Está no site do Tribunal de Justiça de Goiás e, portanto, de conhecimento público, a sentença proferida pela Comarca de Israelândia e que condena em primeira instância atos em legislatura passada, da Câmara Municipal daquela cidade. Cabe recurso para a sentença.
Diz respeito a três pessoas:
Wandes Alves das Neves: como Presidente da Câmara Municipal de Israelândia/GO, contratou o filho de um dos então vereadores mediante procedimento licitatório fraudulento e, mesmo após cientificado das irregularidades pelo Parquet, de má-fé, não rescindiu o contrato.
Thaynã Dias Ferreira Avelar: na qualidade de Presidente da Comissão Permanente de Licitação da Prefeitura de Israelândia/GO, fraudou o procedimento licitatório com o objetivo de direcionar o objeto licitado à pessoa determinada; mentiu quanto à realização de pesquisa de mercado; e não obedeceu às regras legais para realização da licitação.
Ronaldo Alves Lamonier: participou da fraude à licitação que culminou com a sua própria contratação como Advogado para o cargo de assessor jurídico da Câmara Municipal de Israelândia/GO, beneficiando-se do ato ímprobo.
Os réus contestaram a ação dizendo o seguinte:
Contestação apresentada pelo requerido Thaynã às fls. 627/655. Na ocasião, enfatizou que a única acusação que pesa contra si é aquela relativa à fraude ao procedimento licitatório, mas que, como Presidente da Comissão de Licitação, coube-lhe cumprir as ordens superiores para realização da licitação, como de fato o fez. Assevera que, a rigor, só lhe cabia reafirmar a lisura dos atos licitatórios que realizou, vez que todo o processo foi feito com zelo, honestidade e rigorosa observância das normas de regência e princípios que orientam a Administração Pública, o que se observa pelas cópias do processo licitatórios juntadas às fls. 42 e seguintes dos autos. Ao final pugnou pela improcedência da inicial.
Os requeridos Wandes Alves e Ronaldo Alves, apresentaram contestação (fls.657/694), apresentando documentos de fls. 695/705. Na oportunidade, frisaram a ausência de fraude à licitação, mesmo porque até o ano de 2012 a Câmara Municipal contava com a prestação de serviços de assessoria jurídica prestados pela Advogada Priscylla Aurora Ferreira Camargo, cujacontratação se deu por dispensa ou inexigibilidade de licitação, a qual auferia renda mensal em torno de R$ 2.000,00 a R$ 2.400,00, aproximando-se do valor pago ao réu Ronaldo que foi de R$ 2.700,00 mensais. Assim, esclarecem que o réu Wandes Alves, então Presidente da Câmara de Vereadores, deflagrou procedimento licitatório, pela modalidade convite, ao cabo do qual foi contratado o Advogado (ora réu) Ronaldo Alves Lamonier mediante remunderação mensal de R$ 2.700,00, sendo que a licitação foi realizada de forma regular sob a presidência do réu Thaynã Dias Ferreira Avelar, então Presidente da Comissão Permanente de Licitação. Destacam que não houve qualquer participação ou influência direta dos réus Wandes e Ronaldo em qualquer ato fraudulento à licitação, assim como inexiste ato ímprobo praticado pelos réus por dolo ou má-fé, enfatizando a ausência de prejuízo ao erário. Outrossim, ressaltaram que o réu Wandes, na qualidade de Presidente da Câmara Municipal, celebrou TAC com o Ministério Público comprometendo-se a promover a criação do cargo de procurador jurídico do órgão e prover o respectivo cargo por concurso público, o que foi homologado por sentença judicial, sendo que uma das cláusulas do TAC previu a permanência temporária do réu Ronaldo no cargo em questão até o mês de dezembro de 2014. Com efeito, dizem não se poder ignorar o TAC julgado por sentença com resolução do mérito prosseguindo-se na tramitação da presente ação, mesmo porque todas as cláusulas do TAC foram efetivamente cumpridas durante a gestão do réu Wandes. Por fim, sustentam a improcedência dos pedidos autorais e a revogação da medida liminar outrora proferida nesses autos.
O magistrado em sua sentença fundamentou da seguinte forma:
“Ao revés, o réu Thaynã precipitadamente contentou-se com um único orçamento apresentado pelo Advogado, Dr. Ronaldo Alves Lamonier, que, coincidentemente, é filho de um dos Vereadores então atuantes na Câmara Municipal de Israelândia/GO. E, demais disso, o valor orçado pelo dito causídico correspondia a cerca de 30% (trinta por cento) a mais da média do que era pago à Advogada anterior (Dra. Priscylla) e, aproximadamente, 100% (cem por cento) a mais do que era pago ao profissional que a antecedeu (Dr. Isley). Isso no período de 12 (doze) meses que antecedeu a licitação.
