O Ministério Público de Goiás ofereceu denúncia criminal no último dia 9 contra o prefeito de Israelândia, Ailton Severino de Aguiar, e outras 15 pessoas por crimes apurados nas investigações da Operação Tarja Preta. Deflagrada em outubro de 2013, a ação desmontou um esquema de venda fraudada e superfaturada de medicamentos e equipamentos hospitalares e odontológicos para prefeituras goianas.
Os fatos apresentados na denúncia foram apurados em um inquérito específico, desmembrado da investigação principal, que deu origem a 19 procedimentos investigativos. A peça acusatória foi encaminhada à Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Goiás, onde tramitam os processos que envolvem chefes de Executivos municipais.
A denúncia oferecida no TJGO, por envolver prefeito, é assinada pelo procurador-geral de Justiça, Lauro Machado Nogueira; o promotor designado para a Procuradoria de Justiça Especializada em Crimes Praticados por Prefeitos, Marcelo André de Azevedo, além dos membros do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), Luís Guilherme Martinhão Gimenes, Mário Henrique Caixeta, Walter Tiyozo Linzmayer Otsuka e Juan Borges de Abreu.
Os crimes
Além de Ailton Aguiar, são relacionados na denúncia, entre os agentes públicos, os secretários de Finanças do município, Edilson dos Anjos Vieira, e de Licitações, Contratos e Compras, Thaynã Dias Ferreira Avelar. Em relação ao gestor, é imputada pelo MP a prática dos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro (artigo 1º da Lei nº 9.613/1998), dispensa irregular de licitação (artigo 89 da Lei nº 8.666/1993) e fraude à licitação (artigo 90 da Lei nº 8.666/1993) por quatro vezes, tanto para a aquisição de medicamentos quanto para a contratação de serviços jurídicos. Já os dois secretários são acusados de dispensa irregular de licitação e de fraude à licitação, também por quatro vezes.
Entre os empresários, a denúncia abrange Edilberto César Borges, administrador e sócio oculto das empresas J. Médica e Pró-Hospital; a sócia da J. Médica, Jaciara Borges, e os filhos desse casal, Mariana Borges e Edilberto César Júnior, sócios da Pró-Hospital. Ligado a essas empresas, o vendedor Milton Machado Maia foi incluído na peça acusatória pelos crimes de dispensa irregular de licitação e fraude em licitação (artigos 89 e 90 da Lei nº 8.666/1993), por duas vezes. Esses mesmos crimes são atribuídos a Edilberto Borges, que, contudo, também está sendo acusado de corrupção ativa e lavagem de dinheiro, enquanto sua mulher e seus filhos foram denunciados por dispensa irregular de licitação e por fraude em licitação (todos por duas vezes nessa última conduta).
A peça acusatória do MP aponta ainda a participação das empresárias Kátia César Borges de Souza e Letícia Maêve César de Souza, sócias da Maêve, e do administrador dessa empresa, Antônio Eloísio de Souza. As acusações contra eles são também de prática de dispensa irregular de licitação (artigo 89, parágrafo único, da Lei nº 8.666/1993). A Maêve, segundo apurado, faz parte do grupo familiar de Edilberto Borges, da J. Médica e Pró-Hospital.
Outros relacionados entre os acusados são os comerciantes Altamiro José da Costa e Oneide Cândida da Silva Costa, proprietários da firma Batista e Cândida Ltda (Mercado 2 Irmãos), em cuja conta bancária foram depositados os valores pagos pelos empresários ao prefeito a título de propina. Assim, os dois deverão responder ao processo por terem contribuído para a prática dos crimes de corrupção passiva e de lavagem de dinheiro.
Figuram também como denunciados os advogados Tomaz Edilson Filice Chayb e Mariana Pereira de Sá, do escritório Chayb & Máximo Advogados Associados, e Gustavo Forte , da Forte Advogados. Aos três é imputado crime de fraude em licitação (artigo 90 da Lei nº 8.666/1993). Eles foram incluídos no processo em razão de, no curso das investigações da Tarja Preta em Israelândia, ter sido apurado que, além da fraude nas licitações para aquisição de medicamentos, também houve fraude em procedimentos licitatórios destinados à contratação de serviços de assessoria jurídica especializada para o município de Israelândia.
