O professor Leonardo de Oliveira Lossol, do Campus de Iporá do IF Goiano, faz reflexão sobre esta data de Primeiro de Maio e ações de Getúlio Vargas e leis trabalhistas.
O MITO DO TRABALHADOR Nº 1
Era tarde de outono naquele 1º de maio de 1940. O estádio de São Januário, no Rio de Janeiro, estava lotado; mais de 40 mil pessoas aglomeravam-se nas arquibancadas em um misto de festa e expectativa. De repente, o gol de placa: Getúlio Vargas recebeu pela esquerda e fez história; instituiu o salário mínimo no Brasil. A multidão foi ao delírio. Isso ocorrera justamente no dia dele, do “trabalhador número um do país” ou o “pai dos pobres”, como se referiam seus apoiadores; ou como passou a dizer os críticos, a “mãe dos ricos”.
Naquele tempo, por meio do recém criado Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), em 1939, o primeiro governo Vargas (1930 – 1945) investiu pesado na realização de eventos públicos e na mobilização de diversos setores da sociedade e seus atores, como radialistas, jornalistas, intelectuais, artistas populares e suas canções. Tudo estrategicamente articulado para envolver as massas e exaltar a figura do presidente, além de valorizar os símbolos nacionais, a cultura do “trabalhismo” e o projeto de industrialização nacional. Assim surgiram alguns dos marcos importantes na relação do presidente com o povo: a carteira de trabalho (1932), o programa a “voz do Brasil” nas rádios (1935), o salário mínimo (1936 – 1940) e a Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT (1943).
Reforçado pela propaganda, parece ter predominando na história a versão de que foi Vargas o grande responsável pelas conquistas trabalhistas no Brasil. Como presidente, ele desempenhou um papel importante na articulação que institucionalizou os direitos, mas isso não diminui o protagonismo dos próprios trabalhadores. Eram eles que já vinham se mobilizando e exigindo, crescentemente, direitos sociais no país. A manobra do governo Vargas, segundo contou o cientista político Adalberto Paranhos, em seu livro “o roubo da fala”, foi justamente apropriar-se dos discursos reivindicatórios dos trabalhadores, devolvendo-lhes na forma de legislação trabalhistas, forjando-se, assim, o benevolente “pai dos trabalhadores”; o mito. Aquele mesmo que, mais tarde, “saiu da vida para entrar para a história”, ao suicidar-se em agosto de 1954, durante seu segundo – e conturbado – governo (1951 – 1954).
Antes de tudo isso, 1º de maio já era consagrado como o Dia Internacional do Trabalhador, ao homenagear as jornadas de lutas dos operários norte-americanos que realizaram mais de mil greves, por volta de 1886, em favor de direitos, dentre os quais a redução da jornada de trabalho de 14 h para 8 h diárias. No Brasil, a data começou a ser celebrada em 1890, em Porto Alegre – RS; e como feriado, desde 1925, durante o governo de Arthur Bernardes (1922 – 1926). Contudo, como destacado, foi durante o governo Vargas que a data se tornou emblemática, um evento político festivo, marcado pela autopromoção do presidente e por discursos populistas. Atualmente, o Dia do Trabalhador é “comemorado” em mais de 90 países; geralmente, com protestos.
De fato, desde a criação da CLT – com reforço da Constituição de 1988 –, uma série de garantias marcou a história do trabalho e do trabalhador no Brasil, a saber: salário mínimo, sindicalização, descanso e férias remunerados; Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), 13º salário, hora extra, licença maternidade e paternidade, adicional noturno, seguro desemprego, entre outras. Por outro lado, desde a reforma trabalhista, de 2017, aprovada durante o governo de Michel Temer (2017 – 2018), diversas garantias foram dissolvidas. Embora algumas adequações tenham sido relevantes, resultado dos novos tempos, como a regulamentação do trabalho intermitente e do home office, a reforma desconstruiu a legislação e desamparou o trabalhador, tornando facultativos diversos direitos, que, antes, eram garantias legais.
Diante de tudo isso, o que restou do significado do 1º de maio? É apenas um feriado? Vale comemorar, descansar ou reivindicar? Talvez a data esteja em desuso nos dias atuais, mas, se o passado pode nos ensinar alguma coisa, devemos lembrar que os direitos não são dados, são conquistados, cabendo a quem produz reconhecer seu valor e ser protagonista na defesa de seus interesses.
Não foi por acaso que a propaganda política do governo Vargas investiu tanto na aproximação do presidente com as massas trabalhadoras, cooptando sindicatos e artistas, criando espetáculos e leis trabalhistas, bem como lançando mão da censura e da perseguição política, especialmente durante o período conhecido como ditadura do Estado Novo (1937 – 1945). O projeto era o de promover a figura do presidente, o “trabalhador número um”; incansável, sensível e a serviço do povo brasileiro. Justamente ele, que tinha “peito de aço e coração de veludo”, como costumava destacar nas rádios o aliado Marcondes Filho, seu Ministro do Trabalho (1941 – 1945) – cargo/Ministério também criado no início do governo Vargas, em 1930.