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Metamorfoses da Cidade (Parte II): Subsídios para a História de Iporá

Introdução

         

O presente texto que se segue, é a continuação do recente artigo publicado no Jornal Oeste Goiano (02/08/2021). Este artigo é uma síntese do vasto e rico memorial histórico do antigo Distrito do Rio Claro em meados do século XIX. Para situarmos o leitor, segue em destaque o título do presente artigo, bem como outros que já foram publicados e/ou que virão a serem publicados:

1º Metamorfoses de uma Cidade (Parte I): Subsídios para a História de Iporá;

2º Metamorfoses de uma Cidade (Parte II): Subsídios para a História de Iporá;

3º Conflitos no Sertão do Gentio Cayapó;

4º Fazendeiros, Agricultores, Garimpeiros e Tropeiros do Oeste Goiano (século XIX);

5º Israel de Amorim: a criação de um mito para fins históricos.

 

No coração do Império do Café floresce um enclave agropastoril

 

O Arraial do Rio Claro, bem como toda extensão de terras compreendidas pelo Distrito, se apresentava favorável às atividades agropastoris; as distâncias para com os centros urbanos mais significativos da província (Goyaz-Capital, Meia Ponte, Jaraguá, Bom Fim, Santa Cruz), somados com os constantes e implacáveis ataques dos índios Cayapó eram entraves que precisavam serem vencidos.

 

O cenário econômico nacional do Império brasileiro apresentava já na metade do século XIX o café como principal produto de exportação, e a principal fonte consumidora da mão de obra de africanos e afrodescendentes escravizados. O Arraial do Distrito do Rio Claro neste período, se configurava como um enclave, entre o Império do Café e o Sertão do Gentio Cayapó; uma região de fronteira que dividia dois povos (colonizadores x indígenas), dois interesses (colonizar novos territórios x proteger territórios dos ancestrais), duas culturas (cultura católica híbrida luso-brasileira-africana-asiática x cultura animalista-naturalista-indígena) dentro do mesmo território brasileiro.

 

Com a expansão da cultura do café dominando e avançando sobre as terras do sul, sudeste e sudoeste da província de Minas Gerais, e sobre o oeste e noroeste da província de São Paulo; ocorre então uma onda migratória para regiões do interior do Brasil, pois, em tais regiões haviam maiores ofertas de terras “devolutas” e/ou com preços mais acessíveis. Ocorre então uma migração de paulistas e mineiros (que na época eram chamados de “geralistas”) para o chamado Triângulo Mineiro (região que até o início do século XIX pertencia à Goiás com a denominação de Sertão da Farinha Podre), em direção ao sul e sudoeste de Goiás, e também para Nordeste do hoje estado do Mato Grosso do Sul.

A intenção dos migrantes seria unânime: derrubar a mata, com a madeira derrubada construir sua casa de morar, seu curral, cercar o mangueiro para os porcos e fazer algumas cercas. Paralelo a tudo isto, era necessário providenciar o abastecimento constante de água para a nova morada e as criações. Não obstante, logo que no período apropriado, fazia-se necessário roçar os campos formados pela derrubada da mata, para então plantar-se sua roça buscando o fornecimento de alimentos (arroz, feijão, milho, mandioca, abóboras, pomares frutíferos e hortaliças), tanto para os colonos, quanto para complementar a alimentação das criações e rebanhos (vacas, cavalos, porcos, galinhas, etc.).

Todo este esforço para apropriação e fixação no território, demandava tempo e mão de obra; e geralmente, como os novos colonos vinham de uma cultura rural agropecuária (onde a mão de obra escravizada não era tão utilizada/necessária), buscava-se nos arredores o apoio dos já fixados e/ou de outros novos colonos, para na forma de comunitário, realizar-se multirões para a realização de benfeitorias em determinada propriedade rural.colonos que também se aventuravam na árdua jornada de fixação no território dominado pelos Cayapó.

