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Lembrança da dança grudadinha e do bar do Nenem Mumbuca


Amorinópolis tinha a Mana, líder de uma geração de jovens. Tinha jovens que apresentavam peças de teatro. Enfim, tanta coisa descrita pelo Paulo Afonso Ribeiro Barbosa. Ele lembra também dos primeiros médicos da cidade: Dr. Júlio e Dr. Sunau Furukawa.

Vamos lembrar da AMORINÓPOLIS NA METADE DO SÉCULO PASSADO em mais páginas do livro que foi recentmente lançado:

Hospital

Para falar sobre os hospitais, há necessidade de nos reportarmos ao primeiro médico da região, depois ao primeiro hospital, que foi em Iporá, ao primeiro médico que morou em Campo Limpo e, ainda, ao hospital de Amorinópolis.

 

O primeiro médico da região, de que tenho informação, foi o Dr. Júlio. Parece que iniciou suas atividades como funcionário do governo federal na década de quarenta, mas não havia hospital ainda na região. Atendia nas casas das pessoas, porque não havia hospital nem em Campo Limpo e nem em Iporá. O socorro hospitalar mais próximo era em Rio Verde. Dr. Júlio faleceu não faz muito tempo. Só por volta de 1957-58 é que o assunto hospital começou a tomar corpo na nossa região, e veio justamente dos lados de Rio Verde. Havia um casal naquela cidade, de nomes Jesuíno Veloso do Carmo e Iolanda Leão Veloso, que tinha um filho que fazia medicina em Belo Horizonte. Nessa época, nós já morávamos em Campo Limpo e o casal a que me refiro, coincidentemente havia criado a minha mãe. Dindim Jesuíno – era assim que o chamávamos, porque era padrinho de minha irmã mais velha – vez por outra dava uma chegada por lá, porque, além de fazendeiro, era um grande cerealista em Rio Verde e se interessava pela produção de grãos da região. Como era uma pessoa de grande visão para oportunidades de negócios, percebeu logo que ali haveria grandes perspectivas de desenvolvimento e poderia ser ideal para montar um hospital onde seu filho, Humberto Leão Veloso, que ainda era estudante na época, pudesse atuar.

Botou a idéia na cabeça e partiu para buscar os meios que viabilizassem o empreendimento, já que envolvia muito dinheiro. Organizou, então, uma campanha regional para angariar fundos, tendo como lema principal o fato de que seria um benefício muito grande para todos. Meu pai participou ativamente desta campanha, conseguindo, com os colonos da região, muitos sacos de cereais, principalmente de café, que foram vendidos para a aquisição de uma pensão velha que existia no fim da rua Esmerindo Pereira (que não tinha esse nome ainda), lá em Iporá, exatamente na mesma esquina onde está até hoje o Hospital Evangélico. Daí a menos de um ano, o hospital começou a funcionar. Naquela época o centro de Iporá era na praça da matriz, com a igreja católica no meio da praça, exatamente onde está a rodoviária hoje. A pensão velha, que seria transformada em hospital, era no fim da cidade. Depois dali, só havia o cabaré da Faustina, um pouco mais acima. O resto era puro cerrado.

Então foi providenciada a reforma do prédio, para se adequar às novas funções, e logo chegaram os dois primeiros médicos: os doutores Paulo Pinto e Ademar. Um ano depois veio o Dr. Suahil Haal, cunhado do dindim Jesuíno, pessoa muito competente, comunicativa e, também, muito dinâmica. Sua passagem por Iporá consolidou o empreendimento. Quando o Humberto chegou, o hospital já estava funcionando a todo vapor, para os padrões da época. E o povo da região de Campo Limpo tem um mérito grande na consolidação desse empreendimento. E isso foi, de certa forma, reconhecido. Por um bom período, ia um médico toda semana atender lá em Campo Limpo, utilizando o laboratório da farmácia de meu pai como consultório.
O primeiro médico a morar em Amorinópolis, já no fim da década de sessenta, se chamava Dr. Sunau Furukawa, um japonês já velho e muito competente, que não podia exercer a profissão em cidades maiores, porque não tinha o diploma reconhecido no Brasil. Morava e tinha o consultório no hotel do seu Evaristo, onde chegou a fazer pequenas cirurgias e até punção no pulmão de um rapaz que havia sido desenganado em outra cidade, salvando-lhe a vida. Sumiu o doutor Sunau. Acho que foi para Goiânia, onde morava a família dele. Já deve ter falecido há muito tempo, porque era bem velhinho quando morou em Amorinópolis. Mas foi um sucesso a passagem dele por lá.

