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O dia que Juscelino Kubistchek dormiu na cidade de Iporá


Arrumar um bom colchão é que foi o desafio. Mas conseguiram. Professor Moizeis Alexandre Gomis conta em seu livro O CONTO QUE O POVO DIZ E EU CONTO POR MENOS DE UM CONTO essa interessante passagem da História de Iporá. Vamos ao capítulo:


CAPÍTULO CINCO

O DIA QUE JK DORMIU EM IPORÁ

Brasília, obra prima da arquitetura e engenharia modernas, criada pela genialidade de Lúcio Costa e Oscar Niemayer e que tomou forma pela ousadia e competência administrativa do Presidente Juscelino Kubistchek – hoje tombada como Patrimônio da Humanidade – acabava de ser inaugurada. O Brasil vivia a euforia dos “anos dourados”, com seus efervescentes movimentos políticos e sociais de bases, resultantes de uma expressiva liberdade democrática, apesar da fragilidade institucional da forma republicana de governo. Partidos políticos de esquerda como PCB e PC do B, defendiam a substituição do sistema capitalista pelo socialista/comunista, enquanto que o PTB, PSD, PTN, de centro-esquerda, pleiteavam reformas sociais menos radicais. Trabalhadores rurais, representados por líderes sindicais da Liga Camponesa e políticos esquerdistas, reivindicavam uma ampla Reforma Agrária. A União Nacional dos Estudantes (UNE) agitavam o mundo estudantil e acadêmico, exigindo reformas e políticas educacionais que tornassem a Educação Pública acessível às camadas socioeconômicas de menor poder aquisitivo.

Enquanto que, por outro lado, a elite burguesa e aristocrática remanescente, representadas por partidos de direita e de centro-direita, como a UDN, PTN, PR, e entidades religiosas conservadoras, tanto católicas como evangélicas, agitavam também as massas populares com o discurso da fobia anticomunista e manifestações de ruas, como a “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”. Movimentação reacionária esta que teve resposta popular, graças à conjuntura socioeconômica instável, criada, sobretudo, pela inflação galopante que assolava, principalmente, os trabalhadores, decorrente, em parte, do alto endividamento externo do país, contraído durante o governo de JK, para construir Brasília e realizar projetos nacionais de infraestrutura.

É nesse clima que aconteceu a visita inusitada de JK à pequena e isolada cidade de Iporá dos anos 60, do século passado. Fato desconhecido de grande parte da população iporaense e só lembrado por poucas pessoas que ainda vivem, daquela geração. O ano era 1961. Como havia sido aberta uma vaga extemporânea no Senado Federal para Goiás, JK foi indicado pelo Partido Social Democrático (PSD) goiano, para concorrer à sua ocupação. O ex-presidente, que havia construído Brasília e a inaugurado em 1960, acabara de passar a faixa presidencial para seu sucessor eleito, Jânio Quadros – o fenômeno eleitoral da “vassoura varredoura de corrupção” (que ficou só na promessa) – em 31 de janeiro de 1961. Nas andanças que fez durante a campanha eleitoral, visitando quase cem municípios goianos (que incluía na época o Estado do Tocantins), veio também a Iporá, onde foi recebido com festa pela população, mesmo sendo o prefeito, na ocasião, Manoel Antônio da Silva, da União Democrática Nacional (UDN), partido da oposição. Pois Israel de Amorim, do PSD, apesar de ter perdido a eleição municipal para o candidato da UDN, ainda continuava sendo um líder pessedista influente na região, inclusive como deputado estadual, de 1961 a 1963.

Tendo visitado as cidades do Mato Grosso Goiano, inclusive a antiga capital, a cidade de Goiás, antes de ir a Jataí, onde iniciara sua campanha para presidente em 1955, Juscelino Kubistchek chegou a Iporá, de avião, numa tarde em meados do mês de maio. Um grande comício foi realizado. A festa começou com a fanfarra e banda de música do Grupo Escolar Israel de Amorim, regida por João de Souza Santos, recebendo o ex-presidente no aeroporto e desfilando pelas ruas poeirentas da cidade.  O palanque onde JK discursou foi levantado na Praça Elpídio Paes (atualmente do Trabalhador, onde estão o banco Itaú e o Correio).

