Oeste Goiano Notícias, mais que um jornal.
Oeste Goiano Notícias, mais que um jornal.

PUBLICIDADE:

Mutirão constrói aeroporto e chega o primeiro avião à Iporá


Hora de relembrar… O livro do Professor Moizeis Alexandre Gomis começou ser publicado aqui neste site. Aqui está o segundo capítulo de O CONTO QUE O POVO DIZ E EU CONTO POR MENOS DE UM CONTO, obra que mistura ficção e aspectos reais de um tempo e de um povo. Vamos à leitura de intressante texto sobre o aeroporto construido em Iporá e a chegada do primeiro avião. É hora de relembrar:

CAPÍTULO  DOIS

O AVIÃO CHEGOU!!!

Por volta de 1944, Itajubá ganhou o seu primeiro aeroporto. O chefe político local, Israel de Amorim, com o apoio de Pedro Ludovico Teixeira, seu aliado partidário maior em Goiás, mobilizou o povo do Distrito de Itajubá (um ano depois Iporá) e da zona rural para construir o campo de pouso, que ficou conhecido mesmo como “o campo de aviação”. Pois naqueles tempos, nem caminhão ainda zuava por essas bandas. Os meios de transportes mais usados eram o cavalo, o burro, o jegue, o carro de boi. Para os que não podiam comprar nem mesmo uma égua ou uma jumenta, o jeito era enfrentar a estrada poeirenta de “P2” e assim cortavam o sertãozão a pé, inclusive a baianada que vinha lá das bandas da Chapada Diamantina, Lençóis, Barreiras e Santana dos Brejos, com suas “precatas” de couro cru de boi, que marcavam o rotineiro compasso da caminhada com a monótona estalada nos calcanhares – pataca-pataca-pataca-pataca… Era o preço das duras jornadas que começavam com o subir da alva e só terminavam à boca da noite, quando batiam a pousada em algum morador da beira estrada!
 Depois de três mutirões realizados nos fins de semana, com uma média de setecentos homens e mulheres trabalhando, o aeroporto, de mil e duzentos metros de extensão, ficou pronto. Segundo depoimento do professor Rui – operador do serviço de radiotelégrafo do aeroporto enquanto houve voos comerciais e que ainda vive em Iporá, onde também foi professor de inglês nos colégios – os pilotos dos aviões Douglas DC3 que faziam pousos regulares duas vezes por semana, diziam que era a melhor pista de terra de Goiás. Isto por que ficava na lombada do espigão que divide as bacias dos ribeirões Santa Marta e Santo Antônio e sem a presença de relevos que representassem riscos para os pousos e decolagens. Pois o morro Alto, ao sul, o morro do Macaco, a leste, e os morros do Pé-de-Pato e do Buriti, a oeste e norte, respectivamente, todos de baixa altitude, ficavam fora dos horizontes que se abriam em ambos os sentidos da pista, construída mais ou menos nas direções sudoeste-nordeste. Sua extensão ia do final da Rua Francisco Sales até a extremidade leste da Av. Caiapó e início da Rua Limeira, nas proximidades da Vila Itajubá I. Era suavemente inclinada para o sudoeste e toda bem aterrada, cascalhada e compactada, o que facilitava o escoamento da água da chuva deixando a pista sempre enxuta. Razão de, nos seus 40 anos de uso, nunca ter existido nela derrapagem ou outros acidentes nos pousos e decolagens com aviões grandes ou pequenos, mesmo no longo período de inverno chuvoso.
A obra de construção foi realizada em aproximadamente um mês. Todo o trabalho, desde o desmatamento do cerrado grosso e fechado, passando pela terraplanagem, compactação, até ao acabamento final, foi realizado de forma braçal, à custa de enxadão, machado, picareta, enxada, pá, carrinho de mão e “picolés” de madeira. (Obra tocada no sistema dos desbravadores da Marcha para o Oeste, que na ocasião já haviam passado por Caiapônia e estavam em Aragarças). Para puxar o cascalho usado no aterramento vieram, com seus carros de bois, os fazendeiros João Januário, Olímpio Rozendo, Manoel Coelho, José Bernardes, José Baiano, Chico Ferreira, Orosino Cunha, Rafael Leão, Antonio Vaz e muitos outros. Usaram também carroças de tração a cavalo, carrinhos de “chibas” e até “surrão” de couro cru arrastado por jegues. A cascalheira ficava próxima ao final sudoeste da pista, atualmente na Vila Ferreira. A pista foi sinalizada, nas duas laterais, com balizas