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Sobre os homens poderosos e brabos das origens de Iporá


Professor Moizeis Alexandre conta mais uma… Quinca Paes e Odorico Caetano Teles eram os poderosos de antigamente. E brabos… Leia mais do livro O CONTO QUE POVO DIZ E EU CONTO POR MENOS DE UM CONTO…

CAPÍTULO SEIS

CAPITÃO ODORICO

BRABO ATÉ DEPOIS DE MORTO

 

Certo dia, numa dessas noites calorentas, em que o sono foge e deixa a gente pensando mil e uma coisas e rolando na cama sem sair do lugar, como frango na assadeira a gás, lembrei-me de um episódio que presenciei e no qual também estive envolvido. De repente, me achei rindo sozinho parecendo um “bobo alegre” no silêncio escuro do quarto, enquanto minha esposa dormia seu sono de anjo.

A história começou com um projeto para a elaboração de um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), desenvolvido por dois acadêmicos graduandos do Curso de História da Universidade Estadual de Goiás (UEG), na Unidade Universitária de Iporá, onde fui professor por dez anos. O Coronelismo na Região do Vale dos Rios Claro e Caiapó foi o tema escolhido por eles para apresentar a tão sonhada e suada monografia, que, aliás, contribuiu para o enriquecimento da pesquisa e estudo da história regional, resultando num trabalho excepcional, que deveria ser publicado como livro. Como professor e orientador dos dois acadêmicos, procurei dar todo apoio docente e técnico, inclusive os acompanhado nos trabalhos de campo. Foi em uma dessas visitas realizadas em locais de pesquisas que ocorreu a cômica história que diz respeito ao capitão que bota gente para correr mesmo depois de morto, que me fez rir sozinho, ao relembrá-la!

 Como parte dos estudos e pesquisas, visando colher informações para a monografia, os acadêmicos propuseram visitar os locais onde ficavam as antigas sedes das fazendas dos lendários irmãos Coronéis, José e Joaquim Paes de Toledo (os temidos Zé Paes e Quinca Paes), e a do Capitão Odorico Caetano Teles, latifundiários que, na primeira metade do século XX, viveram e mandaram com mão de ferro, ou melhor, de chumbo, na região que, atualmente, corresponde aos municípios de Iporá, Amorinópolis, Israelândia e Jaupaci. Somadas as terras dos três mandatários oligárquicos, chegavam a mais de vinte mil alqueires, abrangendo as bacias dos ribeirões Stº. Antônio, Stª. Marta, Jacuba e Matrinchã. O domínio dos poderosos mandarins aristocráticos da República dos Coronéis limitava-se a leste e a oeste, pelos rios Claro e Caiapó. Ao norte, o limite correspondia, mais ou menos à divisa atual do município de Iporá com Diorama, daí seguia pelo espigão que forma as nascentes do Ribeirão Matrinchã, continuava pela Serra da Sentinela até ao Rio Claro, na barra do Córrego Guarda-Mor. Ao sul, iniciava no Rio Claro, passando pela Serra da Barraca, pelo espigão das nascentes do Ribeirão Santa Marta, e continuava pelo Morro Alto até o Rio Caiapó. Era terra que não acabava mais e seus donos tinham orgulho de dizer para os amigos que vinham de fora visitá-los: “Daquela serra lá, até aquela outra, tudo isto que vos mercê tá vendo, é meu”.

Na primeira aula campo, com direito a agenda para anotações, máquina fotográfica digital, gravador e até aparelho GPS, visitamos o casarão do Cel. Zé Paes, na Fazenda Stº. Antônio, próximo ao lugar conhecido por Rasga Saia, onde antigamente existia uma venda na beira de estrada, daquele tipo onde não faltava pinga e nem brigas de revolver, de faca, de facão e até de foice – que é a briga mais feia do mundo…!. Para surpresa nossa – numa terra em que não há tradição de se preservar patrimônio histórico – o casarão ainda estava lá (e está) de pé e bem preservado, com seus currais e o quintal, todos feitos de lascas de aroeira, isto depois de mais de um século de existência. Tendo entrevistado velhos moradores contemporâneos dos coronéis, fotografado tudo o que era relevante para a pesquisa e registrado as coordenadas geográficas do local, fomos para as ruínas da fazenda do Cel. Quinca Paes, nas proximidades do ribeirão Jacuba.

