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Lembrando dos serradores, dos barbeiros e retratistas


Quanta saudade no peito do Paulo Afonso, autor do livro sobre a Amorinópolis da metade do século passado. Mais leitura. É hora de lembrar da serraria do grego, dos açougues do Zé Lelé e do Chiquinho Piauí, da barbearia do Benedito Pontes, hora de recordar o Luiz Retratista e o Gumercino, que foi o primeiro agrimensor em Amorinópolis.

Vamos à leitura:

Serrarias

No começo dos anos cinquenta, o que se via muito eram estaleiros preparados para serrar madeira com gurpião. Não sei se o nome correto é esse, mas era assim que conhecíamos uma enorme serra manual, de uns dois a três metros de comprimento, com cabo de madeira nas duas extremidades e que era operada por duas pessoas. A tora de madeira era colocada em uma plataforma alta e os dois operadores começavam a serrar, ficando um acima e outro abaixo da tora. A coisa era muito primitiva, mas funcionava bem, para uma região que não dispunha de energia elétrica. Mas logo apareceram as serrarias movidas a motor diesel ou a vapor, lá pelos anos sessenta. Uma das mais famosas foi a serraria do Grego, tocada a locomove (era o nome que falávamos, mas não sei se é o correto), uma espécie de caldeira a vapor. Ele já comprou essa serraria de outra pessoa, de que não me lembro mais o nome. Era tocada a lenha, ou a restos de madeira serrada ou, ainda, a pó de madeira da serraria e era o maior sucesso. Em horários pré-determinados, soltava um apito que era ouvido na cidade toda, como apito de trem de ferro. E trabalhava sem parar, fornecendo madeira serrada paras as construções da região e para os currais.

Açougues

Como em todo lugar, os açougueiros eram imprescindíveis e eles, naquela época, se espalhavam por todo lado. Um dos mais famosos era o Zé Lelé, marido da dona Malvina e pai do Alípio, do Nogueira, da Lurdes e de mais outros garotos, que funcionava quase de frente ao atual prédio da prefeitura. Era de carne de vaca. Perto dele tinha outro, de porco, do Chiquinho Piauí, acho que em sociedade com o Quindô. Logo depois o Quindô se casou com dona Abadia, da família dos Gouveia, que já tinha suas posses e, com muita inteligência e trabalho, multiplicou por várias vezes esta riqueza, não querendo mais mexer com açougue, é claro.

 

Tinha, também, o açougue do seu Antônio Lino; o do Zé Lopes, que continuou na ativa até há pouco tempo e, já nos anos sessenta, outro de porco do seu Etelvino Junqueira. Tinha, ainda o do Zé Baduca, lá em cima, na saída para Rio Verde. Todos eles usavam, além das facas afiadíssimas, um instrumento de trabalho que não se vê mais hoje. Tratava-se de um chucho de ferro de uns trinta centímetros de comprimento, com a ponta achatada e afiada, possuindo um buraco a atravessá-la. O açougueiro cortava o pedaço de carne que a gente queria, pesava e, depois, trespassava o chucho de um lado a outro dela, enfiava um cordão de algodão pelo buraco que havia na ponta e puxava para trás, trazendo junto o pedaço do cordão. Fazia uma argola, dava um nó, e estava pronto para a pessoa enfiar o dedo e carregar para casa. Hoje em dia acabou esta graça. Só existem as sacolas de plástico, poluindo meio mundo.

Barbearias

Elas sempre existem em toda cidade ou povoado, mais sofisticadas ou mais simples. Para cortar o cabelo lá em Amorinópolis, na metade do século passado, o melhor era com o Benedito Pontes, na casa onde funcionava o armazém da dona Euráides, mais conhecida como dona Orádia, casada com o seu Manoelzinho, exímio caçador de perdizes. Além da tesoura, ele usava, também, uma máquina de cortar o pé do cabelo, que era manual, diferente das elétricas de hoje. Acionava-se o cabo, como se faz com tesoura e uma mola voltava um dos cabos para trás, permitindo que a operação fosse repetida automaticamente, quantas vezes se quisesse. Feito o serviço mais grosso, passava-se uma espuma na costeleta e na nuca e dava-se o acabamento com uma navalha, que era afiada em um pedaço de madeira coberto por um couro. Em seguida entrava-se com uma porção de Aqua Velva, para fechar os poros, e estava pronto o serviço.

