APRECIE… Professor Moizeis Alexandre Gomis fecha com chave de ouro a sua série de contos. Aqui, o último capítulo do livro O CONTO QUE O POVO DIZ E EU CONTO POR MENOS DE UM CONTO. Vamos à leitura:
CAPÍTULO DOZE
O MISTERIOSO CAVALEIRO DO OUTRO MUNDO
Quem nunca ouviu algum pioneiro octogenário, que viveu nos tempos dos desbravamentos da região do oeste goiano, contar aquelas histórias de “farturão”? Quando se tirava da tulha mantimentos do ano anterior para repor o da última colheita? Quando carradas de milho amontoados apodreciam na roça, porque o paiol não cabia mais nem sequer um jacá? Quando os capados engordavam no chiqueiro até o tocinho rachar no cangote e precisava por barro do córrego (argila) para as galinhas não comerem o bicho vivo? Tempo em que se desnatava o leite na desnatadeira manual, aproveitando apenas o creme, que era vendido no depósito de seu Manoel Silvestre, em Iporá, que depois o transportava em seu caminhão Chevrolet “toco” e vendia para as fábricas de manteiga de leite em Goiânia ou Uberlândia. Mas jogava-se tambores e mais tambores de cinquenta litros cheios de leite desnatado, branquinho, delicioso, fresquinho, nos cochos para a porcada beber até ficar barriguda. “Tempo bão, meu filho, ‘que se amarrava cachorro com linguiça’, vendia galinha na manguara por uma ninharia, pois ‘galinha na manguara não têm preço’; tempo quando a gente era mais novo e que não volta mais”, comentam saudosos o vovô e a vovó, quando são estimulados a contar as histórias de suas vidas vividas lá na fazenda!
Era uma época boa para se viver, não resta dúvida, cujas lembranças causam nostalgia. Mas, tinha lá suas agruras e desvantagens também. A terra fértil e o trabalho incansável dos camponeses acabavam gerando uma superprodução para a realidade do mercado local. Fartura que resultava em prejuízo, pois não conseguiam vender os excedentes da produção, visto que não havia condições e meios de transportes para escoar a safra para os grandes centros urbanos. Os custos do transporte, devido às longas distâncias e às estradas precárias, tornava inviável, aos compradores de cereais, o deslocamento até Iporá e região para comprar a produção e revendê-la. Situação essa responsável pelo desperdício e desvalorização dos produtos do campo, tão comuns naqueles tampos e que criava sentimento de revolta em alguns produtores. Pois é. A estranha e macabra história, porém verídica, que aconteceu com um do fazendeiro, próximo a Iporá, é que você vai conhecer neste último capítulo do CONTO QUE O POVO DIZ E EU CONTO…
Chico Romão (nome fictício) comprou uma terra de primeira, de tamanho mediano, perto do povoado do Cruzeiro (atual Goiaporá). Depois de alguns anos estava com sua fazenda bem montada. Pastagem de capim jaraguá bem formada, vacada boa de leite, bezerrada sadia, porcada no chiqueiro, cafezal que produzia com abundância, bananal onde um homem não dava conta de carregar um cacho de banana sem reparti-lo ao meio, enfim, estava com a vida mais ou menos equilibrada. Família numerosa, filhos e filhas quase todos criados e alguns já casados, netos e netas. Mas, dinheiro mesmo, necessário para “acudir as pricisão” da família (como dizia), esse não era fácil conseguir. Pois naqueles tempos, como já é sabido, as coisas valiam quase nada na hora de vender e isto quando achava comprador.