Infelizmente, quando chegamos ali só foi possível encontrar os vestígios do velho casarão, que havia sido uma verdadeira fortaleza de paredes de pedras tapiocanga lavradas, feita à prova de ataque dos índios caiapó e das carabinas de jagunços inimigos. Partes das cercas dos currais, do tipo “cerca de corrente” e do enorme quintal, de uma quarta de chão, feita de lascas fincadas, todos de aroeira, ainda estavam relativamente preservadas. Uma enorme gameleira no meio de curral fazia companhia a um solitário e centenário “pé de babaçu” com cerca de trinta metros de altura. Ainda eram bem visíveis os vestígios da passarela subterrânea, de mais de cem metros de extensão, revestida nas laterais e no teto com lascas, também de aroeira, que ligava o porão do casarão a uma saída secreta, no barranco do córrego, já de fora do quintal, que servia para fuga, em caso de emergência e para armar emboscada contra os inimigos que, porventura, atacassem a fazenda.  Também foi possível ver escavações em vários pontos, feitas por pessoas tentando encontrar supostos enterros ocultos nas ruínas da sede da fazenda, “vistos” em sonhos e até “revelados” em “trabalhos espirituais…”

Monumentais mangueiras centenárias permaneciam ainda como testemunhas silenciosas, quem sabe, de indescritíveis injustiças comentidas, inclusive aquelas escondidas sob as touceiras de banana prata que, segundo a tradição popular, marcam as sepulturas de pessoas assassinadas por jagunço, a mando do coronel ou de sua “patroa”, e ali foram “plantadas”. Camuflagem do triste e trágico fim de peões que terminaram empreitas e receberam a morte como pagamento ou garimpeiros que vinham do Mato Grosso, voltando para a Bahia e que, ao pedirem pousadas na fazenda, tiveram ali seus diamantes “confiscados”… e os sonhos enterrados. Do cemitério da família, construído com tijolos de olaria (tamanho Itu…), a duzentos metros da sede da fazenda, apenas parte do muro que o cercava, permanecia em pé, além de algumas sepulturas, inclusive a que ainda conservava uma lápide, de pedra ardósia, onde exibia o nome de uma das filhas do coronel. Tudo foi curiosamente observado, registrado e fotografado, inclusive as coordenadas geográficas das ruínas, como se deve fazer um acadêmico pesquisador sério. O sol já ia baixo, quando deixamos aquele lugar com fama de mal assombrado que quase ninguém visita. Muito menos à noite, quando ali “aparecem” coisas, diz a língua do povo, que só de ouvir falar, muita gente sente arrepios e fica com os cabelos da cabeça em pé…!

Passado uma semana, foi a vez da visita às ruínas da velha sede da fazenda do Capitão Odorico, próxima à barra do Córrego Laje com o Ribeirão Stª. Marta. Munidos, como das outras vezes, dos devidos equipamentos, partimos calçados de botinas e bonés na cabeça. Como sempre, no carro de um dos brilhantes acadêmicos – o Tenente da Polícia Militar que já é capitão, o outro, professor da Rede Estadual de Educação e atualmente faz parte do quadro docente de uma Faculdade em Caiapônia. Logo que atravessamos a ponte do Córrego Laje, na GO 60, viramos à direita numa estrada vicinal de terra. Daí a uns cinco quilômetros chegamos ao destino previsto.

