São 60 dias que não volto ao trabalho de médico no Hospital Amparo, em Goiânia. Ainda estou recuperando de Covid-19, a doença que o mundo descobriu nesta terrível pandemia que ainda está presente nos cinco continentes. Já posso dizer que sobrevivi, mas só quem passou por essa doença sabe dizer o quanto é perigosa e mortal. A morte esteve perto de mim. Sobrevivi, mas ainda não estou cem por cento. Até acredito que quem passou por essa doença não fica mais cem por cento. Existem sequelas.
Quando eu contraí Covid-19 eu tinha dois caminhos. Esconder a doença e não comunicar com os amigos ou falar abertamente sobre tudo que estava ocorrendo comigo. Fiz a segunda opção. Passei a falar tudo que sentia, relacionando com os familiares e amigos no whatsapp. E fiz assim porque entendi que, como médico, eu tenho o dever de educar as pessoas e não podia deixar de comunicar, até como forma de orientar bem as pessoas. Foi o que fiz. Mesmo em momentos muito difíceis. Arrumei forças para usar do celular e comunicar, alertando a todos sobre os cuidados que se deve tomar para não contrair esse vírus.
Como médico, na linha de frente da batalha, em um hospital com vários infectados, sabia que havia risco para mim. Mas tomava todos os cuidados necessários. Me sentia com a imunidade boa. Mas infelizmente, embora com muitos cuidados tomados, peguei o vírus. E acredito que não foi de nenhuma pessoa não. Acredito que contraí esse vírus ao manusear fichas de pacientes. Como sou eu quem dou laudo em fichas de pacientes que passam por exame de radiografia, muitos papéis passaram por minhas mãos, papéis que estiveram em quartos de infectados. Ora, numa dessas fichas eu certamente peguei o vírus, em um momento de descuido, levando a mão a boca ou nariz. Acredito que foi assim.
E a partir de quando peguei o vírus, os sintomas vieram rápidos e foram se intensificando. No meu caso, foi tudo muito rápido e tive que agir mais rápido ainda. A princípio, no Hospital e, depois, com adaptação de uma UTI no meu apartamento. Embora com ações rápidas, a doença se apossou de mim de forma intensa. E é horrível o mal causado no aparelho respiratório. A falta de ar e o abatimento em todo corpo são terríveis. É nesse momento que o paciente pensa na possibilidade da morte.
No meu caso, pelo fato de ser médico e de poder entender as reações do corpo, isso me ajudou. Além de que tive condições de criar uma situação própria de atendimento, inclusive nos dias em que fiquei em casa. Mas mesmo assim, a debilitação foi horrível e pudemos sentir todo poder invasivo de uma doença que a medicina ainda não conhece direito. Nessas horas tive que me apegar a Deus, que acredito que valeu muito mais do que aquilo que a medicina pode fazer por mim. Foram muitos dias em situação muito ruim. E acredito que foi Deus que me salvou. Depois de muitos dias, quase 30, é que veio um alívio. Orações de tantos e a medicação que pode ser aplicada de forma muito rápida, foram importantes. Mas teve ocasião que tínhamos que mudar rapidamente essa estratégia de medicação pois percebíamos que não estava dando certo.
A doença ainda não tem cura. Não a conhecemos. O que existe é um protocolo de medicação que pode dar certo para uns e para outros não. No meu caso deu certo. Mas para muitos não dá certo, até por causa da lentidão em usar de alguma medicação. Quem tiver esse mal, tem que agir rápido, se não irá a óbito mesmo.
Fiquei por uns trinta dias em situação ruim, até começar a ter alívio no aparelho respiratório. Percebi que tinha a mão de Deus e as orações de tantos. Consegui me salvar. E eu preciso, com minha experiência ao passar pela doença, salvar a muitos com orientações. Tomem cuidado para não contrair um vírus. Um segundo de descuido pode ser fatal para sua vida.
A doença me trouxe muitas reflexões, inclusive, de que certas coisas na vida de nada valem. Vale muito a saúde, estar vivo e bem. E passei a observar melhor a sociedade, ver com tristeza o descuido de muitos com a doença e a forma como os governos lidam com o assunto.
Na área de gestão pública percebo que houve uma mistura de ignorância e vaidade, tanto do governo federal, quanto estadual e muitos prefeitos. Esses gestores, no afã de parecer, cada um fez suas besteiras. O governo federal deu mal exemplo, com presidente andando sem máscara e tratando a Covid-19 como se fosse uma doença qualquer. Quanto ao governo estadual decretou um lock-down horizontal idiota, sem fazer nada pela pandemia e causando desastre para a economia e tudo isso chancelado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Alguns prefeitos também descuidaram. Foi uma mistura de tudo e o Brasil nesta condição de país com milhares de mortes.
Agora, na parte terapêutica é preciso dizer que os hospitais de Goiânia estão com um protocolo bem definido, de tratamento agressivo e tem dado certo, salvando muitas vidas. Não há cura, mas esse tratamento sintomático muitas vezes dá resultado.
E os médicos e demais da equipe de saúde tem sido realmente heróis como dizem. Mas falta uma atenção melhor do governo para esses que são chamados de heróis. Os governos, federal e estadual, nada fizeram por esses que chama de heróis. Ora, esses são de profissão de risco e adoecem, ou morrem ou ficam até meses fora do trabalho. Devia haver uma recompensa financeira para estes e suas famílias. E nada foi feito. É uma pena.
Por fim, agradeço a todos pelas manifestações de carinho e as orações. É por tudo isso que aqui estamos, graças a Deus, com vida. Gratidão ao Criador e a todos. Que a vida prossiga e que cada um leve a sério esse momento de pandemia. Sou testemunha de que o assunto é muito sério. Tomem cuidado. Fiquem com Deus.