Por volta de cinquenta e seis, cinquenta e oito, o Benedito, além de cortar cabelo, criou um programa de alto-falante num quiosquinho de madeira no canto de cima da praça, ali de frente onde é hoje a igreja dos pentecostes. O nome do programa era Calouros em desfile, ou algo parecido. A meninada se juntava lá à noite, nos fins de semana, para cantar no microfone do Bené. A estrela maior, lembro-me bem, era a Divininha do seu Carrim, aquele que foi gerente da Casa Barbosa, depois que o Gildásio saiu. Mais tarde, o Bené virou consertador de rádio, também, ou radiotécnico, como gostava de ser chamado. Mais pra frente um pouco, soltou os dotes e virou guitarrista da banda de música do Zé Barbosa, em Iporá. Era danado, o Bené, marido da Zuca, pai do Miguel – laboratorista do Hospital Evangélico –, do Donizete – locutor de rádio –, da Alba e de outros que não me lembro mais do nome.

Havia outro barbeiro também, conhecido como Tuim Barbeiro que, além de cortar cabelo, vendia jogo do bicho e até chegou a ser delegado de polícia. Havia, ainda, o Antonim Barbeiro. Ele era parente do seu Evaristo Junqueira e tinha barbearia ali perto da casa do Dozim Sanfoneiro. Na saída para Rio Verde, lá pros lados do armazém do Sebastiãozinho Três Dedos, tinha outro barbeiro que se chamava Zé Luís. Mais recentes apareceram o Luís Nicoláu e o Jair Barbeiro. Aliás, mais recentes uma vírgula. São da década de sessenta também.

O Luiz Nicoláu era um barbeiro muito concorrido também. Era casado com a dona Tita e pai da Lieci – que se casou com o Nestali do seu Álvaro Sabino e que moram em Palmeiras de Goiás, hoje –; do Gê – casado com uma irmã do José Américo do Bradesco –; do Ailto, do Valtuir, do Joãozinho, do Mazinho, do Divino e da Divina – que se casou com o Tijóve. Era filho pra danar. Esse pessoal era parente do Nego Batista, me parece que a dona Tita era irmã dele. O Jair, outro barbeiro famoso, ainda mora em Amorinópolis, na casa que foi do Zezim Diógenes e que, antes disso, havia sido do Joãozinho Perna Torta. Fica exatamente em frente à casa em que morávamos. É casado com a Laura irmã da Diná e tiveram três filhos de nomes Adivalci, Valkler e Valbinho. A Adivalci casou-se ainda novinha e foi morar em Rio Verde. Era uma loirinha linda. Meu filho Ricardo, quando tinha uns três aninhos, apaixonou-se por ela e a gente morria de rir. Parece que o Jair continua exercendo a profissão até hoje. Ele e a Laura continuam aquelas pessoas muito simpáticas e agradáveis.

Fotógrafos

O fotógrafos, nos tempos antigos, eram mais aqueles ambulantes, que passavam vez por outra nas fazendas pegando serviços, principalmente quadros de fotografias antigas para reproduzir, retocar, ampliar e colocar em molduras. Mas lá em Campo Limpo a coisa já era mais evoluída, porque tinha um excelente fotógrafo que morava na cidade, de nome Luís Retratista, da família dos Machado. Era irmão do seu João Machado. Para tirar fotografias, ou era ele ou, então, ele. Possuía uma câmara tipo lambe-lambe, que assentava em cima de um tripé, enfiava a cabeça dentro de um pano preto e ficava armando o disparo por uns cinco minutos. Quando a gente pensava que estava tudo pronto, lá vinha seu Luís consertar a cabeça de alguém, que estava torta, e começar tudo de novo. O filme não era filme. Era uma placa de vidro com uma película escura, me parece que de cloreto ou nitrato de prata, em que a cena ficava gravada. Cada fotografia era uma placa dessas. Para a meninada, tomar banho mais cedo, colocar roupa nova e posar para as fotos, era um sacrifício danado. Além disso, era mais de hora para terminar a seção e, pior ainda, não podia rir na hora. Só isso já matava a gente. Parece que seu Luís morreu assassinado na maior covardia. Tem uma filha dele, a Maria, casada com o Morbeck, ex-professor do ginásio de Amorinópolis, que me parece ter continuado a profissão do pai, só que com máquinas bem mais modernas, é claro. Entretanto, ouvi dizer que estão morando nos Estados Unidos, agora.


Agrimensor

E regiões de formação de fazendas, como era Campo Limpo nos anos cinquenta do século passado, agrimensor era uma figura imprescindível. Em Campo Limpo também havia um, de nome Gumercino. Ele era já de idade, quando o conheci. Morava na rua que passava ao lado do armazém da dona Euráides, lá mais ou menos de frente onde morou o Chico Carrinho. Gostava de ler uns livrinhos de bolso, com aquelas histórias de faroeste. Era uma pessoa fabulosa. Tinha umas filhas muito bonitas. Vez por outra a gente ia brincar de mão-direita-está-vaga na casa dele, só para dar umas paqueradinhas com as meninas. Olha, é uma família que tenho vontade de reencontrar. Seu Gumercino já deve ter falecido há muito tempo, mas as filhas devem estar por aí ainda, me parece que em Brasília, já me disseram isto.

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