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Professor Moizeis relembra o futebol na Iporá de tempos atrás


Professor Moizeis Alexandre Gomis fala hoje de futebol. A rivalidade entre times era muita.  Aqui, outro capítulo do livro O CONTO QUE O POVO DIZ E EU CONTO POR MENOS DE UM CONTO.  Vamos à leitura:

CAPÍTULO ONZE

 

CHUVA DE PEDRAS E TITICAS NA FINAL DE CAPEONATO, ENTRE CAPELA E GRÊMIO ESTUDANTIL
 
 
As competições de times de futebol em Iporá começaram para valer, tanto na cidade como na zona rural, por volta da década de 1950. Eram realizadas por times organizados de forma improvisada e esporadicamente, onde havia bons jogadores e não faltavam também os “pernas de pau”. Disputas animadas e, às vezes, violentas que acabavam em “quebra-pau” feio. Os jogos, na zona rural, geralmente aconteciam entre os jogadores das fazendas de regiões diferentes. Na cidade, as disputas ocorriam entre os moradores do centro e os do Bairro Mato Grosso ou “dos de cá e dos de lá do Córrego Tamanduá” com diziam, e entre os estudantes do Grupo Escolar Israel Amorim e os da Escola Reunida Dom Bosco.

O campo de futebol nas fazendas era feito à custa de enxadão e enxada e na base do mutirão. Em Iporá, era mais elaborado e ficava ora em área destinada à construção de praça no loteamento original, ora em quadra vaga. Jogar futebol, tanto nos campos da zona rural como da cidade, constituía-se um duplo desafio para os jogadores: o primeiro com o time adversário e depois com as irregularidades do terreno, que faziam a bola quicar e fugir deles negaciando como um animalzinho velhaco! No início dos anos 50, o campo de futebol “municipal” de Iporá ficava no local da futura Praça Elpídio Paes, atual Praça dos Trabalhadores. (Municipal… é ironia, visto que a Prefeitura mandava patrolar a área!). Com o crescimento da cidade, o campo foi transferido para a Quadra 17, entre as ruas Catalão e Goiânia, com as avenidas Rio Claro e Caiapó, na beira da estrada de acesso ao antigo aeroporto. Na época, 1957, ficou isolado no meio do cerrado.

Campo, aliás, do qual me lembro muito bem. Primeiro, porque próximo à sua cabeceira oeste havia apenas duas casas de adobe: uma do Luizinho cisterneiro e a outra de Joaquim Alexandre, meu pai (lotes hoje ocupados pelo Baratão Shopping). Segundo, porque tive ali uma experiência, como gandula, que marcou minha vida para sempre. Todas as vezes que havia jogo eu me colocava atrás do gol, que ficava ao lado da minha casa, para pegar a robusta “bola de capotão” e ter o prazer de chutá-la. Ficava feliz da vida só de abraçar aquela gorducha redonda (na época a bola oficial era maior que as atuais) feita de couro e que, à medida que ia se desgastando, ficava cheia de deformidades, como se estivesse sofrendo de abscessos! Certa tarde, de um dia de meio de semana, durante um treino do time da turma do centro, eu estava lá no “meu posto”, a alguns metros atrás do gol “sem rede”… Quando o sapateiro João Pitico, famoso por ter o chute mais forte dos jogadores de Iporá, treinava chutes a gol, foi então que, quando menos esperava, encontrei-me deitado de costas no chão, todo ensanguentado, depois de ter sido acertado em cheio no rosto por uma “bala de canhão!”

O próprio autor do nocaute me pegou nos braços e levou-me para minha casa, deixando que minha mãe cuidasse do meu nariz quebrado – e que ainda permanece torto! Naqueles tempos não existia hospital na cidade, apenas o médico e filantropo Dr. Júlio, com seu consultório em uma sala de sua casa (onde hoje fica a Livraria Degraus). Talvez, por não considerar o “acidente” um caso grave, que precisasse recorrer a médico e farmácia, que até existiam duas – para não dizer, por limitações impostas pela pobreza – minha mãe apelou mesmo foi para os remédios caseiros: arnica, sumo de erva santamaría (mastruço) e óleo-de-pau (copaíba). A maior lição, contudo, que tirei daquela bolada (quem dera tivesse sido da LEG), foi que ser gandula em gol sem rede é uma profissão de alto risco, sem falar na promessa de que eu iria dançar o “samba lelê” ao som do cinturão do meu pai, caso beirasse outra vez campo de futebol!