A vocação para o agronegócio ganha impulso com a Guerra do Brasil contra o Paraguai (1865-1870); determinações do presidente da província de Goyaz incentivaram os produtores rurais do Distrito a expandirem suas lavouras e roças, bem como promoverem o aumento dos rebanhos; visando o abastecimento de víveres e alimentos para as tropas brasileiras em campanha contra os paraguaios que haviam invadido a província do Matto Grosso, chegando a tomar e saquear a Vila do Coxim, já na fronteira com Goyaz. Consequentemente, os territórios apropriados pelos fazendeiros da região se expandem e/ou ganham impulso para sua fixação definitiva.

 

O jornal SEMANÁRIO OFFICIAL em sua publicação de 17 de junho de 1905, pg.4; trouxe a informação de que, entre os anos de 1857 e 1859, foram registradas 59 propriedades rurais na Paróquia de Nossa Senhora do Rosário do Rio Claro, nos chamados Registros Paroquiais. Número expressivo de registros de propriedades rurais para um período de apenas 2 anos; tal fato, corrobora para o pensamento de que houveram intensificações nas apropriações do território do Oeste Goiano.

 

População e Economia em meados do século XIX

 

O Arraial do Distrito do Rio do Claro se apresentava dinâmico, não só em sua economia, como também em sua  composição populacional. A população do Distrito era composta de migrantes principalmente paulistas e mineiros, que haviam adquirido/apropriado de glebas de terras na região, bem como famílias de agregados que buscavam  moradia e trabalho em fazendas da região.

 

Localizado numa região de privilegiada rota comercial entre a Capital goiana e a Capital mato-grossense, o Distrito do Rio Claro era local de pouso e arranchamento de tropas e boiadas, de mascates e demais viajantes. Nos períodos de estiagem das chuvas, era local de convergência de aventureiros e faiscadores que almejavam garimpar ouro e diamantes nos rios e afluentes da região.

 

Com a intensificação das migrações paulistas e mineiras, surgem vilas e arraiais no sudoeste goiano, local que era conhecido como Sertão do Gentio Cayapó. Tais vilas, ainda no século XIX, se desmembraram administrativamente do Município da Capital, originando os Município de: Torres do Rio Bonito (atual Município de Caiapônia), Dores do Rio Verde (atual município de Rio Verde) e Espírito Santo do Jatahy (atual município de Jataí).

 

Em 1867, o presidente da Província nomeia para suplentes do cargo de Subdelegado no Distrito do Rio Claro: 2º Suplente – Joaquim Caetano Telles, 3º Suplente – José Pinto Monteiro, 4º Suplente – José da Cruz Leite, 5º Suplente – Antônio Gomes Pinheiro, e para 6º Suplente – Sebastião de Freitas Silveira. (Cf. Correio Official de Goyaz, Ed. 177/1867, p.1).

 

O início da década de 1870 é marcada pela hegemonia da família “de Paula” no Distrito do Rio Claro, onde os três irmãos Luis Augusto, Theophilo Olympio e Américo Olympio de Paula, além de comerciantes no Arraial, exerciam a compra e revenda de diamantes. Usufruindo de indicações para cargos público-administrativos, tais como Sub-Delegado de Polícia;  e até mesmo, a casa que servia de Quartel no Distrito do Rio Claro, pertencia à Luis Augusto de Paula, que alugava o imóvel  à Província. Em 1870, Luis Augusto é citado como Coletor Provincial de Impostos.

 

Em 1872, o Comando da Guarda Nacional na Paróquia do Rio Claro era composto pelos seguintes membros: Presidente – Capitão Antônio Gomes Pinheiros, Vogal – Tenente Manoel Vieira de Rezende, e o Vogal – Alferes Américo Olympio de Paula. De 1º de julho de 1872 até 19 de junho de 1873, o cargo de Coletor Provincial de Impostos fora exercido por Cândido Caetano Telles, que também exerceu o cargo de Escrivão de Paz na Freguesia do Rio Claro.

 

No ano de 1872 temos a nomeação para os cargos de Sub-Delegado e seus respectivos suplentes: Sub-Delegado – Luis Augusto de Paula, 1º Suplente – Theophilo Olympio de Paula, e o 2º Suplente – Luiz Pedro Martins.