distantes cerca de cem metros uma da outra – uma espécie de miniaturas de barracos de duas águas, de metro e meio de comprimento por setenta centímetros de largura – feitas de tábuas e pintadas de branco, para orientar os pilotos durante os pousos e decolagens. Ergueram, em um poste alto, a biruta, que era mais conhecida por “coador furado”, que servia para apontar a direção dos ventos. Construiu-se uma pequena casa de esteios de aroeira lavrados, telhado de espigão, de paredes de adobe sem reboco, com sala, cozinha e um quarto – residência do zelador – e um alpendre acanhado que servia de “sala de espera dos passageiros”. Para os demais presentes restavam as sombras frescas de umas quatro ou cinco frondosas paineiras do cerrado, na frente da casa – daquelas que produzem paina de cor ganga que se usava para fazer travesseiros. No alto, sobre a sala, próximo à comeeira, havia um jirau onde se guardava dezenas de lampiões de vidros brancos e vermelhos, abastecidos com querosene, que serviriam para sinalizar as margens da pista, em caso de pousos de emergência, à noite.
As mulheres, que não eram poucas, trabalhavam na cozinha improvisada a uns 200 metros da pista, próxima à nascente de Córrego do Neca Marques – o conhecido “Olho d’Água da Pedra Sabão”, no atual Jardim dos Passarinhos. Que na verdade, não era pedra, mas piçarra multicolorida que a gente, no tempo de estudante do Curso Primário, usava para fazer artesanato como tarefas das aulas de “Trabalhos Manuais”, apresentados nos dias de sábado, no Grupo Escolar Israel de Amorim e na Escola Reunida Dom Bosco: miniaturas de casazinhas, animais, pássaros, panelas, bules, bandejas com xícaras e outras “utilidades domésticas”. Num ranchão espaçoso e arejado, as esposas de peões, fazendeiros, comerciantes e políticos, inclusive Olga Amorim e Rosa Rodrigues Rocha, respectivamente, mulheres de Israel de Amorim e Elias de Araújo Rocha (na época ainda aliados políticos), preparavam e serviam grandes tachos e panelonas de comidas: arroz, feijão, carne de vaca e de porco, acompanhados com mandioca cozida e farinhas de milho e de mandioca. Não faltavam ainda a pimenta bode e malagueta e a “marvada” da “pinga de engenho”, servida apenas um gole antes da refeição, para abrir o apetite. Os meninos e meninas também participavam dos mutirões: elas ajudando a lavar pratos, garfos e copos; eles levando água em cabaças, rapadura e “moça-branca” para matar a sede e renovar as forças dos que davam o duro na construção do “campo de aviação”.
No dia da inauguração, foi aquela festança! Uma multidão, vinda das fazendas e povoados da região, se reuniu no aeroporto para assistir o pouso inaugural do avião bimotor Douglas DC3, com capacidade para mais de 30 passageiros, da Empresa Aérea Nacional, que passaria a fazer escalas duas vezes por semana em Iporá, na linha aérea Goiânia-Iporá-Baliza-Aragarças-Poxoréu-Cuiabá. Houve foguetório com queima de foguetes, rojões de rabo, bombinhas, traques, busca-pés, rajadas de revólveres, tiros de garruchas, discursos acalorados e empolgados vivas. Para não ficar só nas emoções, não faltou também aquele churrascão  e muita bebedeira e porres também!
Lá por volta do meio-dia, todos estavam ansiosos com os olhos grudados no céu para as bandas de Goiânia, disputando sobre quem veria primeiro o avião aparecer no horizonte. Derrepente, um menino, com sua vista privilegiada, gritou, apontando o dedo: “Alá ó! Alá ó! Alá ó!… No rumo do Morro do Macaco!… Eu to veno só uma pintinha que nem um musquitinho mecheno”! Pouco depois, outras pessoas passaram a confirmar: “É memo! Eu tamém to veno!” Logo ninguém tinha dúvida de que o avião estava chegando.