Na década de 1960, os times que fizeram história foram o Capela e o Grêmio Estudantil, do Colégio Estadual de Iporá, posteriormente Elias de Araújo Rocha, que funcionava no prédio da Escola Reunida Dom Bosco. O nome Capela adveio da Capelinha dedicada a São Francisco de Sales (conforme dizia o padre Wira nas festas realizadas ali e que depois se descobriu, no Cartório, que fora registrada como de São Francisco das Chagas), construída em 1962, pelo padre Olavo Schemer, na qual ele abriu duas salas para as crianças pobres estudarem da alfabetização até ao segundo ano, quando então migravam para as duas únicas escolas públicas da cidade para continuarem os estudos: o Grupo Escolar Israel Amorim e a Escola Reunida Dom Bosco. As crianças eram, na maioria, filhos de agricultores pobres sem terra e ex-agregados, como meus pais, vítimas do Êxodo Rural motivado, em parte, pelos rumores da “lei do Usucapião” e da Reforma Agrária propalada pelo então Presidente da República, Jango Goulart,  que deixavam os fazendeiros com os cabelos em pé. Em 1964, minha família, ao mudar da “roça” para a cidade, foi morar ao lado da Capelinha, em um barracão de três cômodos que meus pais compraram, onde acabaram de criar seus dois filhos e duas filhas e ali viveram até o fim de suas vidas.

Aquela pequena área, na época isolada da cidade, que fica a oeste da Rua Francisco Sales, a partir da Av. Lambari até a Ademar Ferrugem, foi nomeada de Bairro São Francisco. Mas ficou popularmente conhecida a Capela. Em um terreno pertencente à Sociedade dos Vicentinos, no qual foi construída a Capelinha, havia uma invasão feita por pessoas pobres que não tinham condições de comprar um lote para construir seu barraco. Os estudantes da Capelinha não usavam uniformes e muitas vezes iam para a escola de chinelas “havaianas” ou descalças, levando os objetos escolares em bornal ou capanga. Por ser o setor mais pobre da cidade, em razão disto, as crianças e jovens dali eram, em geral, estigmatizados como gente de caráter duvidoso, como ainda ocorre com moradores das favelas. Mas essa concepção pejorativa não passava de preconceito, pois, todos viviam em paz, honestamente e não existiam ali furtos, badernas, usuários drogas e violências. Os jovens e adolescentes e até as crianças trabalhavam em todos os tipos de serviços: braçais como cortar capim no campo para os fabricantes de colchões, vender lenha transportada em carrocinha de mão ou puxada por jumento para abastecer as residências; vendendo frutas, bolos e pirulitos em frente as escolas; de engraxates, de empregadas domésticas; enfim, não havia ali lugar para a malandragem. Eram inteligentes, bem educados, estudiosos e conviviam em um espírito de amizade e solidariedade. As crianças brincavam juntas, faziam seus campinhos de futebol capinando o cerrado, onde jogavam suas “peladas”, às vezes, chutando “fruta de lobo”, a conhecida lobeira, porque desconheciam bolas de meias (cheias de trapos) e não podiam comprar nem uma de borracha, pois não havia ainda as baratas e confortáveis de plástico.

Foi nesse contexto socioeconômico que nasceu o time Capela, formado por aquela rapaziada da Capelinha, acostumada a jogar descalços e a chutar lobeiras duras. Onde foram revelados muitos jovens talentosos no domínio da bola, cujos nomes, infelizmente, ficaram no esquecimento, dos quais se destacaram o Miséria e o Moacir, craques que deslumbravam a torcida e assistentes com seus dribles e jogadas geniais, peraltices com a bola em campo e gols espetaculares. Contudo, o Miséria era o craque maior, “o Pelé” do Capela! Assim, o time logo se tornou conhecido na cidade e região e temido pelos times rivais. Pois aonde ia, quase sempre vencia e encantava os espectadores.