Já na década de setenta, foi inaugurado o tão esperado hospital de Amorinópolis, na gestão do Antônio Barros.        Foi uma alegria, porque era um anseio antigo da população. Os tempos de Campo Limpo já haviam ficado para trás. Agora já havia, inclusive, energia elétrica. Construíram um prédio lá em cima, na saída para Rio Verde, mais ou menos na altura de onde era o armazém do Giovani. Melhor que o prédio do hospital, propriamente dito, foi a equipe de médicos que o Antônio conseguiu para trabalhar nele. Foram, de uma só vez, uns sete médicos recém-especialistas, oriundos da faculdade de Belo Horizonte. Eram os seguintes: o cardiologista Credival Silva Carvalho e sua esposa Raquel (anestesista); o urologista Dixon Carneiro Amorim; o ginecologista Altino Edgar Ramos Melo; os pediatras Ciro Caixeta Franco e Dr. Júnior e, ainda, o competente cirurgião Samuel Silva. Foi então, meu caro, um verdadeiro show. Ninguém mais precisava sair de Amorinópolis para procurar médico. Aqueles dez a vinte por cento da clientela dos hospitais de Iporá, que era o que Amorinópolis devia representar para eles, deixaram de ir para lá. Não havia mais necessidade. E a coisa começou a inverter. Com a fama dos médicos de Amorinópolis, começou foi a ir gente de Iporá para se tratar na terrinha. Não sei os números corretos, mas deve ter sido um baque financeiro pra eles. E um alívio grande para a população de Amorinópolis, que aguardou muitos e muitos anos por esse momento.
 
CAPÍTULO II
QUE TRATA DA HISTÓRIA DO
POVO AMORINOPOLINO ANTIGO, DAS FESTAS E DAS TRADIÇÕES DAQUELE TEMPO
OS JOVENS

Nos anos cinquenta, o local de encontro para diversão era sempre em um dos bares, principalmente o do Neném Mumbuca ou o do Fiicão. Era onde havia luz elétrica e gente é como mariposa em noite escura: onde aparece uma luz, o pessoal se agrupa para um bate papo ou, quem sabe, uma paquera. Já nos anos sessenta, o ponto de encontro da rapaziada era na casa da Mana, uma figura espetacular. Morava junto com a mãe, dona Alzira, e com a tia “Véía”. Era na casa dela que rolavam uns bailezinhos improvisados, ao som da radiola Philips, a pilha, de cor cinza, que ela possuía. Era lá que curtíamos as paixões não correspondidas, ao som bem alto do Vicente Celestino. Era lá, também, que ficávamos batendo papo até a luz do motor apagar, quando tinha luz, para podermos sair nas serenatas memoráveis, em que ficávamos aguardando que lá de dentro da casa soassem palmas, que significavam o pedido de mais uma música, ou uma voz dizendo: obrigado. Era para parar. Aliás, obrigado digo eu hoje à Mana, por nos ter proporcionado essas lembranças. Ela foi a líder de uma geração de jovens. Fizemos muitas farras juntos, mas também vários empreendimentos. Lembro-me da quadra de esportes que fizemos e do dia que ele chegou de Goiânia com as traves de cano, no ônibus do Maia, trazendo junto um maço de Hollywood com filtro. Foram duas grandes novidades. Recordo-me, também, das peças de teatro que ensaiávamos por várias semanas e depois saíamos pela cidade num jipe velho, com um funil de lata tipo alto falante, parecendo propaganda de circo, convidando as pessoas para assistirem ao grande espetáculo. Antes disto, lembro-me das penitências que fazíamos para pedir chuva, com a meninada atrás de você, carregando uma lata d’água na cabeça para derramar no pé do cruzeiro que havia em frente a igreja católica. E de seu carrinho de pipocas, que estacionava na praça à noite, para ajudar nas despesas da casa. Colocava junto a Celma, filha da Zefa e do Júlio, que ficava cantando para atrair fregueses. E sua barraca nas festas de julho? Era até covardia, porque ia todo mundo fazer ponto nela, antes de começar o baile do rancho alegre. Como tenho saudades daquele tempo!

Por falar na quadra de esportes, a idéia desta primeira quadra surgiu numa noite, na esquina da Casa Barbosa, no primeiro ano de funcionamento do Ginásio na cidade. Isso era, mais ou menos, em sessenta e seis, sessenta e sete. Eu estudava fora e já estava de férias. Então ficava esperando a turma terminar a última aula, lá pelas onze da noite, para bater papo. Chegaram o Nino, o Walter do seu Vergílio, o João Doutor, a Mana, acho que o Levi, o Orestes, o Zé Lázaro e mais algumas outras pessoas, com a conversa de fazer uma quadra de Vôlei e Futebol de Salão. O Walter e o Nino eram os mais sonhadores. Achei aquilo impossível para nosso bico. Nem Iporá tinha ainda. Mas a coisa foi tomando corpo, fizemos uma lista para pedirmos tijolos e cimento, arranjamos caminhão para buscar areia na Santa Marta, que nós mesmos carregávamos, e daí a um ano a coisa ficou pronta, graças, sobretudo, ao prestígio e ao arrojo da Mana e, ainda, à contribuição de pessoas como o seu Leopoldino, seu Olímpio, seu Quindô, Gildásio, meu pai e mais um punhado de gente que deu material para a obra. E não é que a danada da quadra, depois de um ano, ficou pronta mesmo? “Eta nóis”!

