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Iporaense ganha prêmio em concurso literário

Mauro Leslie acaba de ficar em terceiro lugar na área de contos em um importante certame literário de Goiás: I Concurso Estadual de Contos e Poesias Lacordaire Vieira, realizado pela Prefeitura de Goiânia – Goiás, SECULT Goiânia/Ponto de Cultura 2013 e União Brasileira de Escritores – Seção Goiás.

Esteve disputando com escritores de renome. O escriba foi contemplado com um terceiro lugar em conto. O resultado foi divulgado no dia 12 deste mês de agosto, na sede da União Brasileira de Escritores – Subseção de Goiás. No Júri estavam nomes como o escritor Cristiano Marcos Pires Neto (Cristiano Deveras), a escritora Cleusa Pereira Miranda, (Clara Dawn) e a professora WaniaMajadas, que presidiu a Comissão Julgadora.

RESULTADO

CONTOS:
1º LUGAR: Hélverton Baiano – obra: O retorno de D. Sebastião;
2º LUGAR: José Eduardo Mendonça Umbelino Filho – obra: A Lenda de Antonio D´manhã;
3º LUGAR: Mauro Leslie – obra: Das Pérolas e dos Porcos.

POESIAS:
1º LUGAR: – Jamesson Buarque – obra: Revelação;
2º LUGAR: José Fernandes – obra: Peripécias do Amar;
3º LUGAR: Celso Moraes – obra: O Macambúzio.

Parecer do juri sobre o conto: Das Pérolas e dos Porcos – por Mauro Leslie

O autor usa do léxico pertinente ao acontecido, retratando um fato paranormal e sua extensão sobre uma família, atingida no centro representado pela filha. A impotência dos pais perante o mal da menina, os trabalhos efetuados por curandeiros, religiosos afins e um final dramático, pungente. O aspecto geral é do imaginário popular, vivenciado em larga escala pelo povo, pelos rezadores e feiticeiros. Uma história de demônios, narrada, ao mesmo tempo, através de rezas e cenas escatológicas, que podem despertar horror e vômito. Nota-se o esmero com que o escritor tratou os diálogos, em especial aqueles utilizados nas sessões paranormais. A construção da narrativa é de bom nível.

Sobre a conquista, o autor premiado afirma queser agraciado num evento dessa envergadura é uma conquista e sente-se largamente lisongeado.

Aqui o conto do autor iporaense

Pérolas e dos Porcos
“Sempre serás hiena”
Exclama o demônio
que me coroou de tão amáveis papoulas.
Uma estação no Inferno – Artur Rimbaud.

“Eu te excomungo, te expulso com a funda benzida nas águas da igreja de Davi. Ordeno, pelo fogo inextinguível que lava os miolos da terra e a face deitada da terra, que saia! Sai, sai, sai!, enxofre dos chifres do diabo! Pelas chamas do hálito de Deus, retira-te, Andrameleck!”

A garota se retorcia, nauseava, e o bicho chilreava em sibilos de dentro dos seus olhos esbugalhados, impúblicos. Os dedos longos, tísicos, culminavam em unhas amarelecidas em açafrão, nervosas; estendidos de mãos onde as nervuras azuis saltavam das veias gordurosas, meneando como mandruvás ao sol. O bicho grunhia em algaravias esventrando maldições, apelos, mortes e juras. E o que de dentro dela esventrava algaravias — estava morto —. E depois de morto, de não ter mais pra onde morrer, aliviar-se, o que lhe restara do carvão trevoso, infernal, era a encarnação da fúria, do que é ódio, do que é dor, do que é vingança, do que é o rugir tenebroso do tifon.

Lá, onde não há suicídio, a desgraça se arrasta, baba, expia… E o que chilreava de dentro dela queria nascer pelo seu ventre, talvez pra diminuir a dor ou vingar-se do seu criador, por meio de alguma criatura sua. A pele esticava abrindo-se em estrias, enquanto os caldos do horror chagavam dos poros, fedendo, como se os ossos da alma pudessem ser queimados, chamuscados. A pobre vomitava pelas narinas. Afumado, o corpo, fatigava a todos ali, diante da negromântica seção. O Velho Feiticeiro e Teurgo espancava sua nuca com um couro de loba cru, na tentativa de exorcizá-la. Um pastor, em nome de Jesus, clamava a seu sangue repetidamente. E sal, incenso, água, estrelas de cobre, uma espada forjada dos sete metais preciosos, bagueta de prata pura, tição, tesouras, tridentes de ferro, plantas de toda ordem, danças e pronúncias das furnas de sabe-se lá o que… Tentavam de tudo. Uns de joelhos, outros dançavam e cantavam tambores tribais das religiões e seitas da África primeira.

