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Quanto risco estamos dispostos a correr na pandemia?

Em março deste ano, o Governo de Goiás decidiu não correr o risco de um contágio acelerado de coronavírus no Estado e decretou uma quarentena para todos municípios. Passado um mês, tendo o Estado se preparado mais, comprado equipamentos e ampliado a capacidade de atendimento médico, o Governador deixou a decisão nas mãos dos municípios. Em Iporá, a Prefeitura Municipal, ponderando o impacto econômico da suspensão das atividades das empresas, avaliou que poderia correr o risco e decretou uma ampla flexibilização do isolamento social. 50 dias depois, sabemos agora que o risco era real e convivemos com uma explosão de casos de Covid-19 na cidade e na região. Tanto a população, quanto o Ministério Público e a Justiça questionam a falta de embasamento técnico para a tomada de decisões em Iporá no que diz respeito à gestão da crise do coronavírus. Permanecemos em risco, mesmo com o novo isolamento social que entrou em vigor por decisão judicial na última quarta-feira, 10 de junho. Tudo indica que a situação se agravará muito nas próximas semanas e o isolamento precisará ser ainda mais rígido, bem como outras muitas providências precisarão ser tomadas para atender a alta demanda de Covid-19 que está por vir.

 

Toda grande empresa ou organização tem seu departamento de risco, que monitora os riscos que o negócio ou a instituição está correndo, tenta prever o que pode acontecer e que impactará a empresa, amenizar esses impactos, enfim, controlar os riscos de alguma forma. Não precisa ser uma grande empresa, o micro e o pequeno empresário também sabem que seu negócio tem um risco, nenhuma empresa traz 100% de garantia de lucro. Uma prefeitura e toda espécie de governo também precisam monitorar os riscos e se preparar para eles. Há quase três meses, o Oeste Goiano publicou um artigo meu onde alertava para muitos riscos provocados pela pandemia que estava começando a se alastrar pelo país. Também tenho feito constantes reflexões a esse respeito e conversado com outros iporaenses nas mídias sociais. O cenário perturbador que apontava lá atrás parece que já está bem evidente para todos de Iporá e região. De lá pra cá, alguma coisa foi feita, apesar de ser bem menos que o razoável. E se antes podíamos nos preocupar em como nos preparar para a pandemia, agora não temos mais esse tempo. Ela já chegou, com contágio comunitário proliferando o vírus, e o que podemos fazer agora é pensar na melhor maneira de socorrer a população nos vários desafios que essa crise apresenta.

 

Todo empresário assume o risco do negócio, aposta um capital que pode ou não retornar lucros. Mas, quando falamos da vida das pessoas, o risco que se pode correr é muito baixo. Portanto, fazer gestão de crise de um problema de saúde significa que, necessariamente, precisamos estar preparados para as piores situações. Para sermos responsáveis com as vidas que, de alguma forma, dependem de nós, não podemos contar com a sorte, precisamos estar preparados para o pior cenário, mesmo que esperemos que ele não aconteça. Nesse caso da pandemia, vale a pena termos em mente algumas projeções feitas pela Universidade Federal de Goiás, um trabalho que tem ganhado respeitabilidade tendo em vista o alto nível de acerto de suas projeções anteriores. Goiás tem apresentado há várias semanas um dos piores índices de isolamento social do país. E, dentro de Goiás, Iporá é dos municípios com isolamento mais baixo também. Se nada fosse feito para melhorar o isolamento, o estudo previa que, no fim de julho, a Regional de Saúde Oeste I, que integra Iporá e outros 15 municípios, poderia precisar de mais de 100 leitos clínicos e até 30 leitos de UTI para atender a população da região com Covid-19. Até lá, estimavam que até 149 pessoas poderiam morrer na região em decorrência da doença. Caso o isolamento social que Iporá começou na última semana aconteça com qualidade por mais algumas semanas e caso os demais municípios da regional também adotem medidas preventivas mais sérias, é provável que reverteremos a escalada progressiva da curva de contágio e evitaremos algumas dessas internações, economizaremos alguns leitos de UTI e pouparemos a morte de muitas pessoas.

