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A fé cega a serviço da teocracia

Texto de Alan Oliveira Machado – E disse o Senhor Deus: Eis que estou contra os pastores e livrarei as minhas ovelhas da sua boca, e não lhes servirão mais de pasto. (Ezequiel 34:10)

Eles estão presentes, cada vez mais. No início, estavam só em templos humildes que atraiam pessoas simples e de fé para a comunhão e o louvor, fortalecendo laços de ajuda mútua e de respeito, depois apareceram os templos barulhentos, expulsando demônios fictícios e prometendo a salvação, enquanto vendiam óleos bentos, velas que chamam dinheiro, águas santas, entre outras quinquilharias desonestas nos benefícios que ofereciam. Depois, começaram a comprar salas de cinema populares e transformá-las em igrejas. A partir daí, teve início a guerra santa contra tudo ao redor que não lembrasse as pantomimas dos pastores ou que se silenciasse, em reprovação, diante das intervenções teatrais públicas, por eles organizadas, quase sempre movidas à ignorância social e teológica. Diante de tudo isso, ninguém acendeu o sinal de alerta, pelo contrário, políticos cheios de cobiça acolheram essa gente, que é o joio do mundo evangélico, em vez de combater a insensatez e o desarrazoado moral, educacional e cultural que reinava nos quintais de certas congregações. Gente do meio universitário simplesmente ridicularizava a estultice, a falta de senso e a fragilidade de pastores e de seguidores, como se subestimar fosse o melhor caminho para enfrentar o problema.

Mesmo assim, eles continuaram trabalhando na construção de um ethos evangélico, isolando pobres e desvalidos em comunidades de acolhimento e convencimento à medida em que nomeavam como inimigos todos aqueles que não falavam a língua de suas igrejas. Essa tática, alimentada nos púlpitos por uma retórica inflamada, que incute medo e culpa, criou um fosso de modo a segurar os fiéis no entorno da igreja, dominados por uma ordem discursiva que os tornava incapazes de reconhecer qualquer um fora dessa ordem como um igual ou semelhante. Criou no bando inicial de desvalidos e desinformados um sentimento de superioridade que os tornava receptivos às irracionalidades pregadas dentro da igreja e imunes a qualquer abordagem racional que não fosse endógena.

Então eles perceberam que estavam preparados e podiam mais… e, aos poucos, foram escolhendo seus próprios candidatos, ao passo que abriam comércios exclusivos, lojas de roupas evangélicas, estações de rádio, gravadoras com cantores de hinos, redes de televisão, jornais, livrarias, escolas e templos suntuosos nos lugares mais nobres e em outros países. A fé que parecia mais uma obsessão por dinheiro, passou a ser um caminho para o poder, com o qual imporiam seus costumes àqueles que não se subjugaram ao delírio reinante entre os chefes que bamburraram com o dinheiro dos pobres embebidos pelas ilusões da fé. Eles ficaram ricos, muito ricos e contaminaram os três poderes, mas não bastava, precisavam submeter todos, controlar os corpos, a vida social e financeira de todos como fazem com seus fiéis: decidem sobre a sexualidade, sobre o matrimônio, sobre o emprego, sobre as finanças, sobre a educação e sobre os gostos. Para alcançar o objetivo era preciso criar uma teocracia. Era preciso tomar o poder e estabelecer novas leis, as suas leis, como forma de dominação.

Em 2018, auge do domínio político que passaram a exercer, se uniram a milicianos e ajudaram a eleger um presidente para chamar de seu, na verdade um carreirista da política oficial, preguiçoso, corrupto e mentiroso compulsivo, cheio de malandragem e esperteza. As credenciais não importavam. No mundo dos oportunistas valem as promessas e a encenação condizente. Então o presidente mentiroso compulsivo passou a fingir-se de evangélico e repetir um bordão bíblico fora do contexto cujo significado ignorava: “E conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”. Aqueles que caíram no engodo alimentado por pastores sentiram a verdade verdadeira e nada libertária na pele: desprezo por vacinas, pela educação, pelas ciências, pelo meio ambiente, pelos bons modos, pelo respeito à democracia, desprezo pelos pobres, o aumento do armamentismo e da pobreza… Muitos evangélicos decentes se sentiram traídos e envergonhados com o caos que o grupo do presidente mentiroso criou no País. Embora a nação estivesse abandonada a hordas de delinquentes espalhadas por ministérios e autarquias, os chefões pastores não desistiram, queriam o Ministério da Educação, queriam impor sua pauta de costumes a qualquer custo. E o custo foi alto: retrocedemos pelo menos uns 30 anos.

A história ainda não acabou. Os democratas, as cidadãs e cidadãos de bem, sejam religiosos ou não, precisam estar atentos. Os riscos não passaram. Essa semana, o IBGE noticiou que no Brasil de hoje há mais templos do que instituições escolares e de saúde. Provavelmente, grande parte abraça o projeto aqui denunciado. Isso por si só já nos dá a dimensão do desastre cultural, social e educacional que nos espera. Vamos ficar sentados? Há braços!

Alan Oliveira Machado é doutor em educação, linguista, psicanalista e professor da Universidade Estadual de Goiás (UEG)

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