Em uma decisão na Comarca de Iporá, assinada pelo Juiz Wander Soares Fonseca, é exigido da empresa Equatorial Goiás Distribuidora De Energia S.A. explicações e medidas sobre o fornecimento de energia elétrica em Iporá e cidades circunvizinhas, citando sobre precariedade nos serviços prestados e prejuízos para os clientes da empresa.
Trata-se dos autos protocolados sob o n. 5516365-24.2023.8.09.0076, tendo como requerente o Ministério Público Do Estado De Goiás. Sobre esse assunto, a empresa já fez uma prévia manifestação, que é a seguinte: “A Equatorial Goiás informa que não foi notificada da decisão judicial e, assim que for, tomará as medidas cabíveis”.
Segue a decisão
Trata-se de Ação Civil Pública com pedido de tutela antecipada proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS em face da Equatorial Goiás Distribuidora De Energia S.A, pessoa jurídica de direito privado inscrita no CNPJ/MF n.o 01.543.032/0001-04, partes devidamente qualificadas, pelos fatos e fundamentos expostos na peça de ingresso.
Na petição inicial o Ministério Público assim disserta:
[…] Durante a instrução do Inquérito Civil Público que lastreia a presente ação civil pública, foi constatado o vício de qualidade do serviço público prestado pela ré, concessionária responsável pela prestação do serviço público de distribuição de energia elétrica no conjunto elétrico denominado “Iporá” (o qual atende os consumidores das cidades de Israelândia, Jaupaci e Iporá).
O aludido problema tem gerado sérios prejuízos para diversos setores da sociedade local. Os
estabelecimentos comerciais, principalmente aqueles que manipulam alimentos perecíveis, como restaurantes, hotéis/motéis, panificadoras, supermercados, açougues, indústrias, sem prejuízo dos lares que ali se encontram, usualmente incorrem em prejuízo de todas as espécies em decorrência das diuturnas quedas de energia.
No próprio Fórum, que se localiza no Município de Iporá, é comum a suspensão de audiências por problemas desta natureza. A situação retratada, é indiciária de que a falta de manutenção preventiva no sistema de fornecimento de energia elétrica é causador constante de interrupções no serviço. Tal fato é agravado pelo início do período chuvoso e de vendavais, descargas atmosféricas e abalroamento de postes e pela falta de poda das árvores.
De maneira mais resumida, pode-se afirmar que os problemas narrados comprometem a continuidade de serviços relevantes, como o de tratamento e abastecimento de água, distribuição de combustíveis (funcionamento de postos de gasolina), assistência médica e hospitalar, unidades hospitalares e locais de armazenamento e distribuição de vacinas e soros antídotos, funerários, captação e tratamento de esgoto e de lixo, unidade operacional de serviço público de telecomunicações, unidades operacionais de segurança pública, tais como polícia militar, polícia civil e corpo de bombeiros, câmaras de compensação bancária e processamento de dados ligados a serviços essenciais, estes elencados em rol disposto pela Resolução n. 414/2010 da Agência Nacional de Energia Elétrica/ANEEL […].
É para suprir as lacunas deixadas pela empresa ré na prestação do serviço de fornecimento de energia elétrica para os consumidores desta comarca que o Ministério Público do Estado de Goiás maneja a presente demanda.
[…]
Destaca que todos os índices anuais referentes ao DEC e FEC, no período compreendido entre 2020, 2021 e 2022, estiveram acima dos limites máximos estabelecidos pela ANEEL.
Menciona que sempre buscou a solução do problema de maneira consensual, oficiando a requerida para fornecer explicações na medida em que as oscilações voltavam a ser frequentes, o que não foi suficiente para solucionar o impasse.
Em sede liminar, postulou:
[…]
1) seja reconhecida a inversão do ônus da prova (art. 6.o, inciso VIII, do CDC), tendo em vista que “o Ministério Público, no âmbito do Direito do Consumidor, também faz jus à inversão do ônus da prova”, intimando-se a ré desta inversão juntamente com a citação;
2) seja deferido o pedido de tutela antecipada para determinar que a ré providencie, no prazo máximo de 60 dias contados da intimação da decisão liminar, a adoção de medidas operacionais de qualquer natureza que reflitam na melhoria no fornecimento de energia elétrica aos consumidores atendidos pelo conjunto
elétrico Iporá, melhoria essa atestada pela adequação dos indicadores de continuidade DEC e FEC aos limites estabelecidos pela ANELL para o ano de 2023 e nos anos seguintes, de modo que, uma vez ultrapassados tais limites, seja aplicada uma multa de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) por dia de atraso;
3) que as multas eventualmente aplicadas em decorrência desta demanda sejam revertidas ao Fundo Estadual de Defesa do Consumidor, criado pela Lei no 12.207/93 e regulamentada pelo Decreto n.o 4.163/94 em cumprimento ao art. 13 da Lei n.o 7.347/85.