 

De todo modo, ainda que consigamos diminuir a velocidade e abrangência do contágio, está evidente que a pandemia demanda uma estrutura de atendimento muito maior do que a que temos instalada em nossa Regional de Saúde – segundo as informações disponíveis, possuímos apenas 40 leitos dedicados ao atendimento de Covid-19 e nenhum leito de UTI. Tendo em vista essa realidade e observando por onde vai a gestão pública dessa crise em Iporá, o que fica subentendido é que todo tratamento grave que demandar UTI terá que ser realizado em Goiânia. Mas não sabemos se Goiânia terá capacidade de atender a demanda crescente de todo o Estado – na última semana, já foi noticiado que três hospitais não tinham mais vagas em UTI. Também não sabemos se todos os pacientes que possam precisar de uma UTI poderão esperar o tempo de transporte e enfrentar uma viagem para Goiânia, correndo o risco de ficar em filas de ambulância esperando vaga em hospital ou morrer no caminho, uma situação que tem acontecido em lugares onde a pandemia se proliferou antes de Goiás. Para termos uma noção melhor do cenário, imaginemos: num momento de alta demanda, se precisarmos transportar 3 ou 4 pacientes num único dia para Goiânia, teríamos ambulâncias para isso? Tendo em vista o alto número de profissionais da Saúde afastados porque foram contaminados pelo coronavírus, teríamos profissionais suficientes para o atendimento em Iporá e para acompanhar os pacientes até Goiânia? Para ser sério e fazer direito, é preciso pensar e encarar questões como essas.

 

As prefeituras precisam assumir para si a missão de coordenar todo esse caminho de atravessar a pandemia para que ela tenha o menor impacto possível, para que ela mate menos pessoas. O poder público tem que se sentir responsável pelas pessoas e não se esquivar do seu trabalho de promover a Saúde e também de educar, orientar, incentivar que a população se cuide. Não percebo isso em Iporá, tomara que nas demais cidades da regional seja diferente. Mas também não percebo um trabalho mais coordenado de todas as prefeituras da regional. E é fato: precisamos de mais leitos do que os que temos, precisamos da UTI que não temos, precisamos de médicos, enfermeiros, técnicos e agentes de saúde que deem conta de prestar esse atendimento, precisamos de medicamentos, de EPI e de testes – precisamos ter alguma autonomia de testes e não ficar dependentes somente daqueles que são enviados pelas instâncias superiores, podemos comprar testes diretamente. E temos recursos para essas providências, as prefeituras têm recebido recursos na casa dos milhões por conta da pandemia, principalmente Iporá, que concentra o atendimento da região. Mas as prefeituras têm que ter a vontade de transformar a realidade – e não consigo perceber isso. Não podemos tratar essa pandemia como se fosse mais uma campanha de prevenção à Dengue, por exemplo. A Dengue merece todo cuidado, mas nem de longe apresenta os mesmos desafios que a Covid-19. O que tento expor é que temos uma situação crítica, que demanda muita atenção e um alto número de profissionais dedicados com exclusividade, além de ser um desafio para o qual não temos referências, os médicos ainda estão tentando entender a Covid-19. O que sabemos é que é uma doença que pode levar à morte, cujo contágio é fácil de acontecer e que não temos remédio para ela, não temos vacina, não temos respiradores e nem UTI para todos. No nosso caso, não temos UTI para ninguém. E precisamos fazer alguma coisa muito rapidamente para lidar com essa situação se não quisermos ver pessoas queridas morrendo por falta de atendimento ou equipamento médico.