“Na realidade, esses procedimentos ‘regularizariam’ o ‘vínculo jurídico’ que já havia entre o município e o escritório dos advogados Tomaz Edilson e Mariana Pereira de Sá, Chayb & Máximo Advogados Associados”, sustenta a denúncia. Quanto ao advogado Gustavo Forte, a peça acusatória afirma que ele participou ativamente da fraude ao caráter competitivo do procedimento licitatório, ao concordar em tomar parte na simulação de licitação.
O esquema
A Tarja Preta desmontou uma organização criminosa que atuava tanto no pagamento de vantagem indevida a agentes políticos em troca de futura contratações com a administração pública, quanto na simulação de licitação e dispensas indevidas de licitações para compra de medicamentos, materiais hospitalares e odontológicos. Esses produtos eram superfaturados e, em alguns casos, sequer entregues. O crime de organização criminosa e formação de quadrilha foi objeto de denúncia em autos separados.
Conforme a denúncia, a forma de atuação da organização foi praticamente a mesma em todos os municípios investigados, com o aliciamento de agentes públicos, como prefeitos e secretários e candidatos a cargos eletivos em 2012, com o pagamento a estes de vantagem indevida, antes e depois da posse no cargo, a pretexto de condicionar a preferência ou exclusividade no futuro fornecimento de medicamentos e produtos hospitalares ao município. Posteriormente, eram simuladas as licitações e sua dispensa, para dar aparência de legalidade.
Em Israelândia
Em Israelândia, a associação criminosa atuou para fraudar licitações, simulando a concorrência entre as empresas mencionadas no intuito de burlar o caráter competitivo do certame. Também houve irregularidades na dispensa indevida de licitação, sem observância dos requisitos legais por parte dos gestores. O esquema, conforme apurado pelo MP, contou com participação ou conivência dos agentes públicos, tendo sido verificado que o prefeito, inclusive, recebeu vantagem indevida para beneficiar as empresas acusadas. As fraudes ocorreram em 2013.
Um dos expedientes utilizados pela organização criminosa e que também foi detectado em Israelândia foi a adoção da política denominada “vales”. Por meio dela, compras de medicamentos e insumos hospitalares foram realizadas sem qualquer tipo de procedimento licitatório ou de dispensa. Tratavam-se de compras diretas, a prazo, sem que houvesse, minimamente, um contrato escrito. Para viabilizar o pagamento, depois da compra já feita, simulava-se uma licitação ou dispensa, com a emissão posterior dos documentos necessários para que a administração pudesse realizar a quitação.
No caso do prefeito, a apuração do MP também conseguiu constatar indícios da prática de lavagem de dinheiro, com o uso, pelo gestor, de contas de outras pessoas para o recebimento de vantagens indevidas, visando dissimular a origem ilícita. A quebra dos sigilos bancários indicou ainda que o pagamento foi feito por meio de cheques e que Ailton, ao contrário de outros gestores investigados na Traja Preta, recebeu valores após as eleições, ou seja, quando já exercia o cargo.
A peça acusatória é instruída com os elementos de prova coletados durante a operação, como, por exemplo, depoimentos dos investigados, cópias de anotações e documentos apreendidos, fotografias, transcrição de escutas telefônicas. Diante do conteúdo sigiloso de algumas provas, o processo tramita em segredo de justiça.
Desmembramento
Os membros do MP também requereram à Justiça, em uma manifestação anexa à denúncia (cota), o desmembramento do processo relativo ao caso de Israelândia, para manter em andamento no TJGO apenas os autos em relação ao prefeito, remetendo-se todo o restante (as acusações contra os demais denunciados) para o juízo de primeiro grau, naquela comarca. A intenção é garantir maior celeridade processual, tendo em vista o grande número de denunciados. (Texto: Ana Cristina Arruda – Fotos: João Sérgio/Assessoria de Comunicação Social do MP-GO)