Era um grupo de pessoas já exaustos, descrentes, quando o que esventrava maldições golpeava o corpo da infeliz contra os móveis, a parede, o teto. Vez outra se ouvia a voz da menina implorando socorro do oco do próprio corpo quando ressurgiam aquelas vozes eructadas da goela de Moloch, dos cones últimos dos abismos. Por fim, a espada era o único e último meio possível. O feiticeiro deixou o chicote de loba, chamou os pais da menina e comunicou: “Ela vai morrer, só há uma possibilidade derradeira de tentar salvá-la, porém poderemos com isso sacrificar sua vida.” A mãe, dopada de remédios, não dizia coisa com coisa. Seu pai então permitiu. O feiticeiro pediu para que todos se afastassem e os pais fossem retirados, e, que, urgentemente, trouxessem um porco vivo e jovem para o rito.

O ritual era delicado, pois o feiticeiro teria que lancetar a espada forjada dos sete metais exatamente no umbigo da endemoniada. Acontece que o bicho, que de dentro dela desesperava a condição de criatura querendo vingar-se do criador, não parava de se retorcer, e tremer, e estrangular, e latejar, e pipocar em redemoinhos. A facada tem que ser certeira ou a pobrezinha morreria. Na tentativa de imobilizá-la, seis homens rasgaram suas carnes, quebraram alguns ossos da costela, o punho esquerdo. Enfim, o feiticeiro afundou a lâmina no seu umbigo atravessando as costas. O bicho esguichou urros e uivos estranhos, inéditos, aberrados. A menina, pendurada pelo meio da espada, os contribuintes na empreita foram jogados, um a um, contra o teto, as paredes, o vazio.

Restaram somente o feiticeiro, o bicho e a infeliz. Ele iniciou a récita: “Pelas palavras imparciais da boca do Julgador dos deuses e demônios, eu ordeno que Retira-teLilith, desse corpo!” A espada, que quase não se via, empunhada pelas duas mãos do teurgo, ensangüentada, elevava a menina a meio metro do chão. “Caput mortum, imperettibi Dominus per vivumetdevotum serpentem! Cherub, imperettibi Dominus per Adam Jot-Chavah. Áquilaerrans, imperettibi Dominus per alas Tauri! Anjo de olhos mortos obedece ou dissipa-te! Touro alado, te aguilhono com esta espada. Águia acorrentada, obedece diante deste signo ou retira-te com este sopro! Serpente móvel, arraste-te a meus pés ou serás atormentada pelo fogo sagrado! Evapora-te com os perfumes que eu queimo! Que a água volte à água, que o fogo arda, que o ar circule, que a terra caia sobre a terra, pela virtude do Pentagrama, que é a Estrela Matutina, e em nome do Tetragrama que está escrito no centro da cruz de luz; Pelo poder do Estanho, Chumbo, Ferro, Cobre, Mercúrio, Prata, Ouro, que cunham esta Espada, eu te conjuro! Deixarás este corpo e animarás, pelo tempo que o Senhor Julgador dos malditos achar por bem, aquele porco!”

Completamente acuado e com o focinho encostado no canto da parede, o porco olhava de rabo de olho. Sob um vento uivante, mal-cheirando a escama podre, quase espoliando os partícipes do chão, o feiticeiro sacou do bucho da menina a espada. O porco subia pelas paredes como um gato; berrava como semelhante sendo esfaqueado. A garota inerte no chão. Todos estáticos, olhavam-na. Cessou-se o vento. O feiticeiro, em ânsia de desmaio e sob vômitos, afasta-se. Dobra-se no chão desfalecido o porco. Ninguém chegava perto dela. O pastor se aproximou da janela, sexto andar do edifício, abri-a. O sol adentrou o recipiente. Olhos exaustos e corpos desidratados tremiam coletivamente diante da cena. A garota levantou-se. Sem esforço, sem dobrar os joelhos, tesa, como se levanta uma tábua apoiada na base, ela se põe de pé, vai à janela e desaparece. No chão da calçada nem vestígios seus, nem pedaços espatifados no concreto. Ninguém entedia nada. E o bicho? A garota?

Um a um foram se retirando os coadjuvantes. Em estado de choque, os pais eram assistidos pelos que ali ficaram em solidariedade. O feiticeiro, sem muita clareza do que acontecera; tonto, acabado, feito um corpo que perdeu todo o sangue, foi embora se debatendo nos corredores do prédio. Somente os pais em casa. Em meio aquele atordoamento, sob a pressa de sair logo dali e toda aquela confusão, esqueceram do porco.

No quarto da garota, em baixo dos lençóis, o bichinho de pelúcia do sono diário no peito, deitado de ladinho, o porco roncava, Sua mãe chega ao quarto. Aproxima-se, saca do lençol. O porco se assusta, põe-se de pé sobre a cama e olha ternamente a mãe, que reconhece a filha nos olhos do animal com os cascos do tifon sobre o colchão.

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