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Solidão de fazenda, um peão dormindo no cocho e semelhança com o Natal

Lázaro Faleiro traz a cena de Natal, de dois mil atrás, para uma realidade presente. Leia este comovente conto:

 

O COCHO DE SAL
(Lázaro Faleiro)

 

No carregar e no fazer jus, jeito e preceito ao nome e peso da cruz, José de Jesus, o enjeitado, o judiado das gentes, zanzava a esmo pelo mundo, qual cão vagabundo, quando chegou àquela vertente, criancinha ainda, pedacinho de gente. Maltrapilho, andarilho, menino sem destino, amanheceu na fazenda, linda prenda para Dona Olinda que o adotou como filho. Na desvalida lida da dura vida do campo, ali cresceu, viveu. Trabalho tinha tanto, uma tamina em cada canto, trabalho tinha de sobra: era pau para toda obra. Viver, crescer, envelhecer na voracidade e velocidade do devorador de idades, o tempo? No intento de ganhar a vida, na tesa tarefa sem alforria, dia e noite, noite e dia… Zezinho, vendo vários janeiros, envelheceu…

 

Tanta trabalheira, canseira, trabalho sem trégua! Carpir a terra com o arado e a égua. Tamanha tamina que nunca termina! O trato dos porcos, das galinhas, vigiar o poleiro, limpar o chiqueiro; levantar de madrugada para cuidar do gado leiteiro. Capinar o quintal, curar as criações… Tantas e tantas obrigações.

 

O bom mesmo era deixar o pensamento vagar a esmo… Ouvir o gostoso grogoló do rego d’ água tão familiar; no bem bom da noite, o burburinho do monjolinho no be-a-bá de seu baticum, a água fazendo “chuááá!..”, as batidas do pila-pilando fazendo “tum-dum!”, espantando a solidão, fazendo cócegas no coração; ouvir o nhambu piar lá no grotão, pra lá do cafundó; ouro só é ver o sol saindo sapeca, nascendo brejeiro, brincalhão, sarambeca, beijando a careca do patrão; os batentes das portas, as folhas das árvores, o capim do pasto numa ternura sem fim; sentir o cheirinho sem vergonha e azedo do curral; comer pamonha com curau; ouvir o carijó, cantor da alvorada, a garganta afiada, afinada, faca sonora na madrugada; a algazarra da passarada saudando o amanhecer; o porco pedindo, implorando, chorando o “de comer”; a chuva chiando, fininha, misturando-se ao sol, casamento da raposa, delicioso arrebol! Vozes várias, variedades de vibrações. Explosões de vidas pelos sovacos de serras e grotões. Múltiplas emoções!

 

Sozinho no sítio, Zezinho sente solidão?

 

Zezinho sabe que aquele dia é dia muito especial, dia de Paz e Felicidade. Os patrões partiram para a cidade para os festejos de Natal.

 

De noitinha, termina a tamina daquela tarde, sem muito alarde. O banho, o jantar requentado, guardado na chapa do fogão de lenha; lanhado, o corpo cansado, José de Jesus se põe a matutar: Como será o Natal? Os festejos, a alegria das pessoas, um Deus que abençoa a humanidade, conluio com a eternidade? O Amor, a Luz, a Paz, a Verdade? Nunca pôde participar de uma festa natalina na cidade… A patroa que é tão boa, sempre apregoa os primores do presépio: O Deus-menino, meigo, miudiquinho; a gruta, o carinho dos animais… Deveria ser por demais pobrezinho , o cotadinho…

 

Noite quente, o mormaço de chuva iminente envolvendo o corpo, a alma, o ânimo da gente. Molemente, o corpo cansado reclama por cama. Zezinho, meio zonzo… Imensa vontade o invade,vazão ao intento de querer dormir ao relento. Tamanha tinhanha de querer deitar naquele cocho grande de dar ração e sal para os animais, lá do curral… Dentro da casa o calor é por demais!

 

José de Jesus, no desfazer-se da cruz daquele dia, ainda matutando na fantasia de um Natal especial de Paz e Luz, num sus, caminha para o curral, docemente deita no velho cocho de ração e sal; após a oração, o ritual de inocente prece, o corpo arrefece…
José de Jesus , a alma de léu em léu, vagando num céu só seu, será que adormece ou está desperto? Os animais ali por perto e aquele sonho quase real…

 

No sonho, uma luz celestial envolve Zezinho em Paz, Ternura sem igual e uma voz, em tom amoroso, paternal, falando à alma e ao coração, direto, com muito afeto diz:
-Eis o meu filho dileto! Quem cumpre os desígnios de Deus, nunca está só, mesmo estando em solidão…”

 

E a chuva chega cheirando, chiando, acordando, lavando a mente, o corpo, o coração do cristão!

 

Zezinho, pleno de paz sem igual. À sua volta os meigos e mansos animais.

 

O repetir-se do milenar ritual do Natal, na singeleza de um velho cocho de dar ração e sal para os animais?

 

Para José de Jesus aquele foi o mais lindo dos Natais – um Natal de Luz e Paz!

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