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Os tipos diferentes que existiam e as festas populares


O texto apresentado esta semana fala sobre o Paulista, a Elvira, o Sebastião Doido, o Benedito cego, a dona Maria doida e sobre a dupla Abel e Zezé, que marcaram as lembranças daqueles que viveram em Amorinópolis na metade do século passado. As festas de casamento, as festas da padroeira, as festas dos pentecostes e as corridas de cavalo, completam, com emoção, estas lembranças do passado.

OS TIPOS DIFERENTES

 

Em Campo Limpo havia uns tipos de pessoas que ficaram marcadas em minhas lembranças, sobretudo por serem diferentes. Lembro-me bem do Benedito Cego, que pedia esmolas na rua, guiado por um garoto conhecido como Preto do Cego. O Benedito Cego era meio nervoso e xingador. O pessoal dizia que o dinheiro que ganhava era para tomar cachaça com a mulher, conhecida, como não poderia deixar de ser, por Preta do Cego. Uma vez o Preto do Cego roubou alguma coisa não sei de quem, e o Tuim Barbeiro, que era delegado na época, raspou a cabeça do garoto e o fez ir de casa em casa falar que estava daquele jeito porque tinha roubado e que não iria fazer isso nunca mais. Que maldade com o moleque! Ninguém pensou, por exemplo, em comprar um uniforme para ele e matriculá-lo na escola, como se fazia com as outras crianças. O importante era mantê-lo afastado dos meninos de bem. Tá vendo como de lá para cá as coisas não mudaram muito? Sumiram o Cego, a Preta e o Preto do Cego. Nunca mais ouvi falar neles. Mas também já tem mais de trinta anos que me afastei dali…

Havia dois irmãos muito engraçados lá em Campo Limpo, que ainda viveram por um bom período nos tempos de Amorinópolis: eram o Abel e o Zezé. Formavam uma dupla toda enfeitada, de paletó e gravata, com violinhas debaixo do braço, e saíam pela rua de porta em porta, comendo nas casas por onde passavam, ganhando presentes. De vez em quando algum menino mexia com eles e o Abel virava uma fera, xingando em uma linguagem que só ele entendia.

O João Leão era mestre em passar raiva neles também e virava a maior confusão naquele pedaço de rua em frente a Lindoya. Aliás, a linguagem deles era muito engraçada. Café era ‘parré’, filho da p… era… Bem, deixa pra lá. E o repertório ia por aí afora. O Abel morreu. O Zezé, não sei se ainda está vivo.

Lembra do Paulista, que morava no Hotel Junqueira? Era baixinho, moreno bem escuro, descendente de escravos, e sempre bem humorado. Havia sido pajem do seu Evaristo Junqueira, que depois passou a cuidar dele. E olha que seu Evaristo havia nascido em 1899. O Paulista devia ser de 1880, mais ou menos. Tinha o hábito de chegar por trás das pessoas, enfiar-lhes os dedos nas costelas e gritar: cuíííque!. A pessoa levava o maior susto. Ele saía com uns sacos nas costas procurando palhas de milho para que seu Etelvino, que tinha um açougue ali em frente onde era a Lindoya, sapecasse os porcos que matava. O Paulista saía arrastando os pés descalços e de unhas enormes, que por sinal nunca haviam visto calçados, num ritmo bem lento, passando a manhã ou a tarde toda na rua, só retornando ao hotel para tomar as refeições e dormir. Naquela época, quase todo mundo tinha chiqueiro de porcos no quintal e um paiol de milho. O Paulista ia de casa em casa pedir as palhas de milho que sobravam. Às vezes sua ocupação era juntar lenha na porta do hotel Junqueira, para empilhar no depósito certo, já que naquela época, praticamente todo mundo só cozinhava em fogão de lenha.