Na mesma época, surgiu também o Grêmio Estudantil, que era conhecido apenas como O Grêmio, time formado, na maioria, por estudantes e jovens de famílias ricas e remediadas: para o Capela era o time da elite, ao passo que alguns gremistas alfinetavam os capelenses chamando-os de ralé! Na verdade, os gremistas representavam as classes sociais dos abastados e melhores de situação financeira. No seu quadro de jogadores também havia excelentes atletas, sendo o Anisinho (atual dono da Escolinha de Futebol, próximo ao Lago Por do Sol), filho do fazendeiro Odilon José de Oliveira, e o estudante João Bosco, filho da comerciante pioneira de Iporá, a popular dona Duzinha. João Bosco tinha talento para se projetar como um grande profissional, mas morreu muito jovem, vítima de crupe (segundo se comentou na época). O que deixou a cidade e, principalmente os estudantes, tristes e uma lacuna irreparável no Grêmio. Pois, como Anisinho, Paulo Afonso era um craque de dribles e jogadas brilhantes, cenas que já não eram mais vistas nas ensaiadas tabelinhas feitas em campo pelos dois colecionadores de gols.

Por volta de 1967, houve um campeonato dos times de Iporá e, como era de se esperar, a final foi decidida entre o Capela e o Grêmio Estudantil. Nessa época o campo de futebol comunitário desceu lá da
Quadra 17 para a praça onde posteriormente se construiu e ainda permanece o prédio da Colégio Estadual Elias de Araújo Rocha, atual CECONJ, ficando mais perto do centro da cidade. Estava todo patrolado, com as laterais cobertas de terra fofa esparramada pela patrol. Os gols, nas duas cabeceiras – um do lado da Rua Catalão e o outro ladeando a Rua Goiânia – cheiravam tinta fresca e exibiam redes novas. Uma faixa branca, feita com solução de cal derramada no chão, marcava a área retangular do campo, a linha transversal que o dividia meio, o círculo central com a marca da saída de bola e as grandes e pequenas áreas contíguas aos gols. O campeonato ocorria no tempo da seca, para que a chuva não desestimulasse os torcedores e assistentes de marcarem presença no jogo e, de fato, a quadra ficou apinhada de gente ao redor, sobretudo nas laterais. Barulho das torcidas e dos foguetórios não faltou. Eu, como fiel torcedor do Capela, também estava lá, no lado de cima, correspondente á Avenida Rio Grande do Norte, quieto no meu canto, já que minha timidez extremada de adolescente não permitia participar da furupa.

Cada time tirou sua foto para ficar para a posteridade (se é que ficou). O árbitro apitou o início do jogo e a “batalha” começou. Jogo bonito, com categoria, que dava gosto assistir, mas cheio de faltas duras e com jogadores encardidos de poeira vermelha de tanto rolarem no chão. A adrenalina ficava sempre nas alturas. Saíram vários cartões amarelos e o juiz, só não deu vermelhos e nem marcou pênaltis, porque não era doido, sabendo que estava cercado por uma multidão com os nervos na flor da pele e sem alambrado…! Bola pra lá, bola pra cá e, de ambos os times, o que se via eram chutes prá fora, pra cima, defendidos pelos goleiros, na trave, nas balizas da direita e da esquerda (naquele tempo o português do futebol era mais culto e específico, não se nomeava, idiotamente, todas as três peças de trave!) e gol mesmo, nada. No primeiro tempo ficou em zero a zero. Começado o segundo tempo, logo o Capela marcou o primeiro! Daí a pouco, o segundo! O Grêmio, mesmo com seus jogadores e craques dando tudo o que podia, não conseguia fazer gol. Logo o Capela marcou o terceiro! A essa altura da partida, a coisa começou a ficar feia entre as duas torcidas. Gestos provocantes, palavrões e xingamentos ocorriam soltos de ambos os lados do campo, onde concentravam as duas torcidas rivais. Pressentindo que o negócio ali não ia ficar bem, dei um jeitinho de sair de fininho e fiquei assistindo de longe, perto do templo da Igreja Congregação Cristã que, na época, se erguia solitário no meio do cerrado, ainda em construção.