 

No meio dessa confusão, tão importante quanto a gestão dos processos de saúde é a comunicação. Nós, cidadãos, precisamos e merecemos saber em detalhes e com rapidez os acontecimentos relacionados à pandemia. Se Iporá concentra o atendimento de mais 15 municípios, precisamos saber da realidade da pandemia em toda região. Saber dos números da pandemia é essencial, mas não só isso. É preciso que as ações da Prefeitura e da Secretaria da Saúde para o enfrentamento à crise sejam comunicadas com clareza e agilidade. Em Iporá, não temos um local que centraliza as informações sobre a pandemia, hora o conteúdo é disponibilizado no site da Prefeitura, hora é falado na rádio, hora no Instagram, hora no Facebook, hora no WhatsApp. A população tem o direito de ter acesso a todas as informações de forma organizada e facilitada. Não é problema nenhum usar as mídias sociais, precisam ser usadas mesmo. Mas é necessário um trabalho mais profissional por trás delas. Podem ser bem utilizadas também na educação da população para a adoção de novos hábitos, que é coisa que não se aprende de uma hora para outra e seguimos precisando ser lembrados e esclarecidos sobre quais são as melhores formas de nos cuidarmos. Fazer isolamento social não é fácil. E a população precisa ser estimulada para isso. Mas essa intenção é outra coisa que não consigo perceber nas comunicações da Prefeitura. Pelo contrário, muitas vezes o que é estimulado é que as pessoas saiam de casa.

 

Falar que as pessoas precisam sair para trabalhar para não morrer de fome já virou um argumento pronto de quem não está disposto a fazer isolamento social. E não cabe à Prefeitura endossar esse discurso. A Prefeitura, sabedora que é da necessidade do isolamento social por uma questão de Saúde Pública, precisa é favorecer que os cidadãos façam o isolamento, facilitar o acesso ao Auxílio Emergencial e às linhas de crédito para as empresas. Escutei muitas vezes falarem que a população não tem condições financeiras de enfrentar o isolamento social. Mas, ao mesmo tempo, nunca ouvi falarem de alguma iniciativa conjunta da Prefeitura com a Câmara Municipal, por exemplo, para estruturar um benefício social do próprio município. Precisamos de outro tipo de discurso e de ação. Um discurso que estimule as pessoas a se dedicarem o máximo possível a proteger suas vidas e uma ação de suporte institucional e financeiro para que essas pessoas consigam fazer isso. É urgente que todos compreendam que estamos falando das nossas vidas e que precisamos nos cuidar. É verdade que muitos negócios não vão suportar esse risco imprevisto que é a pandemia, empresas vão fechar. Outras tantas vão tentar se reerguer com muita dificuldade em meio à recessão que já começamos a viver. Mas, apesar dessa realidade devastadora, é preciso que as empresas encarem com seriedade a necessidade de parar as atividades nesse momento para ser possível atender a todos que precisarão de atendimento médico, inclusive os empresários e seus funcionários. A Prefeitura pode ajudar essas empresas a superarem esse momento com uma política pública séria, estratégica e profissional, voltada às empresas locais. Em outras palavras: o poder público pode muito bem abandonar esse discurso fácil de que “não vai morrer de Covid, mas vai morrer de fome” e fazer o trabalho difícil que é ajudar toda a população da cidade a preservar a vida e a suportar o revés econômico que atingirá todos nós.

 

São muitos os desafios dessa pandemia e ninguém estava preparado. Tenho visto equívocos em Iporá, em Goiás, no Brasil e pelo mundo que, em algum momento, quem de direito deverá apurar as responsabilidades. Mas, nesse momento, precisamos é correr contra o tempo, porque o caos bate à nossa porta. E só podemos fazer esse enfrentamento com o que temos. Sejam bons ou ruins, os prefeitos dos 16 municípios da Regional de Saúde Oeste I foram eleitos pelo povo para governar para o povo. Que esses senhores façam a gestão da crise à altura do valor de nossas vidas. E que todos nós olhemos para além do próprio umbigo – essa pandemia não é individual, é um problema coletivo que só será resolvido quando toda a população, ou sua maioria, se envolver no esforço comunitário. No nosso caso, o esforço é coletivo das 16 cidades de nossa região: Amorinópolis, Aragarças, Arenópolis, Baliza, Bom Jardim, Diorama, Fazenda Nova, Iporá, Israelândia, Ivolândia, Jaupaci, Moiporá, Montes Claros, Novo Brasil, Palestina e Piranhas.

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