Lembro-me de outra pessoa que também marcou época nos anos cinquenta: O Bastião Doido. Era um negrão forte, que o pessoal colocava para ajudar a carregar os caminhões de cereais, mas que toda hora dava umas crises e começava a se sacudir ou a tremer todo, falando palavras indecifráveis. O Bastião Doido dormia lá no paiol da casa do seu Nenzico, genro do seu Evaristo Junqueira e pai de minha esposa.

Tinha, ainda, outro tipo engraçado, de nome Zé Dias, que morava na fazenda do Zuza Branco, aquele que foi candidato a prefeito, tendo perdido a eleição para o Nino da Freuza. O Zé Dias era um negrão magro e alto, que tinha tido um problema de queimadura na altura do pescoço e, em conseqüência disto, ficou com a pele do queixo emendada com a do peito, deixando-o todo esquisito, de boca aberta e com a fala atrapalhada. Era uma mistura de engraçado com meio-pirado. Se se quisesse fazer raiva em uma moça daquela época, era só falar para ir namorar o Zé Dias. Não sei que fim ele levou, mas, certamente, deve ter acompanhado a família de seu Zuza, que se mudou para os lados do Rio Verde.

E a dona Maria Doida, lembra dela? Dona Maria falava esparolado e saía conversando alto nas ruas lá pela meia noite. Eu morria de medo. Enfiava a cabeça debaixo da colcha e do travesseiro e gelava todo. Vez por outra ela ia para a igreja católica e começava a tocar o sino de madrugada. Diziam que ela estava “espritada”. Uma vez a dona Sudara e o esposo dela, seu João Damascena, que moravam numa casa na praça e que eram espíritas, fizeram um trabalho de passes com ela e a dona Maria ficou normal por um bom tempo. Mas que me passou muito medo, isto ela passou.

Estou me lembrando, também, que já nos anos setenta ou oitenta, havia um casal de irmãos meio bobos, filhos de dona Abadia que morava lá pros lados do campo de futebol. Acho que se chamavam, ou ainda se chamam, Pedro e Maria. Saíam para o mato com um carrinho de boi puxado pelo Pedro, para catar lenha. Cansei de vê-los pelas estradas afora, longe da cidade, com o carro abarrotado, o Pedro quase se acabando para puxá-lo e abrindo aquele sorriso para quem passasse, como se aquilo fosse a maior realização da vida dele.

Contemporânea do Pedro e da Maria tinha a Elvira, que era fraca da cabeça, mas que se dava bem com a população, de um modo geral. Era oriunda de Iporá, mas terminou ficando por Amorinópolis. Gostava de levar e trazer recados de pessoas de uma cidade para outra. Quando minha irmã lecionava em Iporá, todo dia a Elvira levava notícias dela para minha mãe. Ficou muito minha amiga e, na hora de meu casamento, ela se vestiu de noiva e entrou conosco na igreja, como se fosse nossa madrinha. Ela jurava que era madrinha de verdade. E nós confirmávamos, sempre.

Mais tarde chegaram a construir uma casa para ela lá para os lados do campo de futebol. A Margarida do Tito é quem cuidava mais da Elvira, dando-lhe roupas, cuidando de sua saúde. Era uma atenção muito bonita que a Margarida lhe dava. Infelizmente a Elvira morreu atropelada por um caminhão, quando saía correndo de um armazém lá em cima, na saída para Rio Verde.