Da grande casa de estilo colonial, de assoalho de tabuas, de paredes grossas de adobes, de portas e janelas enormes, com seus portais e batentes robustos, que permanecera em pé por muito tempo depois da morte de seu proprietário, outrora animada pelas muitas pessoas que ali moravam e trabalhavam, que também tinha fama de assombrada, restaram poucos vestígios. Pois, o tempo e o homem cumpriram seu papel de destruir tudo o que achou por bem. Até as mangueiras centenárias haviam desaparecido, restando apenas algumas mais novas. Foi possível ver apenas partes dos baldrames, vestígios do rego d’água tirado da cabeceira de uma nascente pelo sistema de “água virada”, as duas vergas de sustentação do monjolo e o pilão de jacarandá, sem já fundo e carcomido pelas intempéries do tempo.

Por fim, propus mostrar-lhes o cemitério próximo dali, um quadrilátero de cerca de seis metros de lado, até há pouco tempo cercado de lascas de madeira de lei fincadas, onde está sepultado o Capitão Odorico Caetano Teles, – que fora dono do antigo latifúndio, hoje dividido em dezenas de fazendas e chácaras – agora praticamente aberto e entregue ao total abandono, com alguns restos de cruzes jogados no chão. Apenas o cepo do cruzeiro permanecia em pé, já sem o braço.

Enquanto eu observava esse quadro de desolação e sacrilégio, procurei mostrar aos acadêmicos o que restava do tumulo do Capitão, modesto, mas outrora atraente, revestido de mármore branco com rajas escuras, onde se podia ver ainda os sinais do epitáfio e da sua foto de porcelana, que há pouco tempo tinham sido retirados da lápide. Quando, procurei aprumar uma das duas colunas de mármore da cabeceira da sepultura, que estava inclinada, escutei uma zuada estranha, vinda das profundezas da terra… Quando nem tinha conseguido ainda imaginar direito o que seria aquilo, saiu da cavidade da sepultura uma revoada de marimbondos enormes, amarelos, do tamanho de grilos e com um voado molenga. Instintivamente soltei um grito, aliás, um berro estarrecedor: “Viiiche…!” Ao mesmo tempo em que saí correndo pelo pasto acima, tomado de pavor e a cem por hora…! Quando parei a uns cinquenta metros de distância e olhei para trás, vi, à minha esquerda, o Tenente que já estava parado, a uns trinta passos distante do túmulo, tentando entender o que acontecia. Pois com sua formação militar disciplinada, preparado para enfrentar, com coragem, situações adversas, logo assumiu a postura de defesa e combate! Mas, o professor ainda corria disparado como um atleta numa corrida de cem metros rasos, pelo pasto abaixo! Suas pernas movimentavam como se fosse uma cena de corrida em um filme, em câmara rápida!  A sua camisa, desabotoada por causa do calor, parecia a capa do Superome quando está voando, tão firme na horizontal que podia jogar truco sobre ela! Depois de uns quinze segundos de carreira, ele parou lá na beira do córrego. Isto, porque o brejo, que margeia a mata ciliar, cheio de negreiras e capim-navalha, não permitiu que corresse mais. Quando nos aproximamos dele, vi que meu colega estava ofegante e pálido, ou melhor, com um amarelo desbotado, da cor de flor de algodão, os cabelos arrepiados parecendo um porco-espinho e tremendo que nem uma vara verde…!

Sem conseguir interromper minha crise descontrolada de riso, tentava perguntar por que ele havia corrido daquela maneira “olímpica” e por que estava descorado e com a boca seca. Foi então que ele, com o fôlego cansado e meio gago, disse: “Professooor do céu…!” “Quando o senhor deu aquele berro e disparou naquele carreirão, eu pensei comigo: É o espírito do homem que saiu da sepultura para atacar a gente…” “E então eu só pensei em correr!” “Deus me livre, professor, que susto mais terrível!” Quando eu e o Tenente conseguimos conter a crise de riso que já dava dor de barriga, lhe contamos que tudo não passava de uma morada de marimbondos escondida em uma loca dentro do túmulo.  Aí foi ele quem caiu na risada e não conseguia mais parar rir!

Foi então que eu concluí: Eh… Esse tal de Capitão Odorico, que metia medo nas pessoas quando vivo, era brabo mesmo, pois ainda depois de morto põe gente para correr e até Tenente da Polícia Militar! Já pensou? Eu hem!

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