Eis o primeiro ponto que gera ilicitude do processo licitatório por infringir o princípio da moralidade administrativa, na medida em que era de se esperar que réu Thaynã pautasse sua conduta em princípios éticos e morais visando a lisura do procedimento em busca da melhor proposta e do profissional mais qualificado para exercício do cargo público em questão. No entanto, buscou encobrir com ares de legalidade a escolha de Advogado determinado que tinha vínculo de parentesco imediato com um dos vereadores em atuação nessa cidade à época do fato.
Tal objetivo se revela mais evidente quando se denota que era de se esperar que o único Advogado que apresentou orçamento para a pesquisa de mercado no início da licitação não fosse convidado a participar do certame justamente a fim de extirpar qualquer dúvida sobre a seriedade e licitude da licitação.
Aliás, sob meu olhar, a modalidade de carta convite sequer deveria ser permitida por lei justamente porque permite o direcionamento da licitação a pessoas determinadas previamente escolhidas pela comissão processante. E, na espécie, ficou claro, a meu sentir, que o orçamento prévio e o posterior convite direcionado ao Advogado, Dr. Ronaldo Alves Lamonier, tiveram o condão de apenas tentar encobrir a imoralidade de sua contratação como assessor jurídico da Câmara Municipal.
A contratação, em síntese, foi imoral seja porque foi convidado a participar do certame o único Advogado que apresentou orçamento para fins de pesquisa de mercado, seja porque este profissional era filho de um dos Vereadores daquela Casa Legislativa.
Outrossim, infere-se da licitação realizada que seu edital previa como requisito para a contratação, dentre outros, que o licitante demonstrasse o mínimo de 02 (dois) anos de prática forense ou especialização em Direito Público e/ou Administrativo, em curso de ao menos 360h. E, no caso, apenas o Dr. Ronaldo Alves Lamonier detinha tal título de pós-graduação. Isto é, não foram convidados licitantes que se encontravam na mesma situação fática e jurídica, porquanto os outros dois Advogados não possuíam à época título de especialista na área do Direito desejada.
Não se olvide que as propostas apresentadas pelos três licitantes são bastante próximas e diferem-se em apenas R$ 100,00 uma para a outra, ou seja, R$ 2.900,00; R$ 2.800,00; e R$ 2.700,00, o que se revela indício de que os proponentes, previamente ajustados, decidiram apresentar suas propostas de forma a direcionar ao primeiro lugar àquela referente ao réu Ronaldo Alves Lamonier, evidenciando-se a fraude à licitação.
Chama a atenção, nesse ponto, que o réu Ronaldo Alves Lamonier apresentou orçamento mensal de R$ 3.000,00 para prestação do serviço, no entanto, na licitação, diminuiu sua proposta para R$ 2.700,00, o que não é razoável, senão quando se infere que houve combinação prévia entre os licitantes, diminuindo cada um deles R$ 100,00, a partir do valor máximo licitado que era de R$ 3.000,00.
Ora, se o serviço foi orçado poucos dias antes pelo réu Ronaldo Alves Lamonier por R$ 3.000,00 ao mês, de se esperar que esta seria a sua proposta a ser apresentada na licitação. Do contrário, deveria ter orçado o serviço em R$ 2.700,00.
Com efeito, tenho que não assiste razão ao réu Wandes Alves das Neves quando, em seu Ofício nº 21/2013 (fls. 158/161) informa que não iria anular a licitação, conforme a recomendação nº 02/2013, do Ministério Público dessa comarca, por entender que o procedimento foi realizado respeitando todas as exigências legais e oferecendo oportunidade a todos os Advogados militantes não só na região, mas também a todos os Advogados interessados, inclusive à anterior Advogada da Câmara Municipal (Dra. Priscylla), embora esta não tenha recebido a carta convite porque não morava em Israelândia, não tinha residência fixa e não era advogada na região.
Isso porque, embora o réu Wandes tenha citado no mesmo ofício que a CPL não tinha o endereço da causídica, no mesmo documento indica o endereço dela encontrado através do sítio eletrônico da OAB/GO (vide fl. 160). Ou seja, o Presidente da CPL, o réu Thaynã, poderia facilmente encontrar o endereço da Advogada por meio do site da OAB/GO e convidá-la a participar do certame.
Ademais, o fato de ela não residir na cidade de Israelândia não a impediria de participar, mesmo porque inexistia tal exigência no edital da licitação em apreço, tanto que dois advogados com domicílio em Iporá/GO receberam as cartas convite.
Os fatos narrados, portanto, indicam claramente que a licitação foi fraudada e direcionada à contratação falsamente legítima de Advogado determinado: o ora réu Dr. Ronaldo Alves Lamonier.
Houve, pois, franca violação ao princípio da legalidade quando se deixou de observar o procedimento escorreito da licitação previsto na Lei nº 8.666/93 visando a contratação de pessoa específica para o cargo de assessor jurídico da Câmara Municipal de Israelândia/GO.