Seu Chico, como ficou conhecido de todos na redondeza, era homem trabalhador, genioso, impaciente, que “trabalhava pra burro”. O sol nunca pegava ele na cama, a não ser quando adoecia. Sua vida consistia só em trabalhar, trabalhar, trabalhar… Não tinha tempo para a família, muito menos para o exercício da fé. Cristão católico, só de nome, daqueles que foram à igreja para serem batizados e depois voltam no dia que morre para a Missa de Corpo Presente, e, às vezes, lembram do padre na hora de pedir a Extrema Unção. Longe, portanto, de ser um católico verdadeiramente piedoso. Vivia xingando tudo e o tempo todo, principalmente quando estava lidando com o gado, principalmente “aquele nome de rachar aroeira…” (desgraça ou desgraçado), além daqueles palavrões horríveis. Não entedia nada de Bíblia, de igreja e muito menos de Deus. Não gostava nem de ouvir falar de reza, “crente” ou “pentecoste”: ficava bravo, ridicularizava, zombava e não queria ouvir nada a respeito dessas coisas. O negócio na vida era trabalhar, ganhar dinheiro e ficar rico…
Com a colheita encerrada, o paiol cheio de milho, seu Chico capou um lote de marrãos selecionados, curou bem a capadura com sal e querosene, para não dar bicheira, e pôs na ceva para engordar. Passados alguns meses estava com o chiqueiro cheio de capados gordos a ponto de rachar, pesando de dez a doze arroubas, cada um. Vendê-los, se tornou um problema. Foi ao Campo Limpo (Amorinópolis), mas os compradores de capados, que produziam banha de porco enlatada para exportar para Uberlândia, não estavam vencendo a oferta de porco gordo. Foi a Iporá, mas o Sebastião Banheiro, o maior comprador de capado e produtor de banha da cidade, e outros açougueiros, já tinham capados reservados por seus fornecedores para muito tempo. Frustrado e amargurado da vida, ele ficou a murmurar e reclamar da sorte. Os dias foram passando e os capados cada vez mais gordos. Para que não morressem de canseira nas horas calorentas da viração do dia, sempre jogava água neles. Era aquela trabalheira sem fim e comprador mesmo, nada. Oferecer para os vizinhos, nem pensar, pois todos também tinham porco gordo para vender.
Certo dia, Chico Romão levantou bem cedo, nervoso e xingando, depois de uma noite mal dormida, encabulado com aquela situação que parecia não ter saída. Arriou o cavalo, montou e disse para a mulher: “Hoje eu vou vender esses capados, nem que seja pro capeta”. Chegou a espora no animal com raiva e saiu disparado para Iporá. Logo que passou pela porteira na divisa da fazenda e pegou a estrada, encontrou com um cavaleiro, montado em uma mula alta, bem arreada e com peitoral de argolas douradas. Bem vestido, com chapéu panamá na cabeça, lenço vermelho envolto no pescoço e caindo no peito, trazia uma maleta de couro atravessada na garupa, por cima do porta-capa. De longe seu Chico viu aquele cavaleiro misterioso, sentiu um arrepio ruim e ficou observando-o à medida que aproximavam um do outro. Quando se encontraram, o estranho parou, cumprimentou-o cordialmente com um aperto de mão e foi logo perguntando-lhe: “O senhor sabe onde mora por aqui um fazendeiro, chamado Francisco Romão, que tem uns capados gordos para vender?” Seu Chico, não acreditando no que estava vendo e ouvindo, ficou alguns segundos em silêncio e respondeu: “Sou eu mesmo”. “O senhor quer comprar?” “Sim, compro e pago na hora, se os capados me agradarem”, respondeu o cavaleiro.
Chico então voltou para casa batendo um papo descontraído com o inesperado e misterioso negociante, respondendo-lhe, sem cisma, as perguntas que fazia a respeito dos seus capados, de sua vida, sua família e sobre trivialidades do cotidiano. Quando chegaram à fazenda, o comprador dirigiu-se diretamente para o chiqueiro, olhou os capados e disse: “Me servem e o preço está bom”. Seu Chico ofereceu-lhe dois carros de milho ainda amontoados na roça, que comprou também de boa vontade. Depois, sentados à mesa da sala, pagou os capados e os carros de milho, conforme os preços pedidos e sem pechinchar, com pacotes de notas de cruzeiros. Negócio fechado e acertado, o cavaleiro se levantou, despediu de todos e foi embora, prometendo que dentro de uma semana voltaria para buscar os capados e o milho.
Sem conter a satisfação, seu Chico agora se sentia despreocupado. Mas a mulher, dona Aurora (nome fictício), “ficou com uma pulga atrás da orelha”: “Ocê não achou aquele homem meio isqusito, não, Chico?”, perguntou para o marido. “Ele pagou os capados e o milho e já foi logo indo embora, não quis nem esperar eu passar o café…”, completou a esposa encabulada com o cavaleiro misterioso. “Ah!…, muié, dexa de bestera, ocê tem cada coisa!…”, resmungou seu Chico que, fingindo não estar dando atenção à conversa da esposa. No entanto, lá no fundo, também estava meio ressabiado, desde a hora que encontrou o homem na estrada. Mas, após desarrear o cavalo e soltá-lo no pasto, foi cuidar da vida, satisfeito com a venda “bem sucedida” que realizara naquele dia.