AS FESTAS DE CASAMENTO

É muito interessante recordar das festas de casamento da metade do século passado. Era imprescindível que fossem acompanhadas de muita fartura, latas e latas de biscoitos e bolachas caseiros, preparados com quase um mês de antecedência, muita comida, tachadas de macarrão puro ou com frango, tachadas de carne frita ou de almôndega, enormes panelas de ferro com arroz puro ou com guariroba, muito doce de leite, de mamão ralado ou picado, de figo, de ovos ou ovos com queijo, bananada e mais um monte de guloseimas. Quando o casamento era na fazenda, aí o ‘sacrifício’ era melhor ainda. Nesses casos, quase sempre ia uma caravana enorme a cavalo, acompanhando os noivos, até o cartório, na cidade. Entravam festivamente, muitas vezes com foguetes, deixando para trás aquele poeirão danado, até chegar ao cartório. Não havia carros e, muito menos, estradas que os carros pudessem trafegar. Apenas as trilhas cavaleiras ou os caminhos de carros de bois, que aceitavam, no máximo, bicicletas.     
Terminado o casamento no cartório, a festa já começava por ali, antes de voltarem para a fazenda. Os homens aproveitavam para calibrar as tensões com uma cervejinha ou umas doses de pinga Saci, os meninos iam no embalo e esfriavam o calor com um picolé. Os foguetes pipocavam para todo lado. Em seguida, voltava todo mundo para a fazenda, quando a festa começava de verdade. O arrasta-pé ia até o outro dia. Era um verdadeiro espetáculo a entrada e saída de uma comitiva dessas na cidade. Havia algumas que contavam com quarenta, cinquenta cavaleiros.

O poder aquisitivo das pessoas era, muitas vezes, demonstrado nessa hora, através das arreatas dos cavalos, com peitoral de alpaca enfeitando as mulas, esporas de roseta de oito centímetros; alforje de couro na garupa, por baixo de uma capa Ideal; chapéu de massa na cabeça, de preferência da marca Bantan-Ramezoni comprado especialmente para a ocasião; botas de cano comprido ou polainas de couro com abotoaduras de metal. Alguns colocavam lenço no pescoço e as mulheres se vestiam com as mais finas chitas, enfeitadas com belas rendas. A entrada do cortejo na cidade era uma beleza e grande orgulho para a família dos noivos. E nós achávamos aquilo um espetáculo grandioso, que gerava assunto para várias semanas. Algumas famílias levavam o oficial do cartório para fazer o casamento na fazenda mesmo, privando-nos do espetáculo na cidade. Mas a fartura depois era a mesma, ou até maior, quando resolviam matar várias vacas para fazer churrasco. E toca a sanfona, Dozim, que o forró já vai começar!

A FESTA DA PADROEIRA

Campo Limpo inteiro se realizava mesmo era na festa de Nossa Senhora da Guia, padroeira da cidade, através dos concursos de rainha da festa, dos bailes inesquecíveis no rancho-alegre e da procissão do último dia, que de tão grande, ocupava vários quarteirões. As pessoas, com fé e esperanças, faziam todo o percurso, de mais de uma hora, carregando uma vela acesa protegida por um cone de papelão, para não respingar parafina quente na mão, rezando, agradecendo a Deus pelas graças recebidas, pela colheita farta e pedindo proteção para toda a família. Crianças vestidas de anjinho pagavam promessas feitas pelos pais. As pessoas de várias regiões do município, que passavam muito tempo sem se encontrar, tinham como certo o reencontro na época da festa, normalmente passeando pelas barraquinhas, comprando roupas nos bazares dos turcos. Os “acertos de conta” também eram reservados para essa época e quase sempre alguém era assassinado durante a festa.

Os leilões dos nove dias que antecediam ao dia da festa eram famosos, juntavam, praticamente, toda a população da cidade. A percentagem de não-católicos era muito pequena naquela época. Todo mundo queria estar presente para ver o espetáculo proporcionado pelo leiloeiro, suas provocações que faziam os preços das prendas irem às alturas, porque ninguém queria levar desaforo para casa. Lembro-me de vários desses leilões, alguns comandados pelo Zé tintureiro, outros pelo Dominguinho e, mais recentemente, até onde eu me lembro, pelo Joaquim Alfaiate, irmão do Amado. Esses leilões ficaram gravados em minhas lembranças, através de lances fabulosos, como os do Fiicão querendo arrematar uma dúzia de ovos para o Gentil chocar, elevando o preço do produto a um montante suficiente para comprar um boi. Ou de uma saracura, que fizeram o Divino Mineiro levar, mudando seu nome, depois disso, para Divino Saracura. Quando a prenda era um rolo de papel higiênico, então, podia sair de perto que a coisa até fedia. Mas, no geral, as prendas eram bandejas de guloseimas ricamente elaboradas e ornamentadas, onde as famílias caprichavam no dia em que eram escaladas para levar a sua. Era uma questão de status para a família fazer uma bela prenda que atingisse um valor alto, como se a recompensa Divina fosse proporcional a isso. Era tradição e uma honra agradar a Santa com uma bela prenda. Se não desse para mandar a prenda no dia escalado, o sentimento de culpa era enorme.

