Esse costume arraigado em moradores do interior de queimar lixo doméstico é alvo de um estudo feito por advogado de Iporá. Em artigo, ele mostra os malefícios disso e as implicações legais para essa prática que precisa ser eliminada.
O advogado é Cristiano Lacerda Rocha, advogado OAB-GO, Pós-Graduando em Direito Penal e Processo penal contemporâneo pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) – RS, Bacharel em Direito pela Universidade de Cuiabá (UNIC – Primavera do Leste – MT).
Segue texto do advogado:
Já parou para pensar que ao eliminar o lixo doméstico e limpar o terreno com fogo, você pode estar afetando de forma direta e indiretamente a vida de muitas pessoas, além de estar cometendo um crime ambiental?!
No interior do Estado há um grande costume praticado, na maioria, pelos moradores idosos, no qual ateiam fogo nos terrenos baldios “para limpar”, eliminar o lixo doméstico (folhas secas, etc), costume esse que pode ocasionar problemas irreversíveis de saúde, sem contar o desastre causado ao meio ambiente.
Estima-se que no ano de 2020, no mês de julho, houve um aumento de 69% nos focos de queimada, em comparação com o mesmo período do ano passado. O local foi destaque em todo estado, registrando 120 focos em julho de 2020 contra 71 em 2019, Segundo o Boletim Queimadas, produzido pelo Centro de Informações Meteorológicas e Hidrológicas de Goiás (Cimehgo).
Com o tempo seco e a baixa umidade do ar nos meses de julho, agosto, setembro e outubro, possuímos o clima perfeito para desastres ambientais, como se não bastasse a poluição do dia a dia emitidas por veículos automotores e indústrias, é corriqueiro nos depararmos com cidadãos que agem de forma criminosa e, podemos dizer, livres de punições (no nosso município), no qual ateiam fogo em terrenos, lixo na porta de casa, sem pensar nas consequências que sua conduta possa trazer a vida de terceiros.
Sabemos que estamos passando por um momento delicado, uma pandemia, onde o vírus ataca principalmente as vias respiratórias, mas o que isso tem a ver?
Vamos a um rápido exemplo:
Você tem um terreno baldio que está precisando de uma limpeza, então você decide colocar fogo porque primeiro, é mais rápido, segundo, por ser mais “econômico”. Sem ter conhecimento, na casa ao lado, mora uma família onde se encontra uma criança de 05 anos e uma idosa de 84 anos, a criança sofre de uma doença pulmonar obstrutiva crônica, com a fumaça causada pelo o incêndio a criança precisa de um ambulatório hospitalar e posteriormente de um respirador para ajudar. Bom, aqui já encontramos um problema (a falta de respiradores), e temos o conhecimento de que as chances de um contagio por covid-19 em ambiente hospitalar são enormes, sabemos também que grande parte das crianças são assintomáticas.
Nesse nosso exemplo a criança fica bem, volta para casa com a saúde impecável, porém trouxe consigo o vírus assintomática, que por consequentemente passou para a idosa de 84 anos, que por conta da sua idade veio a óbito.
Não é apenas colocar fogo. Quando uma ação sua pode afetar diretamente e indiretamente a vida de centenas de pessoas, isso passa a ser um problema de saúde pública.
Como se não bastasse o grande numero de focos de incêndio rural próximo à cidade, temos que viver com a certeza de que há impunidade no nosso município, pois todos os dias nos deparamos com a cidade cheia de fumaça de queimadas domésticas, muitas vezes com habitualidade em certos bairros, mas por que não é feito o que está descrito na lei?
Vamos ver o que expõe a legislação.
A Lei de crimes ambientais, n° 9.605/98, em seu art. 54 descreve o crime de poluição, que consiste no ato de causar poluição, de qualquer natureza, que coloque em RISCO A SAÚDE HUMANA ou segurança dos animais ou destrua a flora.
A pena séria de um a quatro anos de reclusão mais multa.
Veja que no artigo 54 da Lei 9.605/98, traz expressamente a situação descrita no exemplo, o risco a saúde gerada através da poluição.
Ora, se temos base legal caracterizando tal conduta como crime, por que ao longo do ano, principalmente na época da seca, temos tantas queimadas domésticas em nosso município? Séria falta de fiscalização?
Averiguemos o que diz a Constituição Federal.
O artigo 23 da Constituição Federal, estipula em seus incisos III, VI e VII a competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios os de proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural os monumentos, as paisagens naturais notáveis e sítios arqueológicos, no meio ambiente e COMBATER A POLUIÇÃO EM QUALQUER DE SUAS FORMAS, bem como de preservar as florestas, fauna e flora.
Com a competência comum delegada pela nossa Carta Magna nosso município editou a Lei Orgânica n° 1.725, de 19 de Fevereiro de 2019, vejamos alguns artigos:
Art. 123 – É proibida a queima em qualquer local de quaisquer materiais, seja lixo, vegetação ou outros em geral, que cause poluição atmosférica ou perda da biodiversidade, bem como o uso de fogo em área agropastoril, de floresta ou regeneração natural sem licença da autoridade competente, sob pena das penalidades descritas na Lei de Crimes Ambientais Nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998.
Coloquei o art. 123 primeiro, pois já traz de inicio a proibição de queimada em qualquer lugar, segundo por abordar também penalidades.
Art. 168 – Ficam vedadas:
I – a queima ao ar livre de materiais que comprometam sob qualquer forma, o meio ambiente ou a sadia qualidade de vida;
Esse artigo abrange o exemplo que trouxe no inicio do artigo.
