Aldo Horácio Bustamante é argentino, morador em Iporá e antropólogo por formação.
Ele escreveu especialmente ao Oeste Goiano sobre o sentimento argentino quanto a morte de um herói nacional.
Segue texto:
Maradona, um herói. Maradona morreu. O seu corpo não estará mais entre nós. Seu espírito continuará vivo entre aqueles que o admiraram. Entre aqueles que o reverenciavam. Polemico. Transgressor. Arrogante. Jamais submisso. Jamais domesticado. Imprevisível. Como foi dentro dos gramados foi do lado de fora. Foi um contestador por natureza. Porque a natureza dos homens se empenhou em reduzi-lo a um misero ser. Porem a mão de Deus lhe incorporou um “dom” que o faria ser reverenciado universalmente por monarcas e plebe, famosos e desconhecidos, poderosos e miseráveis. O futebol foi a ferramenta que o lançou ao estrelato. Porem ele excedeu o universo do esporte para adentrar-se em outros campos: o social, da justiça, sem compactuar nem submeter-se às autoridades que identificava como crápulas indecentes imerecedores de respeito nem honrarias. Era direto e autêntico. Não fazia concessões para ninguém. Aqueles que o condenavam por agressividade, por soberba, por excessos, eram os que o assediavam para tirar alguma casquinha dele. Atraia para sim todas as atenções por onde passava. Era UNICAMENTE HUMANO. De carne e osso como qualquer mortal. Tinha que suportar a pressão dos olhares, das vozes que o assediavam, dos paparazzi que lhe importunavam, dos escândalos que lhe atribuíam. Com quinze anos já tinha debutado em primeira de Argentinos Juniors, seu primeiro time. Com 21 já era famoso quando Boca Juniors o comprou. Já era cercado por aqueles que o reconheciam. Quarenta anos se passaram ate sua partida. Multipliquemos os minutos contidos nesse período: 21.024.000 minutos. Se qualquer um de nos tivesse 1 (um) minuto de fama desses minutos, teríamos autoridade para falar de alguém como ele que teve que suportar o peso de uma vida de assédio pelo “dom” que Deus lhe deu. Só assim o julgamento teria crédito. Sua imagem vendia. Suas entrevistas vendiam. Suas falas ouvidas. Sua autoridade respeitada. Numa oportunidade foi convidado a participar num jogo num país árabe. Compareceu com sua família completa: esposa, mãe, sogra, filhas. Na recepção as mulheres receberam presentes valiosíssimos. Tudo se estava encaminhando para o dia seguinte, que era o dia do jogo. Sua participação tinha sido negociada por um “cash” polpudo. Seu empresário o acompanhava junto com seu intérprete. No instante de ingressar no campo Maradona não avistou sua família, o que reclamou do seu empresário. Este lhe informou que era proibido o acesso de mulheres ao estádio. Imediatamente Maradona lhe manifestou que não iria jogar e se retirou do centro do campo. Ninguém entendeu nada. Maradona lhe fez saber ao skeik que se as suas mulheres não podiam assistir ele devolvia os presentes, o cash, tudo, e ai encerrava sua participação. Sua vontade prevaleceu por cima das regras muçulmanas. Noutra oportunidade, exigiu como parte do contrato com o Nápoles, uma Ferrari. Não era algo difícil de ser atendido. O detalhe foi que Maradona exigiu na cor preta, que não existia. Resultado a Ferrari teve que produzir a primeira unidade nessa cor. Noutra ocasião, de visita na Libia de Muammar Kadafi, teve a vontade de ficar com a túnica que vestia o carismático líder. O tradutor ficou sem graça de transmitir ao líder o pedido, ao que Maradona insistiu, e obteve sem resistência seu pedido. Além da túnica que vestia lhe entregou também o seu chapéu. Esse era Maradona. Sem regras. Sem protocolos. Sem frescuras. Sem polimento. Sem politicamente correto que asfixia a espontaneidade, a autenticidade da que Diego Armando Maradona era possuidor em excesso. Incomodava seu hirsutismo. Falou o que tinha que falar, a quem tinha que ser falado. Não se deixou vencer pelas formalidades para ocultar suas verdades. Na voz dele muitas vozes se identificaram. Nos gestos dele muitos se sentiram repressentados. Nos goles dele, uma sede contida de vingança foi liberta do peito para ganhar forma em um grito atronador. Para os argentinos, a redenção da humilhação de Malvinas ocorreu naquele jogo épico no Azteca com os dois gols antológicos que Diego marcou aos ingleses, nossos vilões de quatro anos antes. Nesse dia os argentinos lavamos a alma. Por ele que nos proporcionou essa vitória sem balas deflagradas, sem sangue derramada, com lagrimas derramadas de alegria de um lado e tristezas do outro, pelo resultado de um “simples jogo de futebol”. E por isso que os argentinos, e só eles sabem porque atribuíram a ele a hierarquia de deus, com minúscula, porque os argentinos respeitam aquele Deus, com maiúscula que esta por sobre todo. E que o mundo fale o que quiser, condene o que quiser, opine o que quiser, que nos argentinos respeitaremos assim como exigiremos ser respeitados. Que Deus o tenha. Amen.