Quando aquele “monstrengo voador” se aproximou, com asas gigantes e seus possantes e ensurdecedores motores “estrelas”, sobrevoando em baixa altitude e dando várias voltas em voo rasante sobre a corrutela e a zona rural, muitas pessoas que não vieram para a inauguração, entraram em pânico: umas esconderam debaixo da cama, outras, que estavam na roça, se enfiaram na mata, e algumas que faziam a colheita do cafezal, deitaram debaixo dos pés de café. Chamavam e gritavam por Deus, Nossa Senhora e por tudo quanto era santo! Ainda em clima de final da Segunda Guerra Mundial, pensavam mil e umas coisas, até que os alemães tivessem atacando o Brasil e agora bombardeando, de aeroplano, os sertões de Goiás! Quando a aeronave, após fazer seus voos demonstrativos, pousou suavemente e se aproximou da praça de embarque e desembarque – na verdade um largo poeirento que ficava próximo à extremidade nordeste da pista – e embocou para o lado da multidão ali reunida, deixando para trás uma agitada nuvem de pó, e deu uma rebanada para ajeitar o desembarque dos figurões e políticos vindos da capital, desencadeou uma tempestade de vento e sujeira levitante que cobriu todo mundo. Muitos, não suportando a aflição de serem engolidos pela nuvem de pó vermelho, saíram correndo e gritando angustiados como se estivessem fugindo da fúria escatológica do “Dragão do Apocalipse”!
Durante os quase trinta anos em que os voos comerciais perduraram, feitos pela VIAÇÃO NACIONAL, depois pela REAL, mais tarde pela VARIG e, finalmente, a VASP, quando deixaram de existir, o “campo de aviação” de Iporá sempre foi um ponto de reunião e encontro de dezenas de pessoas. Eram os “ricos” despedindo-se de parentes e amigos que partiam ou recebendo os que chegavam, pois só os que eram bons de bufunfa podiam dar-se ao luxo de “andar de avião”. Outros iam ao aeroporto para conhecer um avião no chão pela primeira vez na vida. Mas, a grande maioria era o povão que tinha o costume de ir para ver aquela gente “chique” entrar e sair da aeronave, inclusive as crianças, que se faziam presentes para alimentar o sonho de um dia poder voar. As passagens eram vendidas no escritório da companhia aérea, no centro da cidade, por seu Cunha, agente da empresa aérea que veio de Belém do Pará com sua família, para Iporá, onde viveu e trabalhou até o último voo. Seu Nozinho, com sol e chuva, frio e poeira, transportava do escritório para o aeroporto, em uma carroça de roda de pau, de tração a cavalo, as bagagens dos passageiros que iam viajar, e do aeroporto para o escritório, as dos que chegavam.
Quando a aeronave pousava e taxiava, muitos curiosos se aglomeravam debaixo dela e passavam para lá e para cá observando tudo de perto. Alguns só se davam por satisfeitos quando corriam a mão na “bichona”. Adultos e meninos desavisados, ao verem os discos de frenagem das rodas reluzindo como um espelho colorido com rajas violetas, azuis e rosas, não resistiam à tentação de tocá-los. Para então perceberem, estarrecidos, que aquela coisa multicolorida estava era pegando fogo de tão quente. Tarde de mais!… Já haviam ouvido o chiii… do fritar dos dedos e sentido a dor fina da queimadura. Agora só restava ficar balançando a mão depois da instintiva e terapêutica lambida das pontas dos dedos esturricados. Mania de goiano que tem os olhos nas mãos!…
Mas, o que mais agradava mesmo a meninada naquele “clima de festa”, eram aquelas sobras de lanches servidos aos passageiros durante a viagem. As aeromoças aparecia no alto da escada, trajando saia azul, blusa branca e gravatinha cinza escuro, sapatos pretos vulcabrás fechados e meias brancas e boina azul marinho na cabeça e com aquele sorriso meigo e alegre – que até nem pareciam ser criaturas humanas, mas anjos maravilhosos vindos do céu. Desciam a escada trazendo bandejas com deliciosos pedaços de bolos rocambole fofinhos e recheados de chocolate, e repartiam, carinhosamente, com a gurizada barriguda, muitos sem camisa e de pé no chão, que comiam e lambiam os beiços e os dedos. (Menina mulher?…, nem pensar de ficar no meio de menino homem, da onde já se viu uma coisa dessas!