[…]
A inicial seguiu instruída com documentos.
Autos conclusos.
Sucintamente relatado. Decido.
Oportuno salientar que, para a concessão de tutela provisória de urgência, conforme preconiza o artigo 300 do Código de Processo Civil, necessário faz-se a configuração da probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
Sobre o tema, esclarecem Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero:
“A probabilidade que autoriza o emprego da técnica antecipatória para a tutela dos direitos é a
probabilidade lógica — que é aquela que surge da confrontação das alegações e das provas com os elementos disponíveis nos autos, sendo provável a hipótese que encontra maior grau de confirmação e menor grau de refutação desses elementos. O juiz tem que se convencer de que o direito é provável para conceder a tutela provisória. (…) A tutela provisória é necessária simplesmente porque não é possível esperar, sob pena de o ilícito ocorrer, continuar ocorrendo, ocorrer novamente, não ser removido ou de dano não ser reparado ou reparável no futuro. Assim, é preciso ler as expressões perigo de dano e risco ao resultado útil do processo como alusões ao perigo na demora. Vale dizer: há urgência quando a demora pode comprometer a realização imediata ou futura do direito.” (Novo Código de Processo Civil Comentado, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 312-313).
Portanto, exige-se a presença da probabilidade do direito (fumus boni iuris) e do perigo de dano (periculum in mora), e desde que não haja perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.
Pois bem.
A relação de consumo, em princípio, está configurada no caso em tela, portanto, aplicam-se as disposições do Código de Defesa do Consumidor à presente demanda.
Estabelece o referido diploma legal no caput do art. 22 que os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes e, quanto aos essenciais, contínuos.
A Lei no 8.987/95 dispõe que as concessionárias de serviços públicos em geral devem prestar serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários. Serviço adequado, conforme conceito extraído do art. 6°, § 1o, da mencionada lei, é aquele que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.
Aduz o Ministério Público que o número de interrupções de energia nos municípios de Iporá/GO, Israelândia/GO e Jaupaci/GO extrapolam o limite razoável de indicado pela ANEEL.
Juntou índices do DEC (Duração Equivalente de Interrupção por Unidade Consumidora) e FEC (Frequência Equivalente de Interrupção por Unidade Consumidora) fornecidos pela ANEEL, que demonstram, aparentemente, o desrespeito com os níveis anuais fixados pela ANEEL como toleráveis quanto às horas de interrupção do serviço de energia por parte da requerida.
Portanto, no caso em deslinde, é evidente a probabilidade das falhas, no serviço de fornecimento de energia elétrica no conjunto elétrico denominado “Iporá” (o qual atende os consumidores das cidades de Israelândia, Jaupaci e Iporá), em virtude de repetidas e continuadas interrupções do fornecimento de energia elétrica, reconhecida inclusive pela concessionária, provocando inúmeros prejuízos aos consumidores.
Daí a probabilidade do direito invocado na exordial.
Por oportuno, esclareço que o fornecimento de energia elétrica é serviço público essencial, que deve ser prestado de forma ininterrupta e generalizada pela Administração Pública, nos termos do art. 175 da CF, complementado pelo art. 6o, X do Código de Defesa do Consumidor, o qual ainda deve ser oferecido com qualidade, continuidade eficiência, ou seja, adequado ao pleno atendimento das necessidades dos usuários (art. 6o, §§ 1o e 2o e art. 7o, I da Lei no 8.987/95 e art. 140 da Resolução no 414/2010 da ANEEL).
Já o perigo da demora, decorre do fato de que excessivas interrupções no fornecimento de energia elétrica, como no caso em exame, são capazes de gerar prejuízos de difícil ou incerta reparação, por tratar-se de serviço essencial.
Nesse sentido:
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TUTELA DE URGÊNCIA DEFERIDA
NA ORIGEM. ADOÇÃO MEDIDAS MELHORIA FORNECIMENTO ENERGIA ELÉTRICA. PRESENÇA
DOS REQUISITOS LEGAIS. MANUTENÇÃO. FIXAÇÃO DE MULTA. VIABILIDADE. VALOR RAZOÁVEL.
DECISÃO MANTIDA. 1. O agravo de instrumento é recurso secundum eventum litis e deve limitar-se ao exame do acerto ou desacerto do que ficou decidido pelo juiz monocrático, não podendo examinar matéria estranha ao ato judicial vituperado. 2. Evidenciados, in casu, os requisitos dispostos no art. 300, caput, do CPC, é de se manter incólume a decisão agravada, que deferiu a tutela de urgência requestada pelo autor/agravado (a medida determinou a adoção de medidas concretas e operacionais de qualquer natureza que reflitam na melhoria no fornecimento de energia elétrica aos consumidores).
