamente nisto, tanto que nosso sonho era sempre ser um cowboy americano, que era o matador dos bandidos. Quem tinha a oportunidade de ir a uma matinê de domingo nos cinemas de Iporá, podia ver algum seriado com esses artistas, mas no geral a imagem que tínhamos era forjada por revistas em quadrinhos. E a brincadeira de Comonibói era o reflexo disto. Consistia em uma luta entre bandidos e o artista, cujo objetivo era o artista prender ou matar os primeiros. Era a maior algazarra do mundo e podia durar um dia inteiro de farra da meninada, em que só se ouvia o pessoal gritar ‘pei, pei, pei…’, matando o bandido ou então gritando: comonibói, que era para prender. E prendeu, estava preso, não tinha teimosia não. Senão, era pei, pei, e o dito cujo estava morto e tinha que sair da brincadeira. Havia inúmeras variáveis dentro dessa farra, mas confesso que não me lembro de todas mais. Mas que era bom, isso era!

Brincadeira de Tarzan

Havia outras brincadeiras que eram mais restritas a ocasiões propícias, como no caso das brincadeiras de Tarzan, por exemplo. Para essas havia necessidade de uma mata, de preferência com cipó ou, na falta deste, amarrávamos uma corda no alto de uma árvore, o que nem sempre era possível, porque corda era muito caro para os padrões da época. Se tivesse um córrego por perto, então, aparecia até jacaré imaginário para o Tarzan matar. Uma das selvas mais conhecidas e disputadas da região, para essa brincadeira, era a chácara do seu Alcides, perto da Jacuba, na saída para o Caiapó. O Álvaro, o Nelcivone e o Nanimar arranjaram um capãozinho de mato com todos os requisitos necessários para nos transformarmos em reis da selva e, para completar a coisa, foram lá no seu Jerônimo Ferreiro e mandaram fazer umas pontas de lança, que colocavam em um cabo de madeira tirado por ali mesmo e, então, nos transformávamos no grande astro das selvas e da meninada.

    De repente, começávamos a dar gritos como o verdadeiro Tarzan, saltávamos de cipó e passávamos um dia de rei. Hoje, quando você olha para o Álvaro, por exemplo, com o belo físico de jogador de baralho, não consegue imaginar que ele já tenha sido Tarzan. E foi, com grito e tudo. Eu assisti. Olha, a coisa era tão verdadeira, que até hoje, tem dia que amanheço convicto de que ainda sou o Tarzan e começo a gritar que nem naquele tempo. A Sirlene já sabe que é um dia de selvagem e se manda pra longe. Que saudade da infância…

As brincadeiras imprevistas

Tinha uma turma mais malandra, mais esperta, que aprontava das suas sem que houvesse script definido. Uma vez, já de noite, fui dar umas voltas de bicicleta pela avenida principal da cidade, sob a luz paupérrima do motor que o Geraldo Rodeiro comandava, com uma lâmpada aqui, outra a cem metros de distância e uma penumbra enorme no meio. De repente, quando vou passando em frente a casa da dona Floriana, uma voz grita de lá: olha a cobra! E vem uma coisa se arrastando exatamente para onde eu ia passar com a bicicleta. Joguei a danada prum lado, levei o maior tombo e saí correndo. Depois só ouvi as risadas. E não era o merda do Zé da dona Floriana que havia amarrado um cordão comprido em um trançado que vinha com réstia de cebola e foi puxando a trança, devagarzinho, quando eu ia passando? E, na penumbra, não havia santo que dissesse que aquilo não era cobra. Filho da mãe…

    Também tínhamos que ser criativos na confecção de nossos brinquedos e uma das coisas interessantes que a gente fazia antigamente era as bolas de leite da mangaba. Não havia bolas nas lojas e, se houvessem, o poder aquisitivo da meninada daquela época era apenas para comprar um pirulito ou um picolé uma vez por mês, e olhe lá. Então, a saída era fabricar a bola. Tirava-se o leite da mangaba, espalhava-se em uma superfície limpa, normalmente uma tábua e deixava-se aquele leite secar um pouco, formando uma película pegajosa. Depois, pegava-se uma bola feita de qualquer coisa leve e ia-se enrolando aquela película de borracha de mangaba na bola, até transformá-la em uma verdadeira pelota de borracha, que saltitava doidamente nos nossos campos de futebol improvisados. E por falar em pé de mangaba, lembrei-me de outra árvore do cerrado, a lixeira, utilizada no acabamento de móveis artesanais, feitos normalmente de tábuas de caixotes que vinham com mercadorias. Eram folhas grandes, verdadeiras lixas mesmo e comuns nos cerrados da nossa região, na mesma zona em que apareciam as mangabeiras. É provável que pouca gente saiba disso, hoje em dia.

Instalações elétricas

Como Campo Limpo não tinha luz elétrica, as coisas se resolviam, muito, com pilhas de lanterna ou pilhas grandes, de rádio. Então havia alguns garotos, dentre eles eu, que montava verdadeiras parafernalhas com essas pilhas e finas pernas de fios, iluminado locais de interesse, como os quartos da gente. Eu era craque nisto. Outro que fazia miséria com esse tipo de “brinquedo’ era o Miguel do Benedito Pontes. Chegávamos a fazer cinemas. Pegávamos revistas em quadrinhos, recortávamos as cenas, pregávamos uma sob a outra, formando um ‘rolo de filme’. Depois (ou antes, não me lembro mais) pegávamos cada quadrinho daquele e recortávamos as figuras, ficando o buraco da mesma no rolo de ‘filme’. Daí era só incidir uma luz de lanterna por trás, que a figura recortada era projetada na parede, ao mesmo tempo em que alguém ia narrando as cenas. Era um espetáculo, meu caro, nas noites sem luz da Campo Limpo querida.

Pau de cocô

Agora, havia uma brincadeira que era a mais agressiva de todas, usada pelos meninos maiores. Essa era demais e só se aplicava em dias de encapetamento total. Veja como moleque, quando não tem o que fazer ou uma televisão para entretê-lo, apronta. Em noite mais escura, um espírito de porco arranjava um jeito de defecar por um canto da rua, num local próximo de onde se sabia que passava gente toda hora. Depois pegava um pedaço de pau de um metro ou mais de comprimento, passava na merda e, quando vinham passando algumas pessoas já escolhidas como vítimas, simulava-se uma briga, com uns agitando e outros querendo apartar. Os chegantes entravam, logicamente, na turma do deixa-disso e, de repente, um dos dois que estava simulando a briga pegava um pedaço de pau para dar cacetada no outro. Era justamente o pedaço de pau melado. Aí, com tudo já combinado, o adversário começava a correr com medo e gritava: você não é homem! Se você for macho mesmo, larga esse pau e vem em mim na porrada, no braço, seu via…, seu filho da… O do pau aceitava o desafio pra mostrar que era macho também e entregava o porrete para o ‘escolhido’, para sair só no braço. O coitado pegava a arma pensando que estava desarmando o valentão e, nesse instante, o sacana do falso brigador puxava o pau e a merda ficava toda na mão da vítima. Era o famoso Pau de Bosta. Essa era para fechar a noite, sair correndo e passar um mês rindo e comentando.

    Olha, deve ter mais um montão de brincadeiras daquele tempo que não relacionei aqui. Sei que tem gente que, ao ler, vai dizer: faltou aquela; e aquela outra também. Não falou da principal, que era a tal assim-assim.
Tem toda razão. Esqueci mesmo!

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