Lembro-me de algumas famílias, logicamente famílias com quem eu convivia mais, que caprichavam em suas bandejas. Lá do seu Evaristo Junqueira podia arrematar que a coisa era farta, com frango assado, tortas, doces, bebida alcoólica e, consequentemente, eram disputadíssimas, para serem consumidas no rancho alegre, na hora do baile, ao som de uma boa guarânia. A Irá e a Nega, irmãs do João Perna Torta, caprichavam na delas e, depois que o João se casou, a Geralda manteve a tradição. A Dôra mandava uns frangos assados que cheiravam de longe. Tia Marizinha, apesar de tio Miguel não ser filho de Deus, porque era espírita, também mandava uns doces deliciosos. O pessoal das fazendas era sempre requisitado para doar bezerros ou porcos para os leilões. A disputa era grande no dia dos fazendeiros e rendia uns bons trocados para a Santa. Era uma bela confraternização da qual, com certeza, quem teve a oportunidade de viver aquela época tem muita saudade, como eu tenho. E nessa nostalgia, logo depois que me formei, peguei uma graninha e fui ao leilão de Amorinópolis. Arrematei uns bezerros não sei mais de quem e uma leitoa do Alonso Goulart. Na hora de pegar as dita-cujas, era só porcaria. A leitoa do Alonso era daquele tipo enjeitada ou que não tinha teta para ela. Que decepção! Nunca mais voltei a um leilão.

A alvorada do dia da festa era de fazer qualquer um arrepiar, terminando na casa dos festeiros, que aguardavam com comida e bebida fartas, que eram servidas logo depois da tradicional saudação: “Viva Nossa Senhora da Guia! Viva os Festeiros!”. A missa do último dia, então… A chegada do andor à igreja, após a procissão… Meu Deus, como era lindo, como era bom aquele tempo! Que saudade! Meus olhos se enchem d’água, só de lembrar. Certamente os dias de hoje são belos também para os jovens que vivem ali. Os costumes já não devem ser os mesmos. Mas aquele era o nosso tempo de jovem, que nos traz belas recordações, às vezes de pequeninas coisas que só têm valor para quem revê o seu próprio passado.

Meu pai foi festeiro uma vez e quebrou a tradição de entregar o lucro da festa para o padre de Iporá. No ano seguinte, tia Marizinha e dona Lélia foram as festeiras, e meu pai o secretário delas. Tio Miguel, marido da tia Marizinha, não podia ser festeiro junto, porque era espírita e, consequentemente, não era filho de Deus, para o padre. Meu pai juntou o dinheiro das duas festas e refez a igreja católica, que era muito pequenininha e já não cabia mais os fiéis. Trouxe um pedreiro de Baliza, de nome Pedro Pimentel, que havia feito a igreja de lá, e mandou fazer uma igual em Campo Limpo. Mandou fazer a cúpula de metal em Iporá, que foi a maior novidade na época. Mandou fazer, também, outros bancos, em Jataí, na oficina do Zé Queijo.

Sobre os bancos, a história é interessante. Com a igreja refeita e com cúpula nova, meu pai começou a fazer uma campanha entre comerciantes e fazendeiros da cidade para ganhar os benditos bancos. Aí não houve dificuldades. O seu Fiicão doou um; João Perna-Torta outro; seu Olímpio outro; seu Zé Chico doou mais um, e assim por diante. Sobrou gente querendo doar bancos para a igreja. A Lindoya emprestou o caminhão e foi uma comitiva a Jataí buscar. Foi o maior sucesso também. Em seguida, encomendou santos novos de São Paulo. A Dôra caprichou no ensaio dos hinos do coral, que havia ganhado um lugar de honra no alto, sob a cúpula, e inauguraram a igreja nova com muita pompa, para decepção dos padres, que levavam toda a grana antes. Acho que tem padre até hoje “jogando praga” por esse sacrilégio.

