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Historiador com lembranças do Padre Wiro: Boletim Comunitário

Historiador João Paulo e Padre Wiro, de gerações diferentes. Historiador estuda sobre atos do marcante líder religioso do passado

A seguir, texto de João Paulo da Silva Silveira, historiador que pesquisa sobre um religioso que atuou por décadas em Iporá:

Há 50 anos, o padre neerlandês Gerardus Adriano van Vliet (1927–2009), conhecido como Padre Wiro, um importante sacerdote cristão da história regional, publicava o primeiro número do Boletim Informativo da Paróquia Nossa Senhora do Rosário de Iporá, renomeado em 1980 como Boletim Comunitário da Paróquia Nossa Senhora do Rosário de Iporá. O boletim paroquial foi um importante periódico religioso produzido nessa região, embora não fosse o único. Também circulou em Iporá o boletim da Pastoral da Juventude chamado Força Jovem, idealizado pelo padre juventude idealizado pelo Padre Florisvaldo Saurin Orlando (1952 – 1997). Em São Luís, até onde alcanço, circularam o Boletim da Prelazia, o Ite et Docete e o Vida e Esperança; em Piranhas, Padre Ilgo Schneider (1934 – 2008) idealizou o boletim A Voz da Comunidade.

Como fonte capaz de retratar aspectos da realidade do passado, a partir do lugar social e religioso de seus criadores, o periódico católico que circulou em Iporá até o início dos anos 2000 buscava discutir a realidade iporaense, nacional e, em momentos particulares, a realidade internacional – como o movimento liderado pelo sindicalista católico Lech Walesa, na Polônia, no início dos anos 1980; a redemocratização da América Latina e a fatídica Primeira Guerra do Golfo, em 1991. Para muitos, esse era certamente um meio para se informar de eventos que aconteciam em outros cantos do país e do mundo. O acesso ao boletim colaborava para diluir a sensação de isolamento que muitas vezes acompanhava a vida no interior do Brasil. Por se tratar de uma elaboração religiosa, as informações publicadas eram influenciadas pela doutrina e o horizonte ético da Igreja. De toda forma, o boletim é um artefato interessante para a compreensão da história da imprensa em Iporá e região.

No início, esse informativo paroquial era feito de maneira muito simples, produzido em máquina de escrever, com folhas A4 e mimeografado. O mimeógrafo a óleo foi comprado do Centro Catequético de São Luís dos Montes Belos, em 1974, por Cr$ 5.000,00 (cinco mil cruzeiros). Destinado a circular de mão em mão, sua tiragem era, portanto, limitada. Em determinados momentos, especialmente durante a década de 1990, incluíam-se algumas fotografias de baixa qualidade, se comparadas aos padrões atuais. Foi nessa década que as técnicas de impressão empregadas no boletim foram sofisticadas a partir do uso de uma máquina de escrever eletrônica.

Embora fosse uma produção amadora no início, sua criação e distribuição foram viabilizadas por pessoas que levavam a sério não apenas seu compromisso de fé, mas também o desejo de informar a comunidade. Esse mesmo empenho parece ter despertado em muitos católicos o apreço pela comunicação e pelo jornalismo. Certamente, a radiodifusão católica nos anos de 1980 e 1990 foi fruto do amadurecimento dos esforços inicialmente conduzidos por Wiro, com sua máquina de escrever. O padre chegou a ter um programa em horários diferentes, mas principalmente às 11:00, como testemunhou o radialista e historiador Pedro Cláudio Rosa, com quem conversei recentemente.

O primeiro número do Boletim Comunitário da Paróquia Nossa Senhora do Rosário de Iporá foi lançado em 28 de abril de 1974. Sua intenção, conforme datilografou o sacerdote, era “servir de meio de comunicação e veículo de informação, vez por outra uma informação doutrinal, nem semanal, nem quinzenal, feito conforme a necessidade ou utilidade, sem donos ou proprietário […]”.

