ARTE CURA
O Janeiro Branco é um alerta sobre a necessidade de darmos atenção e cuidarmos da Saúde Mental. Ao mesmo tempo, é uma campanha que visa superar os preconceitos que rondam as doenças mentais. Muitas pessoas adiam por meses ou anos uma necessária consulta psiquiátrica ou uma terapia, com receio de serem enxergadas como loucas, arrastando um sofrimento que poderia ter fim mais brevemente com ajuda profissional.
Diz o ditado popular que de médico e louco todo mundo tem um pouco. A pecha de louco acompanha os artistas não é de hoje, geralmente, uma forma depreciativa de olhar para as excentricidades dos trabalhadores da Arte. Sim, artistas costumam ser um ponto fora da curva. Mas é justamente essa peculiaridade que faz dos artistas sujeitos fundamentais no tecido social – sua contribuição com a comunidade talvez seja arejar os espaços cheios de racionalidade e dureza. De minha prática em Produção Cultural, sei que, quando um artista é privado de seu fazer artístico, é muito comum que ele acabe adoecendo. Porque, para o artista, a Arte não é um passatempo, é necessidade, vida, essência, sua forma de se conectar e dialogar com o mundo. E, dada a sensibilidade que permite ao artista ser artista, muitas vezes ele sente mais fortemente as adversidades da vida, com sua personalidade à flor da pele.
Não só os artistas, mas todos têm dentro do sapato um calo que aperta – e, portanto, todos merecem cuidados. O adoecimento mental muitas vezes é invisível, como o calo dentro do sapato, que os outros não percebem, mas quem tem sabe o incômodo que é. Quem decidiu caminhar uma longa jornada seguramente vai adquirir um calo em algum momento. É o preço a se pagar pela jornada, como as emoções incômodas acabam por ser o preço de se viver uma vida com objetivos, autêntica, presente, feliz. Felicidade não é um estado contínuo de alegria e bem-estar, pois, mesmo para alcançar objetivos nobres e prazerosos na vida, passamos por momentos difíceis. Nessa busca contínua de sentido e propósito para a vida, precisamos encarar com naturalidade os desafios que algumas circunstâncias nos impõem, sabendo que, se preciso for, existem medicamentos e técnicas terapêuticas que podem nos ajudar a superar esses desafios da melhor forma. Nesse contexto, faz bem perceber que todos têm dentro de si, muitas vezes invisível para os demais, uma genialidade artística esperando ser aflorada. Este artigo é para dizer que acordar o artista que tem dormido dentro de cada um pode ser o início de um processo de cura.
Pintar, cantar, tocar um instrumento, integrar uma apresentação teatral, fotografar, produzir artesanato, dançar, escrever e tantas outras expressões artísticas são práticas que trazem suavidade para a vida, nos ajudam a processar as emoções e a aliviar as tensões. Se, para o artista, a Arte é uma necessidade, para as pessoas em geral é uma escolha – uma ótima escolha. Arriscar-se a praticar alguma arte, mesmo que de forma amadora, é um caminho rumo ao desconhecido dentro de nós. E, conforme persistimos na prática artística, são notórios o bem-estar e a leveza que passam a fazer parte de nosso cotidiano.
O caminho da Arte não é lógico, nem racional. A Arte é uma forma de se expressar diferente do pensamento linear ao qual estamos acostumados. Se, no discurso formal, uma frase para ter sentido precisa de sujeito, verbo e predicado, em um poema, o sujeito talvez não exista, o verbo é dispensado e os versos acabam por expressar sentidos que a semântica e a sintaxe não alcançam. Se a tristeza é muitas vezes difícil de ser explicada em uma conversa com um amigo, uma canção tem o poder de nos fazer entender o que estamos sentindo de uma forma única. Se o cansaço tem esgotado os dias, dedicar-se a uma pintura ou a um trabalho artesanal por horas pode nos descansar, por incoerente que seja. Exemplos de como a Arte entra pelas frestas da nossa razão e alcança o que não conhecemos ou aquilo que tentamos esconder até de nós mesmos.
Como cantou Caetano Veloso, de perto, ninguém é normal. Somente cada um pode perceber seu estado emocional – o quanto a vida está leve ou pesada. Da mesma forma, é uma atitude pessoal dar o primeiro passo e procurar ajuda profissional de psiquiatras ou psicólogos, uma atitude que só toma quem decidiu se conhecer mais, seja por escolha, seja por imposição de um estado de saúde adoecido que passou a interferir fortemente no dia a dia. Nesse sentido, a Arte pode contribuir no entendimento de si mesmo, no acesso às emoções que não soubemos processar, na abertura para novas sensações e perspectivas de vida, suavizando o cotidiano e as relações. Arte cura e previne doenças.
A Toca, em parceria com profissionais e empresas, encerra nesta sexta-feira a Mobilização Suave Mente, uma forma criativa que encontramos de realizar um debate amplo sobre Saúde Mental e de trazer o Janeiro Branco para Iporá pela primeira vez. Em todos esses dias de Mobilização, recebemos diversos depoimentos de pessoas satisfeitas com as informações que disseminamos e com as atividades que propusemos, motivo de alegria para nós que organizamos essa produção. Não só em janeiro, mas que em todos os meses do ano sejamos capazes de lançar um olhar de cuidado conosco e com quem nos cerca.
Eros Guimarães – músico, poeta, pedagogo e produtor cultural da Toca. Além de trabalhos artísticos, a Toca começou a desenvolver projetos de Arteterapia e Estimulação Mental em 2021: @tocaenergiacriativa.