 

Em 1872, o governo imperial do Brasil decide realizar o primeiro Censo demográfico do país. Em 24 de abril de 1872, o presidente da província de Goyaz nomeou uma Comissão Censitária para o Distrito do Rio Claro, composta  pelo vigário da paróquia, o Pe. João Baptista Leite; o Sub-Delegado Luis Augusto de Paula e seu irmão Theophilo Olympio de Paula; José de Moraes Bueno (filho de Manoel de Moraes Bueno – importante fazendeiro da região); Luiz Pedro Martins, e o Tenente Manoel Vicente Ferreira (nomeado agente recenseador). 

 

No recenseamento realizado em 1873, a Paróquia do Rio Claro registrou 962 pessoas vivendo na localidade, com a seguinte distribuição de gêneros e faixa etária:

Ainda conforme este recenseamento, das 962 pessoas registradas vivendo no Distrito do Rio Claro: 239 eram casadas, 319 eram solteiros, 63 eram viúvos e 341 eram menores de idade (consideravam-se menores aqueles que ainda não tinham completado 15 anos de idade). A idade dos habitantes estavam assim distribuídas: “De meses” – 30; de 1 à 5 anos – 108; de 6 à 15 anos – 203; de 16 à 40 anos – 481; e de 41 à 98 anos – 140. Dentre os 962 recenseados no Distrito do Rio Claro, encontravam-se 9 estrangeiros e 953 brasileiros natos.

Pelos dados colhidos pelo recenseamento do Distrito, percebemos que a maioria da população residente no Distrito do Rio Claro (49,89%) estava dentro da faixa etária economicamente ativa (dos 16 aos 40 anos). E a qualidade de vida do Distrito era relativamente considerável, pois, 14,55% da população se enquadrava na faixa etária entre os 41 e os 98 anos. Porém, o destaque a qual damos para os dados relativos a este Censo, não poderia ser outro, senão, os 35,45% da população do distrito formada por crianças abaixo dos 15 anos de idade. O fato de a taxa de fecundidade ser tão expressiva dentre o percentual total de moradores no Distrito, mostra-nos que as condições de vida e ambiente eram favoráveis ao ponto dos colonos não só se fixarem, como também, permanecerem expandindo suas criações e aumentando o núcleo familiar.

 

No período do recenseamento, a população flutuante, aqueles transeuntes, viajantes, trabalhadores temporários, tropeiros e boiadeiros representavam 2,7% da população do Distrito. Se somarmos a população escravizada à população livre, os homens representavam 54,4% (509), enquanto as mulheres somavam 45,6% (427) dos moradores do Distrito (936).  

Talvez a história e hegemonia política do Distrito do Rio Claro fosse outra no decorrer do raiar o século XX, caso não houvesse acontecido trágicos episódios para a família “de Paula” ao decorrer da década de 1870 e início da década de 1880. Em 1873, Theophilo Olympio de Paula, morreu ao tentar atravessar o Rio Claro com uma canoa que ele mesmo conduzia, defronte ao Arraial do Rio Claro. No ano de 1880, Luis Augusto de Paula é assassinado a mando de outro comprador de diamantes da região e um importante fazendeiro, o Capitão Joaquim Bernardes d’Oliveira. 

Aqueles que eram presos pela Força Policial eram já de imediato encaminhados para a Cadeia Pública da Capital, uma vez que, no Distrito do Rio Claro não existia repartição prisional para completar prisioneiros, e o território do Distrito pertencer à jurisdição e administração municipal da Capital da Província. Até mesmo as autoridades do Distrito do Rio Claro sofriam com a insegurança e as ondas de violência, e por vezes, eram fazendeiros de destaque que eram autores e/ou mandantes de assassinatos:

Para colaborar com nossa tese, sobre possível destino diferente para o Distrito do Rio Claro caso a hegemonia da Família de Paula se perpetuasse, basta analisarmos a influência dos descendentes da Família na fundação das cidades de Córrego do Ouro (fundador e doador de terras – Benedicto Cordeiro de Paula); e Fazenda Nova (fundador – José de Paula Barbosa).