…). Para crianças acostumadas a comer pipoca rebentada com banha de porco ou manteiga de leite, broa, bolo de fubá, beju, tapioca, peta, mané-pelado, brevidade e outras delícias derivadas do milho e da mandioca, aquelas migalhas exóticas tinham o sabor do maná que o povo de Israel recebia do Céu, no deserto! Talvez o ar radiante de satisfação e o brilho cintilante de felicidade nos olhos daquelas crianças – e nos meus também – ao provarem das cobiçadas sobras de bolo, fossem o motivo para as aeromoças repetirem, quase com frequência, o generoso gesto de repartir-lhes as tão desejadas migalhas dos “ricos”. Alguns, não satisfeitos com o que tinham recebido, resolviam “furtar” da caixa de lixo, que ficava encima do carrinho de transportar bagagens, aqueles saquinhos brancos de papel para, amoitados no cerrado, ver se poderiam encontrar mais algum pedaço de guloseima. Que surpresa quando, ao abri-los, viam que estavam quase cheios de “chamados do Juca…”! Pois na hora do pouso, os estômagos de muitos passageiros, resolviam devolver os rocamboles e o almoço também!
Como um rio que não cessa de correr e leva flutuantes em suas águas as folhas e flores mortas das árvores, assim também, o tempo passa carregando todos os momentos da vida!… E daqueles tempos idos só restam lembranças, nostalgias e alguns vestígios que a gente procura imortalizar contando estes causos. A cidade cresceu e o aeroporto foi transferido para o lugar onde se encontra hoje, à esquerda da GO 60 (naqueles tempo, era GO 03), na saída para Goiânia. O pretexto, dizia na época, visava a segurança dos moradores das proximidades da pista de pouso. Mas, por trás, talvez, a motivação verdadeira fosse mesmo a especulação imobiliária, pois a área se tornara valorizada, por situar próxima ao centro urbano. Hoje, por estar na parte mais alta da cidade, atualmente é o local onde se erguem torres de recepção de sinais da TV e de transmissão de telefonia celular, além dos reservatórios de distribuição de água da SANEAGO, que abastecem a cidade.
Ah! A casinha de paredes de adobes sem reboco e de telha francesa da cerâmica do Seu Dó, a primeira instalada em Iporá, não sei por que, depois quase 70 anos, para a minha admiração e veneração, ainda permanece bem conservada – agora rebocada e ampliada, mas, com o mesmo alpendre (sem passageiros!…). Quem quiser conferir, basta subir pela Rua Goiânia, virar à esquerda, pela Av. dos Navegantes, que vai encontrá-la, do lado esquerdo, mais ou menos no meio da Quadra 11, nos fundos de um dos lote 01, um pouco antes do Quartel da Unidade do Corpo de Bombeiros.
Em 1970, o tapetão preto de piche, brita e areia chegou a Iporá e adeus epopeia dos burros e carros de bois, dos ônibus e caminhões velhos, dos jeep e pick-up Willis e também do transporte aéreo de passageiros…  Ainda hoje estão vivas, no “HD” da minha cachola, as lembranças dos últimos voos do rechonchudo Douglas DC3, agora com o emblema da VASP, ocorrendo apenas uma vez por semana, para o embarque e desembarque de dois ou três passageiros, até que, certa manhã, o desengonçado monstrengo barulhento fez o último pouso em Iporá… Era um meio de semana, talvez uma quarta-feira de maio ou junho. Pousou e, em cerca de cinco minutos depois, decolou velozmente tomando a direção de Goiânia e lá se foi até ser engolido pelo horizonte – o mesmo de onde surgira pela primeira vez como um pontinho móvel – para nunca mais voltar! Assim foi embora, quase trinta anos depois daquele dia em que a gente alvoroçada gritava: “o avião chegou!!!”.

Compartilhar:

Para deixar seu comentário primeiramente faça login no Facebook.

publicidade:

Veja também:

.

eq
Equatorial Goiás leva Mutirão Pelo Cliente Todo Dia para Iporá
guilherme
Administrador está disponível para servir o empresariado da região
WhatsApp-Image-2025-01-25-at-05.57
Iporá entre cidades onde Saneago tem vagas para jovens aprendizes
WhatsApp-Image-2025-01-24-at-05.43
Morre José Reis de Lima, atuante cidadão iporaense
WhatsApp-Image-2025-01-21-at-05.55
Candidatas em Concurso são recebidas no Instituto Cedrela
eq
Equatorial Goiás leva Mutirão Pelo Cliente Todo Dia para Iporá
guilherme
Administrador está disponível para servir o empresariado da região
WhatsApp-Image-2025-01-25-at-05.57
Iporá entre cidades onde Saneago tem vagas para jovens aprendizes
WhatsApp-Image-2025-01-24-at-05.43
Morre José Reis de Lima, atuante cidadão iporaense
WhatsApp-Image-2025-01-21-at-05.55
Candidatas em Concurso são recebidas no Instituto Cedrela