Durante as várias décadas de sua existência, o boletim informava ao público a respeito das atividades religiosas, dos diversos cursos formativos (curso de batizado, para casamento, etc.) e sobre as cerimônias católicas, além também de prestar contas de gastos e doações recebidas pela Igreja em favor de alguma obra importante ou na ocasião de alguma festa religiosa.

Ultrapassando os conteúdos propriamente religiosos, o boletim também informava sobre o cotidiano, como uma espécie de jornal capaz de instruir o entendiemnto dos leitores sobre os mais diversos assuntos. Na maoria das vezes, os textos do boletim serviam como uma espécie de crônica da vida iporaense. Aspectos corriqueiros, como os episódios de violência que chocavam a comundiade, obtuários e notícias que envolviam a cultura, o carnaval e o desenvolvimento material da região, apareciam no boletim. Também não faltaram questões pitorescas, aos olhos do presente, como a suposta indignação de jovens diante das folhas de calendários pin-ups, com conteúdos masculinos adultos, divulgadas nos establecimentos comerciais no final de 1974.

Alguns trechos do boletim ajudam ainda a compreender determinados dilemas de uma cidade em desenvolvimento, que lidava de forma um tanto precária com as possibilidades tecnológicas oferecidas pela modernidade. Esse era o caso da televisão. Lemos no boletim nº 32, publicado em 10 de agosto de 1975, o seguinte a respeito da transmisão da missa nas manhãs do domingo:

O documento descreve os limites técnicos do funcionamento da torre de transmissão da tv daquele tempo, que dependia de gerador. A torre ficava a alguns quilômetros de distância do atual aeroporto, conforme testemunhou o médico Eliás Araújo, em uma conversa rápida que tivemos nas redes sociais. O periódico indica que o interesse de alguns, certamento poucos, apaixonados por automobilismo, garantia que o sinal da TV Anhanguera fosse regular apenas durante esse evento das manhãs de domingo. Em uma época na qual o aparelho de televisão estava em poucas casas em todo o Brasil, quem deveria resolver o problema? As autoridades! Afinal, competia a elas, principalmente, o esforço para a garantia da prestação de serviço para todos os cidadãos, uma lição interessante para o nosso tempo.

O trabalho de Wiro no Boletim Comunitário da Paróquia Nossa Senhora do Rosário de Iporá contava com a colaboração de paroquianos que ajudavam na confeção e produção de conteúdos do boletim, principalmente quando o padre não estava na cidade ou gozava de férias no exterior, de onde ele mandava algumas impressões que serviam para ampliar o horizonte de entendimento do leitor católico que, talvez, não tivesse acesso a jornais, revistas ou mesmo a TV.

Como se tratava de um material que alcançava público variado, é possível encontrar menções a outras religiões. O documento a seguir, por exeplo, menciona um congresso espírita, que possivelmente foi primeiro do gênero realizado em nossa cidade, realizado entre os dias 14 e 16 de junho de 1974.

A cortezia com os espíritas da região era fruto do diálogo em torno da cariedade. Outros documentos paroquiais, escritos pelo próprio padre Wiro, apontam para a colaboração entre Católicos e Espíritas em eventos no tempo do natal desde pelo menos o final dos anos de 1960. Vale dizer que Wiro foi um religioso com vocação ecumênica, como registra Rodrigo Alves Ferreira, e que parte de seu trabalho no boletim era dedicado a tratar da pluralidade religiosa.