 

Em 1875, Manoel de Moraes Bueno exercia o cargo de Subdelegado do Distrito. Em 1876 o cargo foi exercido por José Ignácio da Rocha. Ainda em 1876 é nomeado Subdelegado do Rio Claro, José Emerciano de Souza. Em 1878, o Alferes Achilles Cardoso de Almeida exerceu a função policial no Distrito, porém ainda em 1878, o conhecido e prestigiado na Capital goiana, Capitão Braz Abrantes assumiu o cargo do Distrito. Em 28 de junho de 1878, o Capitão Braz Abrantes pediu exoneração do seu cargo, e para o lugar foi nomeado para o próximo Biênio (1878-1880) o Tenente João Pereira d’Abreu.

 

O Ten. João Pereira d’Abreu enfrentaria um grande desafio à seu comando para assegurar a paz e harmonia no Distrito do Rio Claro, pois, em 24 de agosto de 1878, por ordem de presidência da Província, regressou à Capital todo o destacamento que ali se achava sob as ordens do 2º Sargento Luiz Pinto Figueiredo. Em 1880, Manoel Camillo de Freitas (importante fazendeiro da região) assume o cargo de Subdelegado do Distrito; exercendo até 1882 quando é substituído por Manoel de Moraes Bueno (que exerceu pela segunda vez o cargo), tendo como 1º Suplente – Benedicto Francisco Martins.

 

Terminado o Biênio (1882-1884), assumiu o cargo o comerciante Affonso Geraldo Diamantino, porém, em 24 de abril do mesmo ano pediu exoneração do cargo. Assume o cargo de Subdelegado, o 1º Suplente – José Dias da Fonseca. Em 1885 assumiu o cargo de Subdelegado, depois de nomeado pelo presidente da Província, Epiphanio Freitas Silveira, que exerceu o cargo até 1º de abril de 1887. Durante este período da gestão de Epiphanio Freitas Silveira, permaneceu como 1º  Suplente – José Dias da Fonseca.

 

Em 1º de abril de 1887, são nomeados para o Distrito do Rio Claro: Sub-Delegado – Augusto Dias Ferreira, e 1º Suplente – Andrônico Francisco Regis. Em 31 de outubro de 1890, assumiu novamente o cargo o Sr. Manoel Camillo de Freitas, como 1º Suplente – Manoel de Moraes Bueno, 2º Suplente – Jeronymo Beato, e 3º Suplente – Affonso Geraldo Diamantino, que neste período exercia a função de Juiz de Paz do Distrito.

 

Dentro do contexto de luta pelo abolicionismo, temos por exemplo no Distrito do  Rio Claro, o então Pe. João Baptista Leite, pároco daquela Freguesia, dando carta de alforria à sua escrava Rita, em 18 de julho de 1887. Tal atitude do religioso influenciou os fiéis da Freguesia, pois vemos que em 03 de novembro de 1887, a Srª Maria do Carmo Vieira de Jesus alforriando sua escrava Custódia.

 

Em 16 de abril de 1900, através do Decreto nº 647, são nomeados para o Distrito do Rio Claro: Subdelegado – José Teixeira, 1º Suplente – Hermenegildo Antônio de Freitas, e 2º Suplente – Jeronymo Beato da Silva.

 

Com o romper do século XX, mas precisamente em 09 de abril de 1901, o Distrito do Rio Claro recebe uma dura transformação política, administrativa e geográfica; pois, são criados através das Leis Municipais nº 86 e 87/1901, depois alterados pela Lei Municipal nº 111/1902, os Distritos de Cachoeira de Goiás e o do Registro do Araguaia. Tais distritos foram criados através do desmembramento de terras pertencentes ao então Distrito do Rio Claro, e anexados originalmente ao Município da Capital, Goiás.