Passou uma semana… Passaram duas, três, um mês e nada de o homem cumprir seu compromisso. Seu Chico procurou na vizinhança, em Iporá, no Campo Limpo, sobre o tal comprador de capados, mas as pessoas não souberam lhe dar informação. Nunca tinham visto alguém com as características do referido cavaleiro. Ninguém jamais havia conhecido tal homem ou ouvido falar sobre ele. Chico, então, matou os capados, fritou o tocinho, cozinhou a carne, enlatou tudo e guardou. Estava munido de banha e carne para mais de um ano, além de poder pagar pião, na base da troca de um litro de banha por um dia de serviço na roça.
Mas, cada dia ficava mais perturbado, pois, a partir daquele negócio da venda dos capados, muitas coisas ruins passaram a acontecer na casa de Seu Chico Romão. Entrou um descontrole geral na família, que já não era tão unida e agora virou só aquela brigaiada entre ele e a mulher, os filhos, os netos, os genros e noras. Fenômenos sobrenaturais ocorriam com frequência: objetos eram, à luz do dia ou à noite, arrastados dentro de casa, outras vezes jogados invisivelmente, caiam misteriosamente da prateleira, enfim, ninguém mais tina sossego. Para piorar a perturbação, o dinheiro recebido do cavaleiro misterioso nunca diminuía: todas as vezes que se tirava uma parte dele para compar alguma coisa, logo que era imediatamente contado, continha o mesmo valor original. A esposa adoeceu e foi definhando em uma cama até morrer, mesmo usando o tratamento disponível na época.
Certo dia, quando pensava em tudo o que lhe estava acontecendo, seu Chico saiu para dar uma volta pela fazenda, tentando refrescar a cabeça. De repente, eis o cavaleiro misterioso vindo em sua direção! Parado, imóvel quase sem palavras, ficou esperando o homem. Ele chegou montado na mesma mula e o cumprimentou. Seu Chico, com muita dificuldade e tomado de pavor, lhe respondeu o cumprimento e foi logo perguntando por ele havia demorado tanto… O cavaleiro o interrompeu e, com um sorriso sínico nos lábios, respondeu: “Você não disse aquele dia que ia vender os capados de qualquer jeito, nem que fosse para o capeta?” “Pois então, eu sou o diabo e os comprei e paguei como você queria”. “Eu não quero capado não, o que me interessa é a alma das pessoas e quando acho alguém disposto a vendê-la, eu compro mesmo e a sua agora é minha…!” Depois de dar uma diabólica e assombrosa gargalhada, desapareceu misteriosamente, num piscar de olhos. Então seu Chico, que já andava perturbado, entrou em estado de loucura. Não conseguia dormir e nem trabalhar. A família ficou sozinha, ninguém ia visitá-los. Cada dia sua doença se agravava. Vendeu a fazenda, a família se dispersou, deu os filhos menores para outras pessoas criarem e, por fim, acometido de um surto, morreu em grande aflição e sofrimento. Deixando as pessoas da redondeza temerosas e mais piedosas, voltadas para as coisas espirituais.
Causo contado, ou melhor, depois de doze causos já contados, concluo esta série de contos fugindo um pouco do estilo literário para o acadêmico-filosófico e teológico, a fim de promover uma reflexão pertinente ao MISTERIOSO CAVALEIRO DO OUTRO MUNDO. Afinal, essas coisas realmente existem? Como História, Antropologia, Filosofia e Ciência da Religião são praias onde, além de nadar, também pratico mergulho, achei por bem dar umas cutucadas nas mentes dos prezados leitores e leitoras, para que possam mergulhar um pouco no oceano das realidades imateriais do mundo sobrenatural.
Para o historiador e antropólogo materialistas, esta história não passa de mais uma lenda criada pela imaginação de pessoas supersticiosas. Para os céticos e teólogos liberais, é apenas mais uma daquelas crendices da cristandade medieval. Para o cientista da Ciência da Religião, contudo, independente de sua orientação teológica – seja ela judaica, cristã (católica, ortodoxa, copta, protestante, evangélica, etc) ou não cristã – esses fenômenos sobrenaturais pertencem a uma realidade que tem origem e explicação no âmbito das ciências metafísicas. Tanto as Escrituras Sagradas judaico-cristãs como as de outras civilizações antigas, em forma de Mitologia, registram manifestações visíveis de seres sobrenaturais.
