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Iporalidades: a máquina de arroz da família Gonçalves (Parte 1)

Quem construiu Tebas, a cidade das sete portas? Nos livros estão nomes de reis; os reis carregaram pedras? E Babilônia, tantas vezes destruída, quem a reconstruía sempre? (Bertold Brecht)

Educar a nossa atenção e os sentidos a fim de conhecer a riqueza e os dilemas diários das pessoas comuns é um caminho que nos ajuda a responder às carências de orientação temporal no presente, como ensinam os historiadores. Por isso, dedicar atenção à prosa do outro, compreender suas impressões da realidade, aspirações e, especialmente, suas memórias, nos ajuda a iluminar experiências históricas e socais populares que escapam às narrativas de grandes nomes e dos incensados vultos políticos do passado.

Movido por esse propósito, tenho me dedicado a pensar a experiência histórica e sociológica tecida a partir de vivências cotidianas dos vários “Iporás” que coexistem e colidem em uma mesma cidade e que só podem ser conhecidos pela oralidade. A esse projeto, confiro o título provisório de Iporalidades. Meu propósito é lançar luz sobre as poéticas sociais que permeiam a vida corriqueira das pessoas, dos trabalhadores que construíram essa cidade.

Com gravador em mãos, procurei, há alguns meses, a Cerealista Gonçalves, uma das últimas ativas em Iporá. Meu propósito era compreender a trajetória temporal da maquinaria, seu tenaz lugar na história local, a continuidade desse empreendimento que continua estrangeira entre nós, por razões menos óbvias do que a mera obsolescência. O estabelecimento fica nas proximidades do hospital municipal e é gerenciado por Divino Gonçalves, dono das memórias que compartilho com o leitor.

Ao ouvir o senhor Divino Gonçalves, o simpático administrador da cerealista há mais de três décadas, aprendi sobre a relevância do maquinário de beneficiar arroz, durante seus mais de 50 anos de existência. Em pouco mais de uma hora de prosa, Divino, que estava acompanhado por seu sobrinho e colaborador, Nando, comentou sobre a inteligência comercial dos pais, sobre a importância da máquina de arroz para a criação dos filhos, sobre a curiosidade que a máquina ainda provoca e sobre seu funcionamento.

A Cerealista Gonçalves foi criada pelos pais de Divino, Floriano Gonçalves da Silva e Geni Umbelina de Jesus, na década de 1970. O entrevistado não precisou o ano, mas disse que os pais deixaram a propriedade rural de seu avô paterno, Ananias Gonçalves, localizada na cercania de Jacinópolis, há mais ou menos meio século. Dona Geni, uma senhora ainda forte, foi quem teve a ideia e, até hoje, é de fato a proprietária na cerealista administrada pelo filho. Senhor Floriano e dona Geni não vivem mais juntos.
A família deu tudo o que tinha, incluindo a primeira colheita de roça tocada pelos jovens filhos, para iniciar a vida nova na cidade. O casal adquiriu a máquina de beneficiamento do antigo dono, sobre o qual Divino não sabia informar muito. Ela foi pouco usada antes da aquisição pela família Gonçalves. Sua origem é a cidade paulista de Limeira, polo de produção desse tipo maquinário desde os anos de 1920 e vizinha de Piracicaba, terra natal do engenheiro mecânico Evaristo Conrado Engelberg (1853-1932), o criador da versão nacional da máquina de arroz no final do século XIX. Máquinas semelhantes a de Divino apareceram lá fora na segunda metade dos oitocentos, na Inglaterra, nos EUA e no Japão, frutos da Revolução Industrial que mudou definitivamente o curso do mundo.

Segundo Divino, no início, o empreendimento começou a funcionar em uma “ponta de rua, fora do comércio local”, ou seja, em uma região distante do centro da cidade, na saída para Diorama. À época, lembra o entrevistado, o atual Colégio Estadual Osório Raimundo de Lima era apenas um campo de futebol de terra, as casas eram poucas e esparsas. Nas décadas 1970 e 1980, as imediações da cerealista eram movimentadas pelas carroças dos pequenos produtores. Seus donos vinham das propriedades de plantadores das regiões do Mutum, do Rio dos Bois e de Santo Antônio a fim de beneficiar o arroz e realizar outras transações que poderiam atender às necessidades das famílias urbanas.

O produtor rural que procurava os serviços da cerealista, lembra Divino, aproveitava para fazer compras em estabelecimentos da cidade. Divino ilustra essa experiência dizendo ser comum que os sujeitos do campo trouxessem da roça os cachos de banana e frangos que deveriam ser vendidos na cidade durante o período em que o arroz era limpo. O produtor aproveitava ainda para comprar açúcar e outras coisas que não produzia em sua propriedade, testemunha Divino. No final da tarde, o produtor retornava até a cerealista para pegar seu arroz e voltar para o campo. Nesse sentido, a cerealista era um espaço que sobrepunha o urbano e o rural.

Com a consolidação do empreendimento, clientes de outras regiões também passaram a frequentar a cerealista. Amiúde, o excedente do arroz produzido no campo, que naquela época era cultivado especialmente com fins de subsistência, era comprado e depois revendido pela família de Divino. Ele nos contou que, assim como no supermercado hoje, tipos distintos de arroz eram ofertados, não sendo raro aqueles tidos por “menos nobres”, presentes nas mesas das famílias mais pobres. Essas famílias esquecidas, desaparecem de certa consciência histórica – e política – que até hoje ignora a vida severa de muitos iporaenses.

Pesquisa e texto do professor João Paulo Silveira, Doutor em Sociologia (UFG), Professor do Curso de História da UEG, Câmpus Iporá e do Programa de Pós-graduação em História do Câmpus Morrinhos. Membro do Núcleo de Estudos da Religião Carlos Rodrigues Brandão – FCS-UFG.

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