 

Para colaboração deste pensamento, basta analisarmos as escrituras oitocentistas de terras em todo vale dos rios Claro e Caiapó, e perceberemos que toda extensão de terras entre os rios Turvo e Araguaia, e entre o Rio Claro e o Caiapó, tiveram seus registros de terras lavrados na antiga Paróquia do Rio Claro ainda no século XIX, pois ali era a sede do extenso Distrito do Rio Claro.

 

Outra contradição histórica, agora no que diz respeito aos discursos  historiográficos de GOMIS (1998) e de SQUIAVE (2018), que enfatizam que o Distrito do Rio Claro aos romper o século XX caiu em decadência e econômica e perdeu sua importância, temos o fato de que, a Praça comercial do Rio Claro recebia comerciantes e suas tropas de muares de várias partes, frequentada por exemplo por Torquato Ramos Caiado e Francisco Leopoldo Rodrigues Jardim. A família Caiado era bem familiar com a região, pois em 12/06/1920 Leão Di Ramos Caiado faz requisição junto ao Governo da Escrituração da Fazenda Areias, na região do Rio Pilões. Para a historiadora RIBEIRO (2002, p.32) os Caiados foram ampliando e consolidando seu poder através da aquisição de terras, durante o período entre 1909 e 1930, período este caracterizado pela hegemonia política dos Caiados no cenário goiano.

 

No primeiro quartel do século XX, vemos certa hegemonia também na esfera regional do Distrito do Rio Claro, onde as famílias Caetano Telles e Paes de Toledo lideravam a política regional, sempre em consonância com o grupo político que administrava a Capital goiana, a qual o Distrito do Rio Claro era administrativamente dependente. Vejamos a tabela abaixo que exemplifica tal fato:

 

Se somarmos o fato de que José Paes de Toledo concorreu em 1903 nas eleições para Vice-Intendente (Vice-prefeito) da Capital goiana, recebendo 155 votos, chegamos a clara conclusão de que a família Paes de Toledo desfrutava de relativo destaque e importância não só no Distrito do Rio Claro como também na sede do Município, Capital do Estado de Goiás. Fato que se consumou em 21 de março de 1910, onde o Conselho Municipal de Goyaz nomeou José Paes de Toledo como Sub-Intendente do Distrito do Rio Claro (hoje equivalente ao cargo de Subprefeito).

 

A família Caetano Telles também teve certa influência político-administrativa sobre o Distrito do Rio Claro desde meados do século XIX. Cândido Caetano Telles foi Coletor de Impostos no Distrito do Rio Claro (mandato de 01/07/1872 à 19/06/1873) e Agente Recenseador (1873); João Caetano Telles substituiu seu irmão como Agente Recenseador do Distrito do Rio Claro (1873); Joaquim Caetano Telles foi 2º Suplente de Subdelegado no Distrito do Rio Claro (1867), e Bevenuto Caetano Telles foi nomeado 4º Suplente de Juiz Distrital do Rio Claro (mandato de 01/01/1911 à 31/12/1913).

 

Com o romper da Revolução de 1930 que alavancou Getúlio Vargas como presidente e Pedro Ludovico como Interventor Estadual, toda a base que apoiou a dinastia dos Caiados e Bulhões no Estado de Goiás, estava fadada a ser desarticulada para ser enfraquecida e não mais representar um perigo à nova ordem política que se seguia em âmbitos estaduais e nacionais. Esta estratégia do novo grupo político que emergiu ao poder em 1930 faria reflexos expressivos no Distrito do Rio Claro.

 

Visando esvaziar o poder latifundiário da Capital goiana (reduto histórico das famílias Caiado e Bulhões), e ainda de acordo com interesses dos fazendeiros e líderes regionais que apoiavam Pedro Ludovico Teixeira, tentou-se criar um novo município que abrangeria os Distritos de Cachoeira de Goiás e de Rio Claro, desmembrado-os do Município de Goiás. Projeto este que começou a ser ornado com o Decreto nº. 1350 de 26/08/1931, que desanexava da Coletoria da Capital o Registro de Impostos do Distrito do Rio Claro, e subordinava-o à Coletoria do Distrito de Cachoeira.