Com muita frequência temas políticos figuravam no boletim, tais como o voto e o respeito à dignidade da classe trabalhadora do campo e da cidade. Transcrevo um pequeno trecho, publicado em 17 de outubro de 1976, no boletim nº 60, em que o próprio padre faz uma reflexão sobre as eleições que talvez sirva para outros contextos:

[…] julgamos fora do assunto [eleições] e nada havendo com a politica o debate que se desenvolve na cidade: Qual o candidato que é mais cariodoso? Quem distribui mais e quem menos? Quem aperta mais e quem menos mão de pobre? Na casa de qual candidato o pobre vai mais (…para vender o seu voto, o que é um crime)? Não se trata em absoluto de quem é mais caridoso! Afinal, prefeitura não é Instituição de Beneficência […] Portanto, vamos deixar a caridade fora da disputa política, pois creio que todos os candidatos são caridosos, principalmente na época de eleições.

O trecho acima descreve um pouco da atmosfera política da eleição de 1976 e explicita as estratégias populistas de persuação denunciadas pelo padre. Reparem que falamos de um posicionamento crítico em um contexto de ditadura, onde padres como Wiro enfrentavam problemas – e o próprio padre os enfrentou na década seguinte! – por conta de suas críticas políticas. Há outra questão interessante: a cariedade, princípio da ética religiosa, sinaliza possíveis usos da fé nas eleições. Esse aspecto da crítica do padre é ainda mais interessante uma vez em que ela vem de um sacerdote que não se negou a discutir política e religião, mas que estava atento ao que lhe pareciam inciativas antidemocráticas através do encabrestamento religioso do voto.

Com o passar dos anos, influenciados pela Teologia da Libertação e pela defesa das classes trabalhadoras, os temas políticos ganharam ainda mais atenção das páginas do boletim. Às vésperas da redemocratização, nos anos 1980, o Brasil vivenciou uma atmosfera de esperança que se refletiu localmente na publicação, que naquele momento contava também com a colaboração de outro passionista, o padre e professor Florisvaldo Saurim Orlando (1952–1997), então instrutor da Pastoral da Juventude da Diocese e religioso ativo em Iporá.

Seria impossível nesse espaço destacar todos os aspectos interesssantes e historicamente esclarecedores do Boletim Comunitário da Paróquia Nossa Senhora do Rosário de Iporá. O boletim deixou de circular no início dos anos 2000, muito provavelmente porque outras formas de comunicação pareceram mais contemporâneas. De toda forma, sua existência, como fonte histórica é um caminho para pesquisadores que procuram conhecer um pouco mais da história da região. Hoje, pelo menos dois pesquisadores da UEG têm manuseado esse material: uma em uma pesquisa de mestrado e outro em um de trabalho de conclusão de curso.

Os esforços de Wiro e de outros católicos que trabalharam para a existência do boletim deixam não apenas para os pesquisadores, mas também para o público mais amplo, indícios interessantes que ajudam a aclarar não apenas a história das religiões, mas também da imprensa, das mídias e do debate público em nossa região. Conhecê-los nos ajuda a entender as iniciativas presentes dos meios de comunicação que procuram informar a nossa população.

Se você se interessa pela história de Iporá e pela pesquisa acadêmica, seria uma ótima experiência nos seguir na página do Curso de História da UEG, Unidade de Iporá: https://www.instagram.com/historia.ueg.ipora/. Além de temas interessantes, você se informará sobre as incrições para o vesitbular para o curso de História 2025/1!

João Paulo da Silva Silveira, autor do texto acima é Doutor em Sociologia das Práticas e Representações Sociais pela Universidade Federal de Goiás (2016). Possui graduação em História pela Universidade Federal de Goiás (2006) e mestrado em História pela Universidade Federal de Goiás (2008). Possui experiências em Sociologia das Religiões, com ênfase em Novos Movimentos Religiosos e espiritualidades contemporâneas. Possui experiência na área de História, com ênfase em História das religiões. Entre Agosto de 2014 e Junho de 2015 foi Visiting Scholar (CAPES-PSDE) no Department of Sociology and Legal Studies na University of Waterloo, Waterloo, Ontário, Canadá. Atualmente, é docente do curso de Licenciatura em História da Universidade Estadual de Goiás – Campus Iporá e docente do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Estadual de Goiás – Campus Morrinhos.

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