Fato que ganhou destaque nos últimos dias, foi uma ordem do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) determinando a suspensão da carteira nacional de habilitação (CNH) de uma moradora da cidade de Iporá-GO em razão de uma dívida que já supera os R$ 160.000,00.
O tema tem dividido opiniões entre a população. De um lado, os que se mostram contrários à medida, argumentam que ela representa uma ofensa à liberdade de ir e vir. De outro, os que aplaudem a iniciativa do tribunal de justiça goiano, por entenderem que ela confere maior efetividade à lei.
Eu, Hartus Magnus Gonçalves Bueno e o colega Fernando Costa Martins, da banca de advogados Hartus Bueno Advogados, fomos responsáveis pelo patrocínio do caso pelo credor.
A possibilidade de suspensão da CNH do devedor encontra fundamento no Código de Processo Civil de 2015, que, inovando a lei anterior, trouxe a possibilidade de aplicação de medidas como essa para forçar o devedor a satisfazer obrigações exigidas em juízo.
Relatamos que:
“É preciso deixar claro que a suspensão da CNH não é um fim em si mesmo; sua finalidade é compelir, induzir o devedor a satisfazer a obrigação perseguida em juízo, seja ela qual for: pagar quantia, fazer, não fazer ou de entregar coisa”.
Direito de Ir e Vir x Direito de Crédito
Salientamos que o direito de crédito representa, para o credor, expressão do direito de propriedade, assegurado pela Constituição Federal de 1988. A mesma Constituição assegura a todos direitos de liberdade, entre as quais a de ir e vir, a qual não pode ser privada a não ser por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente.
Defendemos que:
“Estando os dois direitos fundamentais (direito de propriedade e direito de liberdade) aninhados no mesmo texto constitucional, sem hierarquia entre si, há o interprete da lei de se valer de princípios como os da proporcionalidade e da razoabilidade para que se permita a coexistência de ambas as garantias”.
E foi neste sentido que decidiu o TJGO no caso concreto (processo nº 5208896.10.2018.8.09.0000), ao ter aplicado o entendimento de que seria irrazoável que a devedora não cumprisse com suas obrigações e, ainda assim, continuasse circulando em veículo luxuoso, uma S-10.
Segundo trecho da decisão, no voto do Desembargador Carlos Alberto França (disponível no link: http://www.tjgo.jus.br/index.php/home/imprensa/noticias/119-tribunal/18192-divida-justifica-suspensao-de-cnh-de-devedor):
“Ao que parece, a executada/agravada vangloria-se no Município de Iporá na direção de sua caminhonete GM/S-10”.
De qualquer modo, concluem os entrevistados, há se ter em consideração que nenhum direito fundamental previsto na Constituição Federal possui caráter absoluto, podendo ser relativizado, mitigado.
Neste sentido, pontuamos:
“Não pode o devedor, inadimplente contumaz, se insurgir contra a decisão que suspende sua CNH ao simples argumento de que tal medida represente ofensa ao seu direito de ir e vir, pois a rigor, deste não foi alijado, podendo continuar exercendo tal direito de vários outros modos, apenas não mais enquanto condutor de veículo automotor”.
Efetividade
Fazemos questão de ressaltar que a medida indutiva ou coercitiva, é aquela capaz de “incomodar” aquele contra quem é decretada, a ponto de fazê-lo entender ser mais vantajoso cumprir suas obrigações.
Afirmamos que:
“De nada adianta ao Estado-Juiz a decretação de medidas que não representem uma ‘pedra no sapato’ do devedor; a medida, para ser chamada de indutiva ou coercitiva, deve impelir o devedor a cumprir a obrigação, sob pena de tornar-se inócua, ineficaz”.
Pontuamos não ser este o primeiro exemplo de suspensão, inclusive de outros serviços importantes:
“Em outro processo sob o nosso patrocínio, logramos êxito em suspender, além da CNH, serviços bancários, linha telefônica e internet, além do passaporte do devedor. A decisão foi proferida no processo nº 201.502.755.712, oriundo da comarca de Israelândia – GO, da lavra do Juiz de Direito, Dr. Marcos Boechat Lopes Filho”.
Indispensabilidade da CNH
Em conclusão, acrescentamos:
“Diante de situações específicas, devidamente justificadas, pode o juiz determinar que a suspensão só ocorra por um período determinado, ou mesmo substituir a medida de suspensão da CNH por outra mais apropriada, a exemplo da suspensão de serviços bancários, de telefone e internet. Só o caso concreto revelará ao julgador a necessidade e adequação dessa e/ou outras medidas. É importante que, tanto credor, quanto devedor, procurem orientação em advogado de sua confiança, esclarecendo-se sobre as novas possibilidades previstas em lei, que acreditamos, vieram para torná-la mais rígida e eficaz”.