Ninguém dedicou tanto a estudar o solo do município de Iporá e a bacia do Córrego Santo Antônio como o professor Flávio Alves de Sousa. Depois de tanto estudo, ele faz afirmação categórica: Há o risco de em futuro próximo faltar água para o abastecimento de Iporá. E quem faz essa afirmação tem muitos credenciais para isso. Flávio Alves de Sousa, que é da UEG de Iporá, é Especialista em Análise Ambiental pela Universidade Federal do Paraná (UFPR); Mestre em Geografia (Análise de bacias hidrográficas) pela Universidade Federal de Goiás (UFG); Doutor em Geografia (Geomorfologia) pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e Pós-Doutor em Geografia (Dinâmica Subsuperficial da Água nos Solos) pela Universidade Federal de Goiás – CAJ/Jataí.
RISCO DE EM FUTURO PRÓXIMO FALTAR ÁGUA NO ABASTECIMENTO DE IPORÁ. Esta afirmação precisava ser levada mais a sério. No entanto, ninguém faz nada. Nem a Saneago que capta a água da bacia e a comercializa aos moradores de Iporá. E quando faltar água, como será? O risco existe. Ações para impedir não estão havendo. A seguir, a pedido do Oeste Goiano, o professor Flávio Alves de Sousa escreveu o texto que ora publicamos. Ele dá detalhes sobre a situação de chuvas, de solo, lençol freático e mananciais. Vale a pena ler com atenção.
Segue o texto do professor:
Bacia Hidrográfica do Ribeirão Santo Antônio – Uma breve reflexão
Autor: Flávio Alves de Sousa
Em pesquisa em fase de andamento e desenvolvida pelo laboratório de estudo do relevo, solos e águas (LAERSA) do curso de Geografia da UEG – Unidade de Iporá, financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (FAPEG), está sendo avaliado o comportamento da variação da água do lençol freático no municipio de Iporá.
Numa primeira etapa, já finalizada e publicada em revista científica, foram identificadas as zonas de recarga do lençol freático e feita a caracterização dos aquíferos que dominam no município. Para aqueles que se interessarem pelo assunto o artigo poderá ser acessado através do link: http://www.revistas.ufg.br Revista Geoambiente n. 33 | Jan-Abr/2019.
As chuvas e o lençol freático tem uma relação direta com as vazões, e neste caso específico, com as vazões do Ribeirão Santo Antônio. A alta bacia hidrográfica do Ribeirão Santo Antônio está integralmente no domínio do Aquífero Cristalino (fraturado), onde a capacidade de percolação da água e armazenamento é bem pequena, devido à natureza da rocha (Metagranito Ribeirão Santo Antônio) de idade Pré-Cambriana, onde a porosidade fica por volta de 0,5 a 2%, como descrito em Sousa (2019).
Nos últimos quatro anos a precipitação anual (ano civil) tem ficado abaixo da média histórica (1975-2019) e isso, além das questões da natureza litológica e da pouca conservação ambiental da bacia pode contribuir com a redução da vazão e da capacidade de captação de água para a cidade de Iporá. A Figura a seguir mostra a variação da precipitação (colunas em azul) entre os anos de 2017 a 2020 em relação à média histórica (linha vermelha).
Durante os períodos de estiagem, o lençol freático auxilia o manancial a conservar a sua perenidade, fazendo com que o nível da água não desça abaixo de seu leito, embora diminua o seu volume de escoamento. Todavia se o ciclo de chuvas diminuir e se a bacia não receber ações eficazes de conservação de solos e água, a escassez pode se pronunciar até a um ponto crítico.
O nível de rebaixamento da água do lençol freático é lento e a velocidade do mesmo varia conforme a natureza da rocha e do nível de conservação dos solos e da vegetação, e é claro, das chuvas. A Figura a seguir mostra um exemplo de reação do lençol freático em relação à chuva. A mesma representa um poço de controle de 20 m de profundidade na zona cristalina, onde está a bacia do Ribeirão Santo Antônio. As colunas azuis representam as variações da profundidade da lâmina de água no poço e a vermelha a variação da chuva. Reparem que mesmo aumentando as chuvas a subida do lençol freático é retardada.
O rebaixamento médio no domínio de rochas graníticas no município de Iporá, como é o caso da alta bacia do Ribeirão Santo Antônio representa 0,00477 litros.dia-1 ou o equivalente a 4,77 ml.dia-1 , enquanto a recomposição ficou em média em 0,00471 litros dia-1 ou 4,71 ml.dia-1 . Estes valores dependem diretamente do volume de chuvas, mas de qualquer maneira há um período de retardo alto entre o início das chuvas e a retomada do nível freático e enquanto isso, as vazões são reduzidas.
Algumas Considerações
A bacia hidrográfica do ribeirão Santo Antônio em sua íntegra (650 km2) e na sua parte alta (125 km2) inspira bastante atenção do ponto de vista de conservação para que a água continue fluindo em quantidade suficiente para o abastecimento e para as demais atividades econômicas do município, e para isso, algumas variáveis necessitam ser pensadas, como: a natureza litológica da bacia é um fator limitante no processo de infiltração/armazenamento de água subterrânea; as nascentes precisam ser conservadas; áreas de preservação permanente precisam ser mantidas ou recuperadas; atividades de uso e manejo sustentável dos solos precisam ser implementados; aberturas de poços precisam ser regulamentadas, pois embora se saiba que o número de poços vem crescendo vertiginosamente, não é possível quantifica-los por falta de controle dos órgãos competentes, e as aberturas indiscriminadas contribuem com o rebaixamento do lençol freático, influenciando na vazão dos mananciais, embora não se tenha dados suficientes para quantificar e qualificar estas influências.
Sobre água subterrânea no município, apresento alguns dados que não ousarei explicar nesta oportunidade, mas onde é possível perceber que o volume de água passível de ser explorada sem prejuízo ao sistema é bem pequeno (reserva explotável), mas esta informação pode embasar atividades de controle.
Enfim, a bacia hidrográfica do ribeirão Santo Antônio precisa de um olhar voltado para a conservação, sob o risco de em futuro próximo não termos mais condições de abastecimento (embora não seja apenas o caso desta bacia), mas ela é muito importante para nós cidadãos de Iporá. Fatores naturais estão evoluindo para condições severas de modificação, mas podemos ainda agir naquilo que nos é possível.
O curso de Geografia e o LAERSA estão à disposição da comunidade para aquilo que for possível esclarecer e estudar sobre os aspectos naturais e socioeconômicos do nosso município.
Sobre o autor:
É professor efetivo no curso de Geografia da Universidade Estadual de Goiás (UEG – Unidade de Iporá);
Bacharel em Geografia pela Universidade Estadual de Londrina (UEL);
Especialista em Análise Ambiental pela Universidade Federal do Paraná (UFPR);
Mestre em Geografia (Análise de bacias hidrográficas) pela Universidade Federal de Goiás (UFG);
Doutor em Geografia (Geomorfologia) pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU);
Pós-Doutor em Geografia (Dinâmica Subsuperficial da Água nos Solos) pela Universidade Federal de Goiás – CAJ/Jataí.