Agora, e os bailes que promovíamos nos fins de semana? Ou era em um salão de festas ou na casa de algum colega, mas eram espetaculares. Eu sei bem disso, porque adorava essas festinhas. E acho que eu era meio avançado para os padrões da época, porque sempre que me encontro com alguém daquele tempo, principalmente os que eram um pouco mais novos, os comentários sobre minhas danças com a Sirlene, sempre grudadinhos e passando meia hora sem sair do lugar, são irônicos e acompanhados de uma risadinha meio safada, com ar de que todo mundo ficava de olho. Ô povo ‘zoiúdo’, sô! Olha: se quiserem saber como é hoje, posso dizer que continuamos do mesmo jeito… Só que, logicamente, com um pouco mais de liberdade, com mais exclusividade e com um final mais feliz. Lembro-me muito pouco da fase em que o ginásio começou a funcionar, com o salão de festas do Grêmio, onde era o antigo Armazém Boa Sorte, passando a ser a atração. Já não vivia mais ali, motivo pelo qual não vou citar nada desta época, certamente para decepção de muitas pessoas. Mas fica aí a oportunidade para alguém dessa época continuar a contar as histórias do Amorinópolis antigo.

E as nossas praias? Claro que Amorinópolis também tinha praias, nos famosos balneários do poção da Santa Marta, na saída antiga para Ivolândia ou, então, no Bambuzinho, na saída para o Caiapó. O poção da Santa Marta era maior, mais agradável, com uma cachoeirinha muito gostosa e dava para namorar melhor também. Tenho boas fotografias desse local, feitas na década de sessenta, com uma máquina Kodak tipo caixote, em que a gente olhava para baixo para focar a vítima, que aparecia no pequeno visor de cabeça para baixo. Lembra dessas máquinas? Já o Bambuzinho foi um represamento da Jacuba perto da ponte do Pereirinha, feito pelo Nino e pelo Walter do seu Vergílio. Colocaram ali do lado um quiosque de bambu – daí o nome do local –, uma geladeira e vendiam bebidas geladas. Foi um sucesso, com a moçada toda se deslocando para lá nos fins de semana, já que era bem perto da cidade. Pena que tenha durado pouco tempo.

Nos divertíamos muito, também, com o futebol, jogando bola ou participando das torcidas organizadas. Era um local de arranjar namorada, também. Garoto novo, bom de bola, era disputado pelas meninas. E dava até confusão, quando alguma garota se apossava de algum objeto do craque, tipo a camiseta ou um boné, porque despertava ciúme nas outras. Quando fizemos a quadra de esportes, começaram as partidas de vôlei, que atraíam jovens e adultos, também. O Zé Maurício, que já não era tão jovem mais, era viciado neste jogo e um craque de bola. Os jogos de futebol de salão passaram a atrair centenas de pessoas e se tornaram uma diversão nova.

Lembro-me que uma coisa ‘sagrada’ para os jovens, ou para alguns grupos deles, era o sábado da aleluia. A gente se preparava o ano todo para esse grande dia, que consistia em roubar umas galinhas em alguma casa pré-selecionada e, depois, preparar a galinhada ou a farofa em um local bem escondido, para não deixar pistas. Mas, teoricamente, tudo só podia ser feito depois da meia noite de sexta feira santa para sábado, porque antes era pecado. Numa dessas, nos reunimos na casa do João Doutor. O Mário irmão do Tatão, acho que o Nestali estava junto, o Levi Monção também, o safado do João Boróro e não sei mais quem, se encarregaram de roubar as galinhas. Mas eles fizeram isto muito cedo e, lá pelas dez da noite, o crime já estava consumado. E haja agonia para chegar a meia noite. Roubar as galinhas antes do horário permitido, até que se tolerava, mas assassiná-las antes da meia noite de sexta feira da paixão, ninguém tinha coragem de se arriscar. Daí, o tempo ia passando e a agonia ia aumentando. Abriu-se exceção para uma cervejinha, para uma ou outra dose de pinga, mas matar as galinhas, ninguém tinha coragem. Foi então que surgiu a idéia maravilhosa e sábia, não sei mais de quem: vamos adiantar o relógio e a o problema estará resolvido. Dito e feito. Quem tinha relógio colocou os ponteiros em meia noite, torcemos os pescoços das galinhas, depenamos em água fervendo, fizemos todo o ritual de consciência limpa e lá por ‘uma hora da madrugada’, em nossos relógios, começamos a comer a galinhada, já com quase todo mundo de fogo.

E assim levávamos a nossa vida de jovens na Amorinópolis da metade do século passado. Hoje, já com mais de sessenta anos, morro de rir desses fatos e, é lógico, com muita saudade.

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