Portanto, a um só tempo, o ato se revela ímprobo por violação ao artigo 10, caput, e incisos VIII e XII, e no artigo 11, caput, e inciso I, ambos da Lei nº 8.429/92, por ter frustrar a licitude de processo licitatório e por atentar contra os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade à instituição (no caso, o Poder Legislativo local). Assim é que o réu ThaynãDias Ferreira Avelar, na qualidade de Presidente da Comissão Permanente de Licitação da Prefeitura de Israelândia/GO, fraudou o procedimento licitatório com o objetivo de direcionar o objeto licitado à pessoa determinada (o réu Ronaldo Alves Lamonier); não realizou adequadamente a pesquisa de mercado (poderia ter solicitado orçamento a outros Advogados, ainda que domiciliados em outras cidades); e não obedeceu às regras legais para realização da licitação. Agiu dolosamente visando fraudar a licitude de processo licitatório, permitindo e facilitando para que o corréu Ronaldo Alves Lamonier se enriquecesse ilicitamente ao ser contratado para prestar serviço remunerado de assessor jurídico da Câmara Municipal de Israelândia/GO. Sua conduta, portanto, atentou contra os princípios da Administração Pública, notadamente os da legalidade e da moralidade, para além de violar os deveres de honestidade, imparcialidade e lealdade às instituições. Praticou, assim, ato visando fim proibido em lei, qual seja, a contratação de pessoa para prestar serviços a órgão público mediante licitação fraudulenta.
Por sua vez, o réu Wandes Alves das Neves, como Presidente da Câmara Municipal de Israelândia/GO, contratou o filho de um dos então vereadores mediante procedimento licitatório fraudulento e, mesmo após cientificado das irregularidades pelo Parquet, dolosamente, não rescindiu o contrato, nem promoveu a anulação do certame licitatório. Em conluio com os demais réus, Thaynã e Ronaldo, frustrou a licitude de processo licitatório, permitindo e facilitando para que o corréu Ronaldo Alves Lamonier se enriquecesse ilicitamente ao ser contratado para prestar serviço remunerado de assessor jurídico da Câmara Municipal de Israelândia/GO, a qual presidia àquela época. Sua conduta, portanto, atentou contra os princípios da Administração Pública, notadamente os da legalidade e da moralidade, para além de violar os deveres de honestidade, imparcialidade e lealdade às instituições. Praticou, assim, ato visando fim proibido em lei, qual seja, a contratação de pessoa para prestar serviços a órgão público mediante licitação fraudulenta.
E, ainda, o réu Ronaldo Alves Lamonier participou da fraude à licitação que culminou com a sua própria contratação como Advogado para o cargo de assessor jurídico da Câmara Municipal de Israelândia/GO, beneficiando-se do ato ímprobo, por ter diretamente participado da fraude à licitude de processo licitatório, enriquecendo-se ilicitamente ao ser contratado para prestar serviço remunerado de assessor jurídico da Câmara Municipal de Israelândia/GO.
Sua conduta, portanto, atentou contra os princípios da Administração Pública, notadamente os da legalidade e da moralidade, para além de violar os deveres de honestidade, imparcialidade e lealdade às instituições. Praticou, assim, ato visando fim proibido em lei, qual seja, a sua contratação para prestar serviços a órgão público mediante licitação fraudulenta. De se destacar que, na espécie, a lesão ao erário, exigida pelo caput do artigo 10 da Lei de Improbidade Administrativa, revela-se na medida em que o réu Ronaldo Alves Lamonier foi efetivamente contratado para prestar assessoria jurídica à Câmara Municipal de Israelândia/GO mediante remuneração de R$ 2.700,00 mensais”
PARTE FINAL DA CONDENAÇÃO:
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido para condenar os réus WANDES ALVES DAS NEVES; THAYNÃ DIAS FERREIRA AVELAR; e RONALDO ALVES LAMONIER simultaneamente nas penas do artigo 12, incisos II e III, da Lei nº 8.429/92, que ficam assim estabelecidas:
i) a todos, solidariamente, o ressarcimento integral do dano consistente no valor de R$ 56.700,00, acrescido de correção monetária pelo INPC, a partir do ajuizamento da ação, e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a partir da citação;
ii) a todos, a suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 08 (oito) anos, considerando que cinco foram as condutas consideradas ímprobas (artigo 10, caput, e incisos VIII e XII, e no artigo 11, caput, e inciso I, ambos da Lei nº 8.429/92);
iv) a todos, individualmente, pagamento de multa civil correspondente ao valor atualizado do dano causado ao erário, conforme item i acima, em favor do Município de Israelândia/GO;
v) a todos, proibição de contratar com o Poder Público, Federal, Estadual ou Municipal, ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 05 (cinco) anos. Condeno os réus, ainda, solidariamente, ao pagamento das custas processuais. Sem honorários advocatícios de sucumbência.