 

Em 1935 o Governador Pedro Ludovico Teixeira, “atendendo ao que lhe requereu a maioria dos eleitores dos Distritos de Cachoeira e Rio Claro” , criou um município formado pelos referidos distritos, desmembrando-os da Capital através do Decreto nº105 de 16 de maio de 1935. Porém as lideranças do Distrito do Rio Claro esperavam que a sede do município fosse ser em Rio Claro, porém, a sede do novo município ficou determinada a ser em Cachoeira o que desagradou a liderança do Distrito do Rio Claro que romperam com o apoio à criação ao novo município que teve sua criação revogada.

 

A solução articulada pelas lideranças regionais do Rio Claro para o impasse seria transferir a sede do Distrito  distante o bastante da cidade de Goiás e do Distrito de Cachoeira que justificasse a criação de um novo município. Tem-se propagado que a principal causa da transferência do local do Distrito das margens do Rio Claro para as margens do Córrego Tamanduá, foram as constantes enchentes e febres que os moradores sofriam devido os terrenos encharcados que circundavam a sede do antigo Distrito do Rio Claro. Porém, bem se sabe que as margens do Córrego Tamanduá também ofereciam (e ainda oferecem) terrenos passíveis de enchentes e que também possui margens com regiões encharcadas e pantanosas.

 

Neste episódio da transferência da sede do Distrito do Rio Claro para as margens do Córrego Tamanduá, ao analisarmos sob a ótica do historiador italiano TRAVERSO (2012), percebemos uma disputa política partidária em torno da lembrança e de suas narrativas historiográficas acerca de um passado em comum. O historiador GOMIS (1998) enumera Israel de Amorim como grande articulador e responsável pela sanção do governador Pedro Ludovico Teixeira para a transferência da sede do Distrito, porém, devemos somar a esta situação um personagem que ao nosso ver não é raro os devidos créditos e importância: Osório Raimundo de Lima, o Mestre Osório.

 

Osório Raimundo exercia neste período a função de Escrivão do Cartório do Distrito do Rio Claro; e o filho de sua irmã Jovita Inocência Furtado de Lima Artiaga era ninguém mais, ninguém menos do que Zoroastro Artiaga, o homem braço direito na administração de Pedro Ludovico Teixeira – Interventor do Estado nomeado pelo presidente Getúlio Vargas. Osório Raimundo de Lima era filho de Hermenegildo Raimundo do Nascimento Lima, Deputado Provincial por várias legislaturas, ou seja, alguém que viveu dentro de seu lar a política desde sua infância. Zoroastro Artiaga iria escrever inclusive, contribuições para a história regional e municipal de Iporá onde enumera seu tio Osório Raimundo de Lima como grande contribuinte para a transferência da sede do Distrito (Cf. História de Goiás – Pioneiros goianos: Mestre Osório. Folha de Goiaz, p.6, 31 out. 1968; e História de Goiás: Pioneiros de Iporá. Folha de Goiaz, Goiânia, p.6, 12 dez 1968).

 

Em 22 de maio de 1938 é lavrada a Escritura Pública no Cartório de Registro Civil da doação do patrimônio de 100 alqueires para a formação da nova sede do Distrito, os doadores foram os senhores Joaquim Paes de Toledo e sua esposa Brasilina Paes de Vasconcelos. Pelo Decreto-Lei Estadual nº. 1.233, de 31 de outubro de 1938, o Distrito de Rio Claro passou a denominar-se Itajubá, nome dado em homenagem à cidade mineira onde Elpídio Paes de Toledo, filho de Joaquim Paes de Toledo, havia estudado. 

 

Em 31 de dezembro de 1943, por força do Decreto-Lei Estadual nº. 8.305, seguindo orientações do IBGE para melhor identificação da localidade e evitar confusões com a já existente cidade mineira, o Distrito de Itajubá passou a se chamar Distrito de Iporá (palavra de origem indigena que significa Águas Claras, em alusão à sua origem às margens do Rio Claro). Pela Lei Estadual nº. 249, de 19 de novembro de 1948, o Distrito de Iporá foi desmembrado do Município de Goiás e elevado à categoria de município, e sua instalação se deu em 1º de janeiro de 1949. 