A multidão se reuniu como nunca havia acontecido antes em um comício em Iporá, vinda das fazendas, dos distritos e das vizinhas cidades de Amorinopólis, Israelândia, Jaupaci, Diorama, Ivolândia, Moiporá e Montes Claro de Goiás, para ver e ouvir “o homem que mudou a capital do Brasil do Rio de Janeiro para Goiás”, como esnobava o povo. Juscelino Kubistchek, interrompido várias vezes por ovações e estrondosos vivas e aplausos, discursou agradecendo aos iporaenses pela alta votação recebida na eleição para presidente, em 1955, falou de seus projetos para Goiás no Senado Federal e concluiu dizendo: “Os senhores sabem muito bem e já têm provas disto, que eu não sou homem de promessas, mas, de realizações; por isso, conto com seus votos para chegar ao Senado e, assim, poder ajudar Goiás a continuar na sua marcha do progresso, iniciada com a construção de Goiânia e acelerada com o nascimento de Brasília, um sonho de tempos distantes da história do Brasil, que hoje é uma realidade concreta, sonho que assumi, pela primeira vez, o compromisso de torná-lo realidade aqui em Goiás, na cidade de Jataí, onde pretendo estar ainda hoje”. “Muito obrigado a todos pela prestigiosa presença e apoio mais uma vez demonstrado à nossa candidatura e pessoa!”.

Tendo o comício terminado mais tarde do que o previsto, prorrogando-se até à noite, e por não ter havido condição para decolagem do avião que transportava o ilustre visitante, ele acabou pernoitando em Iporá, criando um problema de hospedagem, pois a cidade não tinha hotel nem mesmo de “uma estrela”!  A solução foi hospedá-lo na Pensão de Dona Constância, então a mais confortável, situada na esquina da Av. Dr. Neto com a Rua Esmerindo Pereira (local hoje ocupado por um prédio de três andares, nº 318). Aí surgiu outro problema, visto que, na pensão só existiam colchões feitos de capim, pois apenas as pessoas “ricas” se davam ao luxo de dormir em colchões de mola e colchão de espuma ainda era coisa que estava para ser inventada! Então, Saulo Melo, na época adolescente com 17 anos e seu colega de escola, Itamar do Felipão, foram encarregados de buscar o colchão da jovem diretora do Grupo Escolar Israel de Amorim, Milca de Souza Santos, na Av. 24 de Outubro, emprestado à dona da pensão. Logo eles estavam de volta, subindo a pé pela Rua Esmerindo Pereira, sentindo na cabeça o “peso da responsabilidade”, parecendo duas formigas cabeçudas em serviço!

Problemas da hospedagem e do colchão resolvidos, à parte, o mais correu tudo nos conformes, já que aquela situação não era novidade para o ex-presidente, que fora menino pobre na cidade mineira de Diamantina, filho de mãe lavadeira de roupas e “professora primária”. No outro dia cedo, após um café caprichado – que para dona Constância ficou na história da sua pensão e de sua vida – sem “reclamar de dor nas costas” e dizendo ter dormido “um sono de anjo”, JK seguiu viagem para Jataí. Onde participaria de mais um comício, oportunidade em que, por certo, iria falar de emocionadas reminiscências da primeira campanha.

Ainda hoje se ouve histórias cômicas sobre esse dia inusitado para os iporaenses daquela época. Como a de Ari Alves (o Ari da Farmácia Goiás), que fora cumprimentado pessoalmente por JK no aeroporto e por isso disse: “Vou passar uma semana sem lavar a mão com a qual peguei na mão do homem, para conservar a benção dele!” Marilu, na época com quatro anos de idade, filha da professora Maria Burjack, hoje aposentada, ainda se lembra de Juscelino Kubistchek tê-la pegado nos braços, abraçado-a e brincado com ela. Brincou também com outras crianças passando a mão em suas cabeças, que ainda hoje, como pessoas adultas, se lembram muito bem daqueles momentos. Nessa época, eu tinha 10 anos de idade, mas, como morava na “roça” e dava o duro na lavoura, de sol a sol, de segunda a sábado, com meu pai, e não lhe sobrava tempo para ir com os filhos assistir comícios, não pude estar no evento, embora morasse a apenas duas léguas da cidade.

