Texto de Eros Guimarães
Vai chegando o fim do ano e, mais uma vez, não sabemos como foi gasto o Fundo Municipal de Cultura de Iporá. Este Fundo é uma importante conquista da comunidade artística local, foi criado em 2011 por meio da Lei Municipal nº 1.446. Nesses mais de dez anos, desconheço prestação de contas dos recursos que, ano a ano, são destinados ao Fundo de Cultura dentro do orçamento da Prefeitura. No orçamento de 2022, foram reservados R$ 517 mil. Pela lei, os recursos do Fundo deveriam ser destinados aos artistas da cidade, por meio da seleção de projetos via editais públicos. Isso nunca aconteceu.
Ainda em 2014, levantei essa questão em uma Conferência Municipal de Cultura. Na oportunidade, em meio a muita confusão, escutamos desculpas e promessas de encaminhamento que nunca foram realizadas. De lá pra cá, por repetidas vezes tenho alertado sobre essa ilegalidade em diferentes canais de comunicação e encontros pela cidade, inclusive na Prefeitura e na Câmara Municipal. Mas falta boa vontade, decisão de fazer acontecer. Falta ao município reconhecer e tratar as Artes como uma frente necessária de política pública. Em Iporá, não existe plano algum nesse sentido. Se for perguntado qual é o objetivo do município em Cultura ninguém saberá responder, porque não existe resposta. E a comunidade artística tampouco é chamada para construir essa resposta, para elaborar uma política pública municipal de cultura para Iporá. O descaso é o padrão no tratamento dado aos artistas da cidade.
Neste mês de novembro último, quando a Câmara Municipal aprovava o orçamento de 2023 para o município, protocolamos ofício solicitando usar a Tribuna do Povo em alguma das sessões, numa tentativa de alertar os vereadores mais uma vez, eles que têm por dever fiscalizar os gastos da Prefeitura. Mas não conseguimos esse espaço de fala. Agora nas sessões de dezembro, mais uma vez solicitamos que fôssemos ouvidos – no entanto, em que pesem nossos inúmeros contatos com assessores e vereadores, a casa se recusou mais uma vez a abrir esse espaço para nós. Acreditávamos que, por se tratar da aplicação de uma lei municipal, este debate deveria acontecer a partir da Câmara Municipal. Diante dessa impossibilidade, escrevo este artigo para apresentar, aqui, as três sugestões que iríamos apresentar à Câmara:
1. Que seja apresentada à comunidade artística de Iporá a prestação de contas do uso dos recursos alocados no Fundo Municipal de Cultura no orçamento de 2022.
2. Caso ainda haja saldo remanescente no orçamento deste ano do Fundo Municipal de Cultura, que seja montado um plano de emergência para uso do recurso – atentando para a necessidade de que o empenho do recurso para esse eventual plano de emergência dever ser feito até o fim do ano, do contrário a comunidade artística perderá mais uma vez o acesso a esse direito.
3. Que seja convocada uma Conferência Municipal de Cultura para o início do ano que vem, para que possa ser discutido e definido como devem ser usados os recursos previstos no Fundo Municipal de Cultura para 2023, como a lei orienta que seja feito.
Para esse processo de construção, a Toca se coloca à disposição para colaborar, seja com nosso espaço físico, seja com nossa expertise em Gestão Cultural ou com a articulação de nossa rede de artistas. Ao longo dos oito anos da Toca, e mesmo antes disso, sempre estivemos presentes nas poucas discussões para as quais fomos chamados para tratar dos caminhos para a Cultura no município. Por vezes, colaboramos com a construção ou esclarecimento de um procedimento ou outro. Gostaríamos de ser convidados, como os demais artistas da cidade deveriam ser convidados para tratar desses assuntos. Como o convite não é feito, precisamos reivindicar. Acreditamos que, com boa vontade, Prefeitura e Câmara conseguem viabilizar um plano emergencial para que nós artistas não percamos, por mais um ano, esse necessário recurso para a manutenção de nossa Arte e de nossas vidas.
No fim de 2020, num movimento de urgência parecido com esse que vivemos agora, o Governo Federal destinou R$ 240 mil para o município por meio da lei Aldir Blanc, recurso que já estava prestes a ser recolhido por falta de uso. Naquela oportunidade, depois de muito barulho em reuniões e na imprensa local, conseguimos garantir o uso do recurso. Não sei quem vai ler este artigo e escutar essa reivindicação. Fruto de todo esse histórico de descaso, a comunidade artística de Iporá também não está organizada, o que dificulta até mesmo algum tipo de mobilização. Ainda assim, por meio da Toca temos provocado encontros para mobilizar parte dessa comunidade nessas reivindicações, com o apoio de alguns vereadores e agentes sociais da cidade. Sei que o problema é relevante e precisa ser tratado com urgência em qualquer instância que tenha poder de resolvê-lo.
Além dessa necessária discussão e encaminhamento sobre o Fundo Municipal de Cultura, o poder público também precisa estar atento a outros recursos que deverão chegar ao município para serem aplicados em Cultura, como a Lei Paulo Gustavo, que deve alocar recursos em Iporá ainda este ano, e a Lei Aldir Blanc 2, que deve fazer o mesmo no início do ano que vem. É preciso saber onde e como gastar esses recursos. E essa decisão deve ser dos artistas da cidade.
Eros Guimarães é músico, poeta, educador e produtor cultural. Iporaense, morou muitos anos em Brasília, onde trabalhou no desenho e planejamento de políticas públicas nacionais. Há oito anos, empreende com outros artistas de Iporá a Toca, espaço cultural que tem garantido a oferta de agenda cultural para a cidade mesmo sem apoio do poder público local.