 

Pelas Leis Municipais nº. 53 e 54, de 19 de setembro de 1953, são criados respectivamente, os Distritos de Campo Limpo e Monchão do Vaz, e anexados ao Município de Iporá. Pela Lei Estadual nº 2.093, em 14 de novembro de 1958, é desmembrado do Município de Iporá o Distrito de Campo Limpo, e elevado à categoria de município, com a denominação de Amorinópolis. Na mesma data, também foi desmembrado do Município de Iporá o Distrito de Monchão do Vaz, elevado à categoria de Município com a denominação de Israelândia, pela Lei Estadual nº 2.114. Estes desmembramentos e emancipação política dos Distritos então pertencentes à Iporá contaram com o empenho e articulação política de Israel de Amorim que empreendia uma vingança por ter perdido as eleições municipais de Iporá, causando grandes prejuízos na arrecadação de impostos territoriais para a municipalidade.

 

Para a historiografia regional, Israel de Amorim poderia representar tanto um agente histórico heróico na emancipação política de Iporá, quanto também um agente histórico vingativo e vilão para a terra das Águas Claras. Estes lados antagônicos daquilo que podemos parafrasear PORTELLI (1996) como a “batalha de memória”, disputam a visão crítica do rico passado de Iporá e suas origens, sejam elas às margens do Rio Claro, ou às margens do Córrego Tamanduá.

 

Iporá/GO ao longo da história se viu transformar/mudar de garimpo de Distrito Diamantino da Coroa Portuguesa, em terras dominadas pelos ferozes índios Kayapó, para Arraial do Rio Claro e Pilões, um baluarte de defesa da Capital da Província de Goyaz. Iporá transformou-se de arranhamento de garimpeiros aventureiros e esporádicos para rota comercial de tropeiros e caravanas. Iporá viu-se transformar de reduto de influência da oligarquia Caiado para reduto do PSD nas décadas de 1950 e 1960. Esta é a cidade que deixou de ser Arraial dos Pilões para ser Distrito do Rio Claro, deixou de ser Rio Claro para ser Itajubá, deixou a margem direita do Rio Claro para abraçar o Córrego Tamanduá, e por fim deixa de ser Itajubá para ser  Iporá.

 

 

Bibliografia

 

CARDOSO, Ciro Flamarion. História e Paradigmas Rivais. In: CARDOSO, Ciro Flamarion; VAlNFAS, Ronaldo (Org.) Os domínios da história: ensaios de teoria e metodologia. Rio de janeiro: Campus, 1997. p.1-27.

GOMIS, Moisés Alexandre. Uma Viagem no Tempo de Pilões a Iporá. Goiânia: UEG/UnU-Iporá, 1998.

MONTEIRO, J. M.. Negros da terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.

PORTELLI, Alessandro. O massacre de Civitella Val di Chiana (Toscana: 29 de junho de 1944): mito, política, luto e senso comum, in: FERREIRA, Marieta de Moraes e AMADO, Janaína (org.). Usos & Abusos da História Oral. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1996, p. 103-130.

RIBEIRO, Miriam Bianca Amaral. Família e Poder em Goiás. Goiânia: AGEPEL/UEG, 2002. 

SAINT-HILAIRE, A. de. Viagem à Província de Goiás. Belo Horizonte/São Paulo: Itatiaia/Edusp, 1975.

SQUIAVE, H. E.G. Rio Claro: a natureza que reúne o espaço mineiro do século XVIII à formação territorial de Israelândia/GO. 2018. 175 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Universidade Federal de Goiás, Jataí, 2018.

Tipos e aspectos do Brasil : excertos da Revista Brasileira de Geografia / Fundação IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia, Departamento de Documentação e Divulgação Geografica e Cartografica ; ilustrações [de] Percy Lau [e] Barbosa Leite. Rio de Janeiro: IBGE, 1970.

TRAVERSO, Enzo. O passado, modos de usar. Lisboa: Edições Unipop, 2012.

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