A eleição ocorreu em 04 de junho de 1961. Abertas a urnas, Juscelino estava eleito com 146.366 votos, contra 26.800, do seu concorrente da UDN, Wagner Estelita Campos. Esta foi a última eleição que concorreu, pois, com o Golpe Militar de 1964, que instaurou um regime ditatorial, JK teve, injustamente, seu mandato cassado em 8 de junho de 1964 e os direitos político suspensos por 10 anos. Como a ditadura durou 21 anos, JK foi impedido de voltar à vida política, mesmo depois de já ter sido expirada sua cassação. Tendo passado por dois exílios, na Europa e nos Estados Unidos, por fim, retornou ao Brasil, onde morreu num acidente automobilístico na Via Dutra, quando ia de São Paulo paro o Rio de Janeiro. Assim encerrava a história de um dos maiores estadistas brasileiros do século XX, “o profeta que começou a preparar o Brasil para o século XXI”, como declarou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

 É verdade que historiadores, acometidos do “velho ranço udenista” e do criticismo radical da esquerda “iluminada”, rotulam JK como tendo sido um populista demagogo, que promoveu o desenvolvimento nacional à custa do endividamento externo; da entrega do país às multinacionais; e de uma inflação galopante; além de outras críticas. Igualmente minimizam as realizações de Getúlio Vargas, classificando-o como um político paternalista, focando suas análises históricas nos aspectos negativos do Estado Novo (um regime de exceção que foi necessário, na época, para que as oligarquias aristocráticas, depostas na Revolução de 30, não retomassem o poder). No futuro, com certeza, farão críticas também a Luís Inácio Lula da Silva, tecendo-lhe e ao seu governo considerações depreciativas.

Mas, para quem é capaz de encarar a história sem preconceito político-ideológico marxista e sem paixões partidárias, sabem que, apesar dos equívocos cometidos, nunca o Brasil avançou tanto na marcha do desenvolvimento e das conquistas sociais, como nos governos desses dois presidentes. Avanços que só foram retomados nos “governos trabalhistas” instaurados a partir da eleição do Presidente Lula, que, não há como negar, pegou a arrumação da casa em andamento por Fernando Henrique Cardoso. O que não lhe furta o mérito de ter tido o bom senso e humildade de dar continuidade ao processo, implementando reformas e conquistas socioeconômicas mais abrangentes e profundas, que têm alcançado as classes sociais de menor poder aquisitivo, sobretudo, procurando erradicar a vergonhosa e histórica pobreza, resultante da exclusão social, que sempre maculou a imagem do país.

Assim, o tempo passou e faz mais de meio século que JK dormiu em Iporá. De lá para cá, muita coisa mudou para melhor: A Ditadura Militar acabou, a cidade cresceu e se urbanizou, desfrutando agora de muitos confortos e benefícios sociais e culturais que, naqueles tempos, eram apenas sonhos dos iporaenses. Se, algum dia, a gente tiver o privilégio de relembrar e escrever sobre o “dia que Lula visitou Iporá”, com certeza, a história será contada de outra maneira. E se ele tiver que dormir na cidade, já tem hotéis que não deixarão os iporaenses envergonhados!

Pena que muita coisa mudou também para pior, haja vista a questão ambiental: O cerrado foi quase totalmente engolido pelas pastagens; a vegetação ribeirinha e das nascentes que formam as bacias fluviais da região foi irresponsavelmente desmatada; córregos e ribeirões, outrora perenes, estão secando e pouquíssima água corre nos rios Claro e Caiapó; as chuvas que, naquela época, sempre começavam na primeira semana de setembro, quando os agricultores, religiosamente, a esperavam com o milho já “plantado no pó”, agora só chegam, minguadas, em novembro, quando se começa a plantar as lavouras, e em março já vão embora, deixando saudade daqueles “invernos chuvosos” em que se passavam semanas sem se ver o sol, e olhos-d’água brotavam nos espigões e coriam pelas estradas afora! Diante desta realidade trágica e inegável, fica, para reflexão, a questão que não pode se calar: O que será amanhã da nossa região, quando passarem mais cinquenta anos?

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