AS FESTAS DOS PENTECOSTES

No fim da década de cinquenta começaram a aparecer os pentecostes em Campo Limpo. Não sei quem foi o primeiro pentecoste da cidade e nem quem foi, de fato, o primeiro pastor. Parece que o pastor Simão Gregório foi um dos primeiros, mas sei que quem consolidou, com muita competência, essa religião por lá foi o pastor José Brandão, mais conhecido como pastor Bróia, pai do Ismael, o famoso Irmãozinho. Seu Bróia era uma figura espetacular, de moral ilibada, de educação muito fina e muito gentil no trato com as pessoas, apesar de muito enérgico. Os primeiros pentecostes de Campo Limpo, de que me lembro, foram o seu Manoel Cearense, o Abel Branco, o Dinamérico, o Antônio do Quindô, o Néca Leão, seu Itamar Melo. Daí a uns tempos o Joaquim Vó e dona Olda também viraram. Foi a maior heresia, para a dona Lélia, extremamente católica e tia de dona Olda.

Logo seu Bróia introduziu um serviço de alto-falante na cidade, que iniciava e fechava o dia com belos cantos religiosos, tipo: Desperta Brasil/ O evangelho de Jesus está no ar./ Desperta Brasil/ Está na hora do evangelho anunciar/… Só não era bom nos fins de semana, quando a gente queria dormir mais um pouquinho e seu Bróia abria o som do alto falante bem cedo, convidando os correligionários para a escola dominical. Daí a pouco ele criou uma banda de música e colocou a turma da igreja para estudar partituras. Só se via pentecoste com um instrumento musical nas costas indo para o lado da igreja, para estudar. O Antônio do Quindô, por exemplo, se meteu a tocar Sax e virou especialista no instrumento. Daí pra frente os cultos eram muito alegres e, por conseguinte, as festas que os pentecostes promoviam se tornaram mais alegres ainda e a população de crentes ia só aumentando.

Depois do seu Bróia veio o pastor José Araújo, que era de Iporá e que tinha um monte de filhos já rapazes e moças. Tempos depois assumiu a direção da igreja o pastor Pedro Coelho, que era irmão da dona Nenén do seu Otávio Gouveia. Esse ficou muitos anos no comando da igreja de Amorinópolis e tinha um grande carisma na região.

Mas a intenção deste capítulo é falar sobre as festas que a igreja pentecostal promovia. As que chamavam mais a atenção eram aquelas promovidas para a cerimônia de batismo. Era uma festividade de louvor a Deus, com muita fé, com muita música executada pela banda da própria igreja e a cerimônia era bem diferente das que os católicos conheciam: mergulhavam as pessoas nas águas de um córrego, quase sempre o Balbino ou a Jacuba, repetindo o gesto de João Batista ao batizar Jesus nas águas do rio Jordão. Por ser um ritual diferente do católico, chamava a atenção de muita gente e a cerimônia ficava cheia de curiosos.

Os almoços ou jantares promovidos pelos pentecostes eram, também, muito disputados e primavam não só pela exuberância da culinária, mas, sobretudo, pela organização desses eventos, sem confusão e com fartura. Logo fizeram um galpão lá embaixo, para acomodar muita gente. A Juvércia do Chico Carrinho, e dona Clarismélia, esposa do seu Néca Leão e mãe da Bondosa, da Josefina, da Marta, do Enoque e da Dorca, a caçula, tomavam conta desses banquetes para que tudo saísse melhor que o combinado. E com isso, arrecadavam muito dinheiro para as obras sociais da igreja.