- As astreintes inserem-se no poder de cautela do juiz e poderão por ele ser utilizadas sempre que necessárias para conferir efetividade ao processo (arts. 297 e 497, ambos do CPC). Logo, em sendo arbitradas em valor razoável e condizente com as características do litígio, não há falar em sua exclusão ou na redução de seu quantum, isso porque, no caso, foi fixada multa diária de mil reais, limitada a trinta dias.
AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO
TRABALHO -> Recursos -> Agravos -> Agravo de Instrumento 5753222-93.2022.8.09.0117, Rel. Des(a).
SILVÂNIO DIVINO DE ALVARENGA, 6a Câmara Cível, julgado em 05/06/2023, DJe de 05/06/2023)
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. TUTELA CAUTELAR REQUERIDA EM CARÁTER
ANTECEDENTE. REVISÃO DO SISTEMA DE FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. OSCILAÇÕES
CONSTANTES. PROBABILIDADE DO DIREITO E PERIGO DA DEMORA. PRESENTES. DECISÃO
MANTIDA. PREJUDICIALIDADE DO AGRAVO INTERNO. 1. Nos termos do art. 300 do Código de
Processo Civil, a tutela provisória de urgência de natureza antecipada será concedida quando
houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao
resultado útil do processo (?caput?), além da ausência de perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão (§ 3o). 2. No caso concreto, verifica-se a presença dos requisitos necessários à concessão de tutela cautelar antecipada, tendo em vista a existência de documentação que confere plausibilidade às alegações inicias, relativas a falha na prestação do serviço de energia elétrica, com interrupções constantes que acarretam prejuízo às atividades industriais desempenhadas pela parte autora. 3. A determinação liminarmente direcionada à recorrente, voltada à revisão do sistema de transmissão de energia elétrica ao centro consumidor industrial, não lhe impõe prestação aparentemente destoante ou exorbitante da regularidade do serviço essencial que lhe cumpre, com eficiência, disponibilizar a seus usuários. 4. Em razão do julgamento de mérito do agravo de instrumento, fica prejudicado o agravo interno interposto contra a decisão liminar. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E DESPROVIDO. AGRAVO INTERNO PREJUDICADO.(TJGO, PROCESSO CÍVEL E DO TRABALHO -> Recursos -> Agravos -> Agravo de Instrumento 5550781- 75.2022.8.09.0036, Rel. Des(a). DESEMBARGADOR CARLOS ROBERTO FAVARO, 1a Câmara Cível, julgado em 23/01/2023, DJe de 23/01/2023)
Logo, presentes os requisitos indispensáveis, o deferimento da tutela de urgência perseguida pelo Ministério Público, é medida que se impõe.
Ante o exposto, ACOLHO PARCIALMENTE a liminar pleiteada para determinar à requerida Equatorial Goiás Distribuidora De Energia S.A, que tome as providências técnicas necessárias para resolver os problemas apontados na petição inicial, melhorando efetivamente o serviço público essencial de energia elétrica nos municípios de Iporá/GO, Israelândia/GO e Jaupaci/GO, no prazo de 60 (sessenta) dias contados da intimação da decisão liminar, de modo a, dentre outras providências, não mais violar os indicadores de continuidade DEC e FEC, aos limites estabelecidos pela ANELL para o ano de 2023 e nos anos seguintes, sob pena de aplicação de multa diária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a ser destinada ao Fundo Municipal de Defesa do Consumidor, devendo comprovar nos autos as providências tomadas, em até
05 dias após o vencimento do prazo para resolução dos problemas.
DEFIRO o pedido de inversão do ônus da prova em favor dos consumidores nos termos do art. 6o inciso VIII do Código de Defesa e Proteção do Consumidor.
CITE-SE a parte requerida para oferecer resposta no prazo de 15 dias, sob pena de revelia.
Expeçam-se editais a serem afixados no placar do fórum desta Comarca, da Prefeitura Municipal e da Câmara de Vereadores dos Municípios de Iporá/GO, Israelândia/GO e Jaupaci/GO, bem como outros locais públicos, oficiando-se ainda aos veículos de comunicação desta Comarca, tais como rádios, jornais impressos e eletrônicos informando este decisum a fim de que a sua população tome ciência (art. 94 do CDC).
Documento Assinado e Publicado Digitalmente em 09/08/2023 17:28:34
Assinado por WANDER SOARES FONSECA
Localizar pelo código: 109687605432563873869806291, no endereço: https://projudi.tjgo.jus.br/p
Vindo a defesa no prazo legal e, uma vez apresentando preliminares, fatos novos, ou outros documentos, ouça-se a autora, no prazo de 15 (quinze) dias, com arrimo no artigo 100 do mesmo Diploma Legal.
Expeça-se o necessário.
Publicado, datado, assinado e registrado eletronicamente. Intimem-se.
Iporá/GO.
Juiz WANDER SOARES FONSECA