Art. 3° – A Política Municipal de Meio Ambiente é orientada pelos seguintes princípios:
V – educação ambiental na sociedade, visando o conhecimento da realidade, à tomada das responsabilidades sociais e ao exercício da cidadania;
VII – controle e zoneamento das atividades potenciais ou efetivamente poluidoras;
Art. 4° – São objetivos da Política Municipal de Meio Ambiente:
XIV – fortalecer e dotar de maior eficiência os sistemas de fiscalização ambiental do Município, sobretudo nas áreas de grande vulnerabilidade ambiental.
Art. 7° – Ao Município de Iporá, no âmbito de sua competência constitucional relacionada ao meio ambiente, nos termos estabelecidos na Lei Orgânica do Município de Iporá e no Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Sustentável, competirá a criação de meios, instrumentos e mecanismos que assegurem eficácia na implantação e controle de políticas, programas e projetos, relativos ao meio ambiente e, em especial:
III – fiscalizar o cumprimento das normas legais e regulamentares relativas ao meio ambiente e equilíbrio ecológico;
X – estabelecer o poder de polícia ambiental, na forma prevista em lei;
Notamos que infelizmente no nosso município não temos uma fiscalização eficiente e muito menos programas e projetos a serem implementadas (não que seja de conhecimento de todos), se tem, será que chega a conhecimento de toda população, tendo em vista que as queimadas irregulares acontecem, na grande parte, nos bairros mais humildes que, geralmente, são pessoas idosas que necessitam de uma educação sobre o meio ambiente, podendo assim, demonstrar as consequências que uma queimada pode ter. Levando em consideração que essas pessoas não enxergam os atos como prejudiciais, pois por muitos anos isso fez parte do seu cotidiano e por falta de conhecimento empírico não sabem o prejuizo que causam.
Averiguemos quais as penas seriam cabíveis;
Art. 209 – As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções:
I – advertência;
II – multa simples;
III – multa diária;
Art. 237 – São infrações ambientais relativas a poluições:
VII – causar poluição atmosférica por lançamento de resíduos gasosos, materiais particulados ou substâncias tóxicas em desconformidade com a legislação ambiental;
Parágrafo único. Incidem sobre as infrações dos incisos acima dispostos, multa de 100 (cem) a 10.000.000 (dez milhões) Unidades de Referência – UR.
Indubitavelmente falta fiscalização e aplicações das sanções, também falta iniciativa e campanha por parte do Poder Público, uma que seja demonstrada durante todo o ano, não apenas nos meses em que de fato acontece as queimadas.
Nosso Município conta com a Secretaria Municipal do Meio Ambiente, entrei em contato através do e-mail informado no site da mesma, depois de 09 dias e duas cobranças para obter o retorno das respostas, obtive êxito. Foram feitas perguntas que diz respeito à toda comunidade iporaense.
“[…] Bom, o problema não é falta de norma, creio que de um órgão fiscalizador. O que quero saber é isso, para quem devemos ligar para que seja feita essa fiscalização e aplicações das penalidades. Caso na cidade não tenha fiscalização, quem poderia estar ajudando? e tem algum projeto para a implementação desse órgão fiscalizador (caso não tenha)?”
“A respeito de atendimento a denuncias, deverá ser
direcionado o fato ocorrido ao numero (64) 9 8408-2235 e pelo telefone da Prefeitura Municipal de Iporá (64) 3603-7200 ramal 223 ou 228. A Policia Militar Ambiental também favorece este suporte.”
Devemos cobrar a aplicabilidade da norma aos órgãos competentes, caso você precise de suporte e este se recuse a prestar o apoio necessário, use seu direito, ligue na ouvidoria do respectivo órgão e se for o caso ligue na corregedoria e denuncie o servidor.
Quando há a prática de atear fogo, ocorre um enorme prejuízo ao meio ambiente. Influi no aumento na temperatura, as queimadas são apontadas como um fator importante nas mudanças climáticas. Mas é na saúde humana que essa queima ilegal provoca os piores resultados (de imediato, porquqe o dano futuro para o planeta pode ser irreversível). Mas dos problemas causados pelas queimadas, os problemas respiratórios são os mais evidentes. Pessoas que sofrem de bronquite ou asma sabem avaliar as consequências de uma exposição, mesmo que curta, à fumaça das queimadas.
Este ano, entretanto, há um fator que complica e amplia muito mais o problema. A pandemia causada pelo novo coronavírus, basicamente uma doença que afeta os pulmões, já matou quase 130 mil no Brasil e contaminou praticamente 4,2 milhões de pessoas. Fazer queimadas em um momento como este, em que a consequência será levar mais pessoas a procurarem pelos serviços de saúde é uma crueldade, pois os serviços de emergência, por mais limpos e higienizados que sejam, são potencialmente perigosos para a transmissão da Covid-19.O mais correto é a mudança de hábitos. Descartar o lixo corretamente em local apropriado, assim como restos de poda e folhas secas. A saúde da população agradece.
Usemos desse ano de eleição para analisar cada projeto de campanha, não adianta apenas publicar em redes sociais “suloções” de problemas, quando na hora de fazer a mudança, simplesmente tampa os olhos. Cobre do seu candidato projetos que beneficiam toda a comunidade e soluções para questões de saúde pública.
Lembrando que o meio ambiente é um bem público de uso comum, que deve ser respeitado e principalmente preservado, para que não soframos no futuro com as consequências, ensine seu filho que é errado jogar lixo no chão, ensine a respeitar os direitos ao convívio em sociedade. Respeito e educação vem de casa.