Havia, ainda, os encontros regionais que juntavam gente de toda a redondeza, tal qual a festa da padroeira da igreja católica. De novo a banda de música dava show. E nós ficávamos por ali, rodeando, assuntando as pentecostinhas diferentes que apareciam. Olha, sei de vários casos de indivíduo que se entregou, passou a ser crente, só por causa das moças bonitas que tinha por lá. E viva os pentecostes, especialmente as pentecostinhas de antigamente, que hoje já devem ser mães ou até avós!

AS CORRIDAS DE CAVALO

Desde os tempos do Campo Limpo, havia uma tradição cultivada pelas pessoas que foram morar ali, que eram as famosas corridas de cavalo. Parece que foram os mineiros que levaram essa tradição para lá, hoje já meio esquecida. Acho que o pessoal nem sabe mais que elas existiam e que atraíam centenas de pessoas para a cancha, com direito a apostas e muita animação.

No começo, por volta de cinquenta e seis, cinquenta e sete, as canchas eram realizadas na praça principal da cidade ou na avenida da igreja católica, perto da casa do seu Tunico Dentista, que era uma parte da cidade onde o piso era meio arenoso, mais macio, quase no cruzamento com a rua que passa em frente ao grupo escolar antigo, pros rumos da saída para Rio Verde. Não sei mais quem mora por ali hoje. Os páreos eram realizados entre dois animais e rolava um bom dinheiro nas apostas. Quem ganhasse uma disputa, partia para a finalíssima com quem havia ganhado a outra e era a maior farra. Depois, rolava muita cerveja, muita Níger e pinga Saci, para comemorar a vitória.

Por volta dos anos sessenta, acho que mais para o fim da década, sessenta e sete, talvez, resolvemos recuperar a antiga tradição e inventamos de fazer umas corridas de cavalos pangarés, que só podiam ser montados por amadores. Pessoas profissionais do ramo, das fazendas, não podiam participar. Acho que a história dos cavalos pangarés surgiu porque havia uns cavalos muito bons na região, dentre eles um cavalo preto enorme, do seu Geraldo Cândido. Seriam imbatíveis, se entrassem na disputa.

Organizamos tudo, me parece, para a véspera da festa da padroeira da cidade (acho que foi nessa época mesmo, não me lembro direito, já se passaram mais de quarenta anos), convocamos a população utilizando uns funis grandes de lata para ampliar o som, tipo os que usavam para anunciar espetáculo de circo, e lá fomos nós para o campo de aviação, na saída de Iporá, para o grande evento. Encheu de gente. Devia ter mais de trezentas pessoas por lá, na primeira corrida que fizemos. Isso era quase 15% da população da cidade. Foi o maior sucesso!

Na primeira corrida só participaram cavalos pangarés e cavaleiros não profissionais do ramo, como havíamos decretado e quem ganhou foi um dos filhos do Zé Pedro, não sei se o Geraldo ou o João Batatinha. Lembra-se do Zé Pedro? Era açougueiro e morava quase de frente a casa da Mana. Tinha mais umas filhas que se chamavam Lúcia, Sílvia e Rosinha. Depois, nos anos seguintes, já fizemos a dos pangarés e outra dos profissionais. Teve outra que quem ganhou foi o Luizinho da Bilota. No ano seguinte, o campeão foi o Joãozinho Perna Torta. Era a maior festa, a maior farra. Tinha até taça. Eu passava boa parte das férias de julho preparando esse evento. Tenho um monóculo (lembra das fotografias em monóculo?) em que estou montado na garupa do cavalo vitorioso do Joãozinho Pena Torta, com ele na frente segurando a taça. Fiz uma cópia em papel outro dia e dei de presente à Geralda, viúva do Joãozinho.

Parece que fizemos umas três ou quatro corridas anuais dessas. Depois fui embora, não voltei mais lá em julho e, me parece, a tradição também acabou. Que pena! Quem sabe a gente retoma essas corridas de julho, na época da festa e isso seja mais um motivo para nos reunirmos por lá e matarmos as saudades. Elas eram muito bonitas e animadas.

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