Visto que o mito não é lenda – fruto da imaginação – mas “uma forma de narração de fatos verídicos em linguagem figurada ou simbólica”, essas narrações sobre seres sobrenaturais não são mera ficção ou crendices supersticiosas: elas têm um fundo real de verdade. No âmbito da ciência da religião, sabe-se que os seres sobrenaturais – tanto bons como maus ou satânicos – são entidades metafísicas ou mentes, algumas com alto grau de inteligência e habilidade de controle sobre o mundo físico, ao ponto de exercer poder sobre a matéria elementar (energia e partículas subatômicas) para criar transfigurações em formas perceptíveis aos sentidos conforme o seu propósito e a crendice popular como o aparecimento de pessoas, animais, monstros e até veículos espaciais, como sustenta, neste último caso, a tese do Dr. Billy Granham, o maior pregador cristão do século XX, sustentada com muita fundamentação e razoabilidade em seu livro Anjos: Agentes Secretos de Deus.
A verdade irrefutável é que vivemos em um Universo, que subsite em duas dimensões – física e metafísica – mesclado de mistérios que a Ciência não consegue explicar e, tampouco, negar de forma absolutamente plausível. A dimensão física – o mundo da natureza, regido pelas leis físicas, químicas e biológicas – constitui-se das realidades naturais, percebidas pelas faculdades sensoriais da alma ou “psique” através dos órgãos corporais dos sentidos. Mas a dimensão metafísica – o mundo do sobrenatural, espiritual, regido pelas leis morais ou éticas e da mente – constitui-se das realidades sobrenaturais, transcendentais, imateriais, percebidas pelas faculdades intuitivas do espírito ou “pneuma”. Realidades estas que, apesar das argumentativas e categóricas negações de sua existência por cientistas presunçosos e arrogantes, elas continuam existindo como fenômenos sobrenaturais que se constituem em mistérios. Por outro lado, cientistas despidos de preconceitos, têm procurado entendê-las, já que não podem negá-las de forma irrefutável.
Isto por que, todo cientista verdadeiro e sensato, seja ele ateu, cético, agnóstico, deísta ou teísta, tem uma virtude em comum: a humildade para reconhecer que se, no mundo natural, há fenômenos que a ciência não tem respostas cabais, absolutas – por exemplos, os mistérios da origem da vida e da própria matéria e sua relação original com Big Bang – como poderiam, de forma categórica, negar a existência dos fenômenos sobrenaturais e transcendentais? Estes são cientistas confiáveis, humildes o bastante para seguirem o exemplo do sábio Sócrates, que disse: “o que sei, é que nada sei”; e têm atentado para a instrução de Saulo de Tarso, o apóstolo e primeiro filósofo cristão que, parafraseando o humilde filósofo grego, declara: “Se alguém pensa que sabe alguma coisa, na verdade, não aprendeu ainda como convém saber”.
Finalmente, “receito um calmante psicológico” para os que, porventura, depois de ler ou ouvir uma história como esta do “cavaleiro do outro mundo”, sentem-se desconfortáveis ou incomodados: Para todo ser humano que vive um relacionamento harmonioso com o seu Criador, “por meio da fé nele” e a prática do seu “perfeito amor”, não lhe restam dúvidas e temores sobre as realidades do mundo sobrenatural/espiritual. Pois está firmado na verdade do Evangelho postulada pelo apóstolo João que afirma: “Maior é Aquele que está em vocês, do que o que está no mundo”. “Aquele que é nascido de Deus (a pessoa que nasceu de novo pela fé no Cristo ressuscitado mediante o poder do Espírito Santo), não vive praticando pecado; antes, Aquele que nasceu de Deus (Jesus Cristo), o guarda e o maligno não lhe toca”. Portanto, pondo em prática esta receita divina, não há porque ficarem encabulados: podem dormir sossegados e com a luz apagada…!
Despeço-me, finalmente, dos prezados leitores e leitoras, grato pela leitura e os comentários tecidos a respeito das histórias contadas.
Minha gratidão também ao Valdeci Marques, pelo incentivo dado à divulgação da cultura regional através de seu conceituado veículo de comunicação, o OESTE GOIANO, que tornou acessível ao público mais esta obra literária. Pode ser que, talvez, a gente volte a se encontrar com O CONTO QUE O POVO DIZ E EU CONTO…II
Outrossim, pessoas tem procurado o livro para comprar, mas ele ainda não foi publicado de forma impressa, só eletrônica pelo OESTE GOIANO. Se algum editor ou editora interessar em publicá-lo, deixo aqui meu contato: magoipora@hotmail.com ou tel. (64) 9221-6409/ 3674-3272.