Quando o juiz apitou o encerramento do jogo, apontando para o centro do campo, o céu se escureceu, mas foi de chuva de poeira e de pedras atiradas por mãos. Parecia que a guerra do Vietinã tinha vindo parar em Iporá…! Junto com as pedradas as duas torcidas, de ambos os lados do campo, agora reforçadas nos combates por turbas enfurecidas, atiravam qualquer troço que encontravam: poeira, paus, pedaços de tijolos e de telhas, botinas e sapatos velhos, até “titicas” de cavalos e de cachorros iam para os ares, caindo nas cabeças dos “combatentes”! Mas “eu que não era besta para dar uma de herói, não era um fora da lei, nem era caubói”, fiquei assistindo tudo de longe, pronto para, no vigor dos meus dezesseis anos, chispar na carreira, caso aquele “fuzuê” viesse para o meu lado! A “guerra” capelense-gremiana só não terminou com maiores danos porque, como a gente vivia no regime Militar de 64, o pessoal sabia que a polícia, que estava em peso ali presente, descia o cassetete em baderneiros sem dó e sem medo. Assim, se contiveram de maiores excessos, possibilitando que os jogadores vazassem, deixando as torcidas em seus combates rudimentares até que se dispersaram, quando perceberam que a “Dona Justa” não estava para brincadeira…

Não demorou muito tempo, depois daquele fatídico campeonato, para que chegasse o futebol profissional com o Umuarama Esporte Clube e depois a Associação Atlética Iporaense – fundados, respectivamente, por seus torcedores e fãs número um, Adelar Dias, gerente do Banco do Brasil, e Antônio João, fazendeiro da região de Cedro. Eles também vivenciaram seus dias de glórias nos campeonatos regionais e goiano (mas essa já é outra história). Esses clubes agregaram os melhores jogadores do Grêmio e do Capela, marcando assim o ocaso da “era de ouro”dos dois vivais.

Os times amadores, no entanto, continuaram existindo e outros surgiram no decorrer dos anos, como o Itajubá Esporte Clube. Com a construção do prédio do Colégio Elias, o campo de futebol foi transferido para o Bairro Mato Grosso em local onde, anos depois, construíram o Hospital Municipal. Daí, mais uma vez, o campo foi parar próximo ao Cemitério Novo. Finalmente, a história da saga do campo de futebol de Iporá terminou com a construção do Estádio Municipal “Ferreirão”, que, por coincidência ou ironia do “destino”, é vizinho da Capelinha São Francisco, o berço do Capela!

Felizmente o tempo se encarregou de dissipar o estigma preconceituoso do Bairro São Francisco, hoje urbanizado, bonito e agradável para se morar, com belas casas, escola pública e edifícios comerciais na vizinhança. A antiga invasão que se transformou em um setor com residências dignas e confortáveis, embora ainda não legalizada, com a posse dos terrenos garantida apenas pelo direito de Usucapião. Ali foi construído também o abrigo de idosos Lar São Vicente de Paula, em área anexa à Capelinha, que há anos foi demolida, para a construção de um salão de reuniões. O barracão onde morava seu Inácio e dona Divina, zeladores da Capelinha e da Escola – e tintureiros requisitados pelos usuários de ternos e roupas granfinas da cidade – deu lugar a uma nova casa.  Recentemente se inaugurou, ao lado do salão, uma moderna Capela, completando o aspecto de arte e beleza arquitetônica do segundo bairro mais antigo da cidade, depois do Bairro Mato Grosso. Algumas pessoas, se por resquícios do velho preconceito ou ignorância, colocam em seus endereços residenciais como sendo Setor Central. Mas seu nome histórico é mesmo o do santo São Francisco: se é de Assis, de Sales ou das Chagas, isto é o de menos. Tem mais, quem doou a área para a construção da Capelinha foi um nordestino que se chamava Francisco, o nome da rua – consagrado pelo povo – também é Francisco Sales, em homenagem ao primeiro professor de Iporá, quando ainda era Itajubá, antes de existir Grupo Escolar Israel Amorim e Escola Reunida Dom Bosco (embora, da Av. Rio Claro para cima, seu nome seja oficialmente Cristo Rei).

Por isso, nunca tive vergonha de ter sido da Capela e de ter estudado na Escola da Capelinha, antes tenho orgulho de a história de minha vida se confundir com a do segundo Bairro Mais antigo de Iporá, como também faz parte da história muitos de iporaenses bem sucedidos profissionalmente, dentre eles o advogado Dr. Divino Moreira, Ovídio, diretor aposentado do IBGE  de Iporá, seu irmão Joaquim, proprietário da loja Varejão dos Tecidos, além de professores, enfermeiras e muitos outros profissionais especializados que tiveram sua vivência escolar de infância na Capelinha, que neste